O Projeto de Lei (PL) 2630/2020, mais conhecido como PL das Fake News, pode ser colocado para votação em um futuro breve e isso preocupa as empresas de tecnologia. Com o objetivo de instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, as novas regras podem tornar pagos serviços que são gratuitos, defende uma fonte ouvida pelo TecMundo que atua em uma grande empresa do ramo.
“A internet é uma rede de links que são compartilhados entre si de forma livre e gratuita. A partir do momento que eu escolho determinado grupo, que vai receber para que os links sejam compartilhados, você está mudando a essência do que a gente conhece. A internet e os serviços que fazemos uso só funcionam por causa da publicidade. Talvez ao invés de ter um serviço de GPS gratuito, os usuários terão que pagar. Para encontrar um restaurante seria a mesma coisa”, argumenta.
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O argumento da fonte faz referência ao fato de que o PL 2630/2020 pretende mudar a forma com que a publicidade — que é uma das principais fontes de receita dos serviços online — é feita. O texto da lei deixa os anúncios muito menos direcionados, fazendo com que uma empresa não possa escolher um bairro onde os usuários verão a publicidade, por exemplo.
Deixando os anúncios na internet mais anonimizados, a fonte ouvida pela reportagem afirma que pequenos comércios serão os mais afetados, já que precisarão gastar mais se quiserem mostrar seus produtos e serviços.
"Isso muda a essência da internet, que foi pensada para ser livre, aberta e gratuita".
“A internet foi pensada para ter vários modelos de monetização e hoje em dia ela funciona assim. Mas o PL pode dificultar essa questão e acabar encaixando tudo em um único modelo. Isso muda a essência da internet, que foi pensada para ser livre, aberta e gratuita”, pontua.
Outros efeitos negativo do PL
A fonte elenca que além de dificultar a viabilidade econômica de serviços que são gratuitos hoje em dia e complicar a visibilidade de empresas de pequeno porte via publicidade digital, o PL 2630/2020 oferece outros riscos.
A obrigação que o texto atual do PL cria de remunerar o uso de conteúdo jornalístico é vista com desconfiança. A norma obrigaria as empresas de internet a pagarem por conteúdos jornalísticos que apareçam nos sites de busca, por exemplo. Contudo, o texto da lei é visto como genérico, já que não define como serão repassados os valores para os veículos e também quais sites, blogs, emissoras e etc serão considerados “jornalísticos”.
O profissional defende ainda que a lei corre o risco de “nascer velha”, já que ela olha para plataformas específicas e não para o ecossistema da internet como um todo. Por causa disso, para ele é possível que daqui poucos anos a norma precise ser rediscutida, já que as inovações ocorrem em uma velocidade muito grande.
Outra questão é que uma possível aprovação pode desincentivar as empresas que já atuam no Brasil a criar inovações e ainda afastar novas marcas. “Uma marca de fora pode enxergar as regras como se fossem barreiras e optar por investir em outro país”, afirma.
Gigantes contra o projeto
Várias das principais empresas de tecnologia que atuam no país já se posicionaram publicamente contra o atual texto do PL 2630/2020. Em nota enviada ao TecMundo, a Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) explica que tem conversado com os parlamentares sobre o assunto e que já participou de várias audiências públicas sobre o tema. Contudo, a gigante critica a redação atual do projeto.
“No texto atual proposto, o Artigo 7°, que não versa sobre desinformação e foi inserido sem passar por nenhum debate, impede o uso responsável de dados pessoais para entrega de anúncios e serviços online, prejudicando empresas de todos os portes, mas principalmente os pequenos negócios que possuem hoje na Internet um canal de marketing para encontrar clientes, vender mais e movimentar a economia", cita a Meta.
A holding também citou a carta conjunta assinada entre Google, Mercado Livre e Twitter onde defendem que o PL não está cumprindo com o objetivo a que foi designado. As marcas chegam a dizer que a regra “passou a representar uma potencial ameaça para a internet livre”.
“Se transformado em lei, o texto que está para ser votado na Câmara dos Deputados irá restringir o acesso das pessoas a fontes diversas e plurais de informação; desestimular as plataformas a tomar medidas para manter um ambiente saudável online; e causar um impacto negativo em milhões de pequenos e médios negócios que buscam se conectar com seus consumidores por meio de anúncios e serviços digitais”, diz um trecho da nota conjunta.
Na última sexta-feira (11), Fabio Coelho, presidente do Google Brasil, assinou uma longa publicação falando que o PL tem três principais problemas: pode tornar as plataformas digitais menos seguras; pode reduzir o acesso à informação relevante e de diversas fontes e prejudica empresas na promoção de seus produtos e serviços online.
“Não nos opomos ao objetivo proposto pelo projeto de lei, de combater a desinformação, mas, da forma como o texto está agora, ele não vai alcançar essa meta. Acreditamos que a luta contra a desinformação será mais efetiva por meio do diálogo e de compromissos conjuntos entre governo, empresas e sociedade civil”, diz o texto assinado por Coelho.
Defesa dos parlamentares
Oficialmente, o PL 2630/2020, que é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE), tem o objetivo de criar medidas de combate à disseminação de informações e conteúdos falsos nas redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram e apps de mensagens como WhatsApp, Telegram e Messenger.
Atualmente aguardando a constituição de comissão especial pela Mesa Diretora, o projeto pode ir para votação em breve. A nova redação do texto, que foi criticada pelas empresas de tecnologia, foi relatada pelo deputado Orlando Silva (PCdoB/SP).
O parlamentar rebateu as acusações de que a lei pode ferir a internet livre ou até mesmo a liberdade de expressão, sugerindo que as gigantes da tecnologia escondem informações sobre como funciona o sistema de venda de publicidade digital, por exemplo.
“Elas [empresas de tecnologia] são contra a regulação. Essas instituições multinacionais querem tratar a internet como terra sem lei: só querem regulação privada. Acontece que existe um interesse público em jogo, então cabe sim uma regulação pública. A internet não é uma terra sem lei”, afirmou no plenário.
"A internet não é uma terra sem lei", deputado Orlando Silva (PCdoB/SP).
Sobre outro ponto específico, o de remunerar veículos jornalísticos, o deputado disse que as companhias não querem pagar pelas notícias. Além disso, o político defendeu que as gigantes só farão isso se forem obrigadas legalmente e que, mesmo assim, elas irão querer decidir quem será e quem não será pago pelo conteúdo jornalístico.
A ideia dos congressistas é “acelerar” o andamento do PL 2630/2020 no Congresso principalmente por causa das eleições deste ano. A votação do projeto pode ser feita até o final de março, de acordo com os parlamentares envolvidos com a pauta.
Fontes