Nos últimos anos você provavelmente se deparou com várias notícias indicando que grandes multinacionais deixariam de operar no Brasil. Não é para menos. Ao longo da última década, o setor industrial vem encolhendo cada vez mais no país.
Segundo um estudo divulgado pelo IBGE no ano passado, quase 10 mil fábricas deixaram de operar no país nos últimos dez anos, incluindo as multinacionais Ford, Mercedes-Benz, Sony, Roche e Eli Lily. A saída de grandes indústrias deixou mais de um milhão de brasileiros sem trabalho.
Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.
Assine já o The BRIEF, a newsletter diária que te deixa por dentro de tudo
Pensando nisso, uma das principais propostas do governo Lula para a economia é a chamada reindustrialização. O movimento, segundo o presidente, é uma demanda urgente, considerando que a indústria já representou 30% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro – e atualmente representa pouco mais de 20%.
Durante entrevista à imprensa no início do ano passado, Lula disse que o governo deve investir mais nas áreas de tecnologia e inovação, unindo "universidades, empresários e o Estado" para recuperar a capacidade industrial do país.
Os impactos da desindustrialização no Brasil
Resumidamente, o desenvolvimento da indústria de um país é importante para atrair potenciais investimentos estrangeiros no mercado, gerar mais competitividade com outros países e, consequentemente, mais empregos.
A multinacional Mercedes encerrou a produção de carros no Brasil em 2020 (Getty/reprodução)
Ao falarmos do Brasil, a indústria perdeu espaço antes do que deveria e o processo de desindustrialização foi precoce. Por isso, passamos pelo efeito contrário.
Uma consequência disso é a alta porcentagem de desemprego e também o elevado número de empregos informais no país. Até novembro de 2022, os informais representavam 38,9% da população ocupada e a taxa de desemprego era de 8,1%, com 8,7 milhões de brasileiros desempregados, segundo o IBGE.
"Geralmente, quem trabalha em um emprego informal é porque procurou um trabalho tradicional ou CLT e não encontrou. Assim, para ganhar dinheiro, a pessoa vai para o mercado informal, tanto no mundo dos aplicativos, como entrega de comida ou de transporte, quanto nas tradicionais barraquinhas de camelô, por exemplo", explica Raphael Almeida, economista especialista em planejamento financeiro.
Em 2021, o número de brasileiros com carteira assinada foi o menor desde 2012, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Aqui vale ressaltar que o trabalho informal se recuperou mais rapidamente que o trabalho formal após a pandemia da Covid-19.
Agora, apostando na reindustrialização do país, a expectativa do governo é que o movimento garanta mais empregos formais de qualidade e retome a baixa taxa de desemprego.
Os desafios
Com esse cenário, especialistas apontam que a falta de capacitação pode ser um entrave para a reindustrialização, já que a escolaridade média da população brasileira ainda é considerada baixa. Em 2018, apenas 21% das pessoas com idades entre 25 e 34 anos no Brasil tinham ensino superior completo, contra uma média de 45% nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Nesse sentido, Raphael Almeida explica que o maior desafio do governo Lula será correr atrás do prejuízo na área educacional e profissionalizante causado pela desindustrialização da última década. "O desafio é o atraso do Brasil em comparação a outros países, que já estão na chamada Quarta Revolução Industrial”, explica o economista.
O maior desafio do governo Lula será correr atrás do prejuízo na área educacional e profissionalizante causado pela desindustrialização da última década.
Conhecida também por Indústria do Conhecimento, a Revolução Industrial 4.0 engloba conhecimento sobre tecnologias para automação, IA e troca de dados.
“Países como Estados Unidos e China já estão vários passos à frente do Brasil, tornando a uma concorrência difícil. É muito mais fácil surfar a crista do desenvolvimento em que você foi um dos primeiros e muito mais complicado querer pegar uma onda que já passou", resume Almeida.
Somado a isso, o cenário educacional não é dos melhores: os anos de 2020 e 2021 tiveram os maiores índices de evasão de alunos do ensino superior privado no Brasil. O número, uma consequência direta da pandemia, é o maior da história do país. Já as universidades públicas do país tiveram queda de 18,8% no número de estudantes que conseguiram concluir a graduação em 2020.
Já a evasão escolar de crianças e adolescentes aumentou 171% no segundo trimestre de 2021, em comparação a 2019, segundo o relatório da organização Todos Pela Educação com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
O mercado tech vem crescendo cada vez mais desde o início dos anos 2000
Poucos profissionais, muita demanda?
Se por um lado, o cenário não parece bom, por outro, o caminho é mais brilhante. Isso porque já não é mais novidade para ninguém que o mercado tech vem crescendo cada vez mais desde o início dos anos 2000 com as constantes mudanças na área de inovação. E isso vale até para o período pandêmico: a procura por profissionais de tecnologia cresceu consideravelmente em 2020, com a busca por algumas funções alcançando um aumento de 671%.
- Confira também: 10 empregos do futuro que ainda não têm profissionais preparados
A preocupação atual, no entanto, é que, com a área de tecnologia se desenvolvendo cada vez mais e por ser uma área relativamente nova, faltam profissionais no mercado. Os salários altos e o vasto mercado de trabalho, porém, tem atraído cada vez mais pessoas a buscarem capacitação na área. O que, no futuro, pode gerar um outro problema: muitos profissionais para pouca demanda.
"Sobre o cenário atual, é um fato que o Brasil forma poucas pessoas da área de tecnologia para suas necessidades. Mas nós também formamos poucos engenheiros e médicos para as necessidades do país", Raphael explica.
A saturação do mercado no futuro, no entanto, é pouco provável. “O que vai ditar se vai haver ou não a saturação no mercado é o crescimento do país. Se e o governo apostar no desenvolvimento na área de tecnologia, principalmente da economia do conhecimento, é muito difícil que em um futuro próximo nós tenhamos uma saturação”.
Com a reindustrialização, porém, a expectativa é que as áreas de tecnologia e do segmento industrial caminhem cada vez mais próximas, garantindo a automação e modernização dos processos industriais. Como consequência, segundo Raphael, o mercado deve começar a gerar empregos de mais valor, com salários melhores e maior estabilidade.