Desde que chegou no Brasil, em 2010, a Black Friday reúne anualmente milhões de brasileiros na busca por preços melhores em diversas categorias do mercado. Neste ano, o evento registrou o faturamento de R$ 4,04 bilhões apenas na sexta-feira (26), representando uma alta de 4,5% em relação à edição anterior. Todavia, as métricas positivas são acompanhadas de uma preocupante queda no número de vendas na maioria do país, conforme apontam os dados da AlliN e Social Miner.
O efeito divergente não apenas revela que o brasileiro-médio está mudando seu hábito de consumo na ocasião, como também aponta as principiais regiões afetadas por uma aparente centralização de interesse. O relatório da fonte detalha que apenas o Sul e Sudeste registraram alta nas vendas durante a Black Friday deste ano, de 22% e 7%, respectivamente, enquanto o Nordeste, o Centro-Oeste e o Norte registraram quedas de 50%, 31% e 14% cada.
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A disparidade nos dados ainda é corroborada, em partes, pelo preço médio dos pedidos nessa edição do evento, que registrou um aumento ano a ano de 7% e alcançou o piso dos R$ 774,32. Contudo, mesmo com aumentos e variações, também é importante denotar que as principais categorias comercializadas não mudaram significativamente em relação ao período equivalente no ano passado, com o setor de Moda e Acessórios recebendo o maior volume de pedidos, enquanto os artigos ligados à Telefonia representam a maior taxa de faturamento.
A categoria "Moda e Acessórios" se destacou entre o número de pedidos nessa Black Friday, impulsionada pelas compras adiantadas para o Natal.Fonte: AlliN, Social Miner
Logo, como explicar a curiosa divergência positiva nos dados? De imediato, como sugere uma análise elaborada pelo site Conversion, a resposta mais comum para os consumidores são as fraudes e falsas promoções, que dispõem poucas vantagens quando comparadas às ofertas anteriores ao evento — uma estratégia que recebeu o nome de "Black Fraude" e assusta, pelo menos, 80,63% dos brasileiros entrevistados no relatório da fonte.
Por outro lado, ao considerar o cenário macroeconômico atual e o desempenho financeiro do Brasil, outros possíveis problemas aparecem como "respostas" ao efeito. Dentre eles, destaca-se a inflação, um assunto bastante em alta nos últimos meses, mas ainda desconhecido por parte dos brasileiros. Nesse contexto, como ela poderia afetar as ofertas do mercado e, até mesmo, da Black Friday?
Afinal, o que é inflação?
A inflação, conforme define o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pode ser resumida no aumento do preço de produtos e serviços, acompanhado da subsequente perda do poder de compra dos consumidores. No Brasil, esse efeito é medido por uma série de índices, com destaque ao chamado Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), selecionado como referência oficial para o Governo Federal.
Em suma, o IPCA acompanha mensalmente o preço de 430 mil produtos e serviços no mercado brasileiro, apontando como resultado sua variação entre os dias 1º e 30 do mês de referência. Com as informações, as empresas e os consumidores podem gerenciar seu orçamento e planejar sua interação com a economia de maneira mais assertiva.
Como a inflação pode afetar a Black Friday?
Para melhor ilustrar os possíveis efeitos da inflação nas ofertas da Black Friday, é necessário analisar sua variação no mês de novembro. Considerando a métrica mais recente disponível, o IPCA-15 — que funciona como uma versão "prévia" do IPCA "comum" —, nota-se uma alta de 1,17% e um acumulo de crescimento total de 9,57% apenas em 2021. O resultado é o maior registrado desde 2002, quando o índice fechou em 2,08% para o mesmo mês de referência.
IPCA-15 do último mês de novembro também registrou a maior variação acumulada desde 2015. (Fonte: IBGE / Reprodução)Fonte: IBGE
Em outra perspectiva mais detalhada, a métrica ainda se agrava ao considerar a expectativa do Governo Federal para a inflação desse ano, com mínima prevista de 2,25% e máxima superior a 5,25%. Junto das incertezas no cenário político, da crise no fornecimento de insumos e do aumento repentino na demanda de algumas categorias, o problema se reflete diretamente no reajuste "mais rápido" dos preços.
Menos consumidores, mais lucro
Comparando as categorias de produtos mais vendidas na Black Friday deste ano com seu respectivo desempenho conforme o IPCA-15, é possível analisar o faturamento registrado com uma nova ótica. Itens de "Moda e acessórios", por exemplo, representaram 35,4% dos pedidos e são listados no índice como "Vestuário", um conjunto que registrou alta mensal de 20,45%.
Logo em seguida, os produtos de "Beleza" se destacam com 27,5% dos pedidos e se definem no índice como "Saúde e cuidados pessoais", grupo que encarou uma alta de 150% em relação ao mês de outubro. Em terceiro lugar, encontram-se os itens de "Alimentos e Supermercado", com dominância de 14,4% de vendas e representado no IPCA-15 como "Alimentação e Bebidas", registrando um recuo na variação mensal de 71,01%.
Variação por grupos do IPCA-15 em novembro 2021.Fonte: IBGE
A análise referente às vendas que mais geraram receita na Black Friday apresentou resultados similares, já que elas se tratam de produtos de "Telefonia", "Eletrodomésticos" e "Eletrônicos", por exemplo. Esses itens são representados no índice em subgrupos homônimos abrigados na categoria "Artigos de residência", que registrou um aumento mensal impressionante de 188,67%.
E então, Black Fraude ou inflação?
Embora a resposta para o repentino aumento de preço na última Black Friday seja mais complexa do que aparenta, ela pode ser resumida tanto na inflação, quanto na "Black Fraude". Mais especificamente, o cerne do problema parece estar na divulgação das datas: atualmente, o evento se dividiu em variantes como "Black November", "Black Week" e até mesmo a "Cyber Monday", que funciona como uma "queima de estoque" em último caso.
Essa divisão não é clara para o consumidor, já que varia conforme a empresa e pode não atingir um público tão grande quanto o evento original e principal, a Black Friday, que ocorre justamente na última sexta-feira do mês de novembro. Assim, alguns produtos têm seu "melhor preço" disponibilizado ao longo da semana, mesmo que ainda haja algum desconto na data mais aguardada.
O caso pode ser observado mais em exemplos como o do iPhone 11 (64 GB), que teve seu menor preço mensal encontrado no dia 22 de novembro, uma segunda-feira. Na ocasião, o modelo foi comercializado no varejo por R$ 3.347, passando a variar entre R$ 3.578 e R$ 3.669 durante todo o final de semana da Black Friday. Atualmente, para piorar, seu preço agora é o maior nos últimos seis meses, alcançando o piso dos R$ 3.912 e denunciando os supostos efeitos da inflação.
Melhor preço do iPhone 11 (64 GB) antecedeu a Black Friday.Fonte: Zoom
Outro exemplo, que também ilustra a pressão da demanda crescente e os efeitos da crise no fornecimento de insumos é o PlayStation 5. No dia 7 de outubro, o console poderia ser encontrado por R$ 3.899 em lojas seletas; adiante, seu preço passou a ser R$ 5.972,36 no dia 23 de novembro.
A análise sugere que as empresas realizaram aumentos gradativos no preço de seus produtos conforme o avanço da inflação, com as melhores ofertas acontecendo ao longo do mês de novembro, embora ainda tenham disponibilizado algum nível de desconto na Black Friday. Os dados também revelam que os maiores ajustes chegaram apenas após o final do evento, indicando que um "período de generosidade" foi considerado para o usuário durante a data comercial.
Como o consumidor pode ser proteger?
Apesar de os reajustes de preço serem previstos na lei, não é permitido que eles sejam realizados visando obter vantagem do consumidor comum — pelo menos na teoria —, conforme aponta o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O CEO da empresa de crédito Zippi, André Bernardes, explicou um pouco sobre o caso em entrevista ao TecMundo.
Contextualizando, Bernardes afirma que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) possui mecanismos legais para inviabilizar o aumento repentino e predatório dos preços. "No caso de publicidade enganosa, maquiagem de preço — quando há um aumento do valor na véspera e a diminuição logo em seguida, na data, simulando uma oferta — e caso a descrição do produto seja a mesma, os direitos do consumidor estão assegurados", afirma.
Pesquisa da Conversion revelou que 80,63% dos usuários entrevistados temem fraudes na Black Friday.Fonte: Shutterstock
Para o especialista, os consumidores devem pesquisar o preço dos produtos com antecedência, registrando os dados antes, durante e depois da Black Friday ou qualquer outra promoção para se proteger. Por outro lado, caso a avaliação seja imprecisa, Bernardes sugere evitar a compra no respectivo estabelecimento, sendo ele físico ou digital: "procure outro parceiro que leve o período promocional a sério", ele afirma.
Com isso em mente, a principal ferramenta do consumidor para evitar dores de cabeça é a informação. Tanto na Black Friday quanto em outros eventos comerciais, o ideal é ficar de olho na reputação das empresas e monitorar os preços dos produtos antes de fechar o carrinho de compras.
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