A série de História da Tecnologia vai falar de novo sobre um episódio, um período. Depois da guerra dos navegadores, a gente vai falar de outro conflito: a guerra dos formatos, que na verdade são várias disputas de mercado pra ver qual é a mídia adotada pela indústria e, no fim das contas, por você.
A gente vai contar três desses episódios e você com certeza viveu pelo menos um deles de perto. Ah, e a gente sabe que “Guerra dos formatos” é o título de dois episódios de Apenas um Show, o desenho do Cartoon Network, e eles são incríveis, lotados de referências. O desenho é mais que recomendado!
Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.
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Round 1: Betamax contra VHS
A primeira parada é o combate entre VHS e Betamax, com um terceiro competidor correndo por fora. E muita gente jura que a vitória foi meio injusta. Tudo começa em 1971, quando a japonesa Sony começa a pensar em um novo formato de mídia física pra armazenar conteúdos em vídeo. A ideia era criar um videoteipe, armazenado dentro de um cartucho que servia de proteção e facilitava o encaixe num leitor.
Isso é ficou conhecido como videocassete.
Sony U-Matic.
Um dos primeiros formatos que popularizou isso foi o Sony U-Matic, que tinha uma fita enorme e tão cara que só podia ser usado por estúdios de cinema ou televisão. Ainda assim, era um passo pro futuro que indicava o que vinha pela frente. A Philips apresentou um ano depois o primeiro VCR, ou gravador de videocassete, que virou o nome oficial dessa tecnologia. Ao mesmo tempo, televisores a cores eram cada vez mais populares ao redor do mundo, com o Brasil ainda uns anos atrasado, mas chegando lá.
Já em maio de 1975, a Sony apresenta o primeiro concorrente: o Betamax, ou as fitas Beta, uma alternativa caseira pra você ver e gravar vídeos em casa sem ter conhecimento técnico avançado. A palavra Beta é o termo em japonês da forma de gravação dos sinais na fita, que era mais densa que os anteriores, enquanto Max dá ideia de grandeza. O primeiro gravador foi o SL-6300, e ele saiu também como o misto de TV e player, o LV-1801.
SL-6300
A Sony tava confiante e tinha motivo! O Betamax tinha alta qualidade de som e imagem pra época, aguentava 60 minutos de gravação e as fitas eram relativamente pequenas e duráveis, apesar dos players serem enormes e pesados. Meses depois, a mania do beta começou a chegar no Ocidente, mas o conto de fadas só duraria até 1976.
Entra um novo concorrente
É quando a japonesa JVC lança um formato próprio, depois de anos de desenvolvimento. O resultado é o nosso segundo concorrente: o Video Home System, que a gente conhece por VHS. O primeiro reprodutor dela foi o Victor HR-3300, de 9 de setembro de 76, que também começou ganhando o Japão e depois o mundo. Aí lá por 1977 começa a briga, porque dois formatos muito parecidos se encontram em um mercado com espaço só pra um.
O primeiro VHS.
Um ano mais velho, o Betamax sofreu com a ação do tempo. As fitas e os players eram mais caros de fabricar e no preço final, e aí não adianta, isso faz toda a diferença. Elas ainda tinham menor tempo de reprodução, metade se comparamos as primeiras edições.
Versões melhoradas das duas mídias foram lançados, mas a Sony sempre ficou para trás e o consumidor topava sacrificar qualidade de imagem por mais tempo de vídeo.
Outro erro grave do Betamax foi repetido pela Sony em outros formatos proprietários: por mais de dez anos, só ela tinha direito de fabricar fitas e gravadores da tecnologia, enquanto o VHS era um consórcio enorme e liberava parcerias facilmente. E a JVC fez um ótimo trabalho em convencer outras marcas, incluindo a Panasonic.
Em 1979, Disney e Universal abrem processos judiciais contra a Sony. O motivo, vendo hoje, parece bobagem: gravar programas e filmes na TV usando as fitas seria infração de direitos autorais! Essas marcas ainda tinham medo do formato, que seria concorrência pro cinema. Não deu em nada, a Sony venceu, mas a imagem dela ficou suja em termos de distribuição, e os estúdios preferiram o VHS.
O começo do fim
Além disso, a indústria da pornografia também teve importância aí. Filmes adultos antes só eram encontrados em cinemas, e levar eles pra casa fez a cabeça de muita gente. O formato escolhido foi o VHS, pelo menor custo, maior duração das fitas e dificuldade de liberar esses conteúdos pela Sony. Rola uma lenda de que esse foi o fator decisivo da guerra, mas não é bem assim, você viu que teve muitas outras coisas.
A guerra no começo dos anos 80 gerou ótimos comerciais, e do lado dos players de Betamax a gente destaca um estrelado por Albert Einstein, claro que não o de verdade, e um que mostrava a integração com uma câmera da Sony e a possibilidade de registrar grandes momentos. O VHS apostava mais no boca a boca, e por ter mais circulação de fitas e não existir a compatibilidade entre os aparelhos, ganhou naturalmente.
Em 1981, o beta só tinha 25% do mercado dos EUA. Em 88, a Sony admite a derrota de forma indireta: lança um aparelho de VHS. O último player de fitas beta sai em 2002, e as fitas só param de ser fabricadas em 2016. Os videotapes profissionais Betacam eram a resistência.
Uma terceira via
A Philips tentou correr por fora com o Video2000 e um formato chamado VCC, mas ele só saiu em 79 e ficou restrito a Europa e países avulsos. Ele durou até 1988 por ser caro e chegar tarde demais, então só merece mesmo uma nota de rodapé.
Segundo round: todos contra o DVD
A segunda guerra dos formatos é “todos contra todos” e, apesar de durar mais de uma década, não foi tão pegada. O conflito é pra decidir o disco de vídeo e são muitos concorrentes, alguns de gerações diferentes. Você sabe que o DVD ganhou, mas talvez não conheça os derrotados.
O primeiro é o LaserDisc, que teve vários nomes antes desse e foi criado na época da primeira guerra dos formatos, em 1978. Philips, MCA e especialmente a Pioneer foram as marcas por trás dessa mídia, um disco com capacidade de leitura nos dois lados. Ele só começou a ganhar mercado nos anos 80, quando a Pioneer assumiu os direitos completos, e fez bastante sucesso no Japão. O filme de estreia foi nada menos que Tubarão.
Ele era muito superior ao VHS e Betamax em som e imagem, tinha suporte a áudio digital, múltiplos canais de som 5.1, menus de navegação, possibilidade de pular capítulos e muito mais. Os discos eram bastante duráveis pelo processo de leitura ser óptica, não magnética.
Ué, então por que ele deu errado? Pra começar, falta de praticidade. O disco era enorme: 12 polegadas, ou 30 centímetros, e como consequência o player também era um colosso.
Poucos gravadores eram acessíveis e aparelhos que só tocavam eram caros. A fabricação também era complicada e encarecia ainda mais o disco.
No Brasil, ele nem tinha representação oficial, mas até a Gradiente chegou a ter um leitor. Em 2009, a Pioneer para de fazer os players no último mercado, o Japão, enquanto os discos acabam oito anos antes, com o filme Tokyo Raiders. Ele deixou uma base de colecionadores, mas só. LaserDisc e DVD não competiram tanto entre si, mas um foi sim superado pelo outro.
CED
Um concorrente do LaserDisc foi o CED, Disco Eletrônico de Capacitância. Ele é um formato da RCA que ficou DEZESSETE ANOS em produção e saiu meio defasado em 1981. A leitura dele era feita por uma agulha e isso deteriorava os discos muito rapidamente. Mas ele tinha boa capacidade de armazenamento e era barato, o que animou setores do mercado. Problemas internos e externos fizeram o formato morrer rapidinho, com só 50 filmes lançados até 1986.
VCD
Já o Video CD, ou VCD, foi uma tentativa de padronizar discos compactos. Ele nasceu em 93 com uma parceria entre Sony, Philips, Panasonic e JVC com um método de compressão que resultava em vídeos de menor duração e qualidade, mas compatível com players de DVD padrão. Os aparelhos não venderam bem no ocidente e logo foram derrotados.
O VCD foi um sucesso maior na Ásia do que no resto do mundo e a mídia em si não chegou a ser totalmente descontinuada, sobrevivendo como um formato de baixo custo.
DivX
Talvez o último concorrente foi o DIVX, Digital Video Express, nascido em 1998 nos Estados Unidos e criado com base nos padrões abertos do DVD. O funcionamento dele era bem esquisito: você comprada um disco DIVX por até 5 dólares e podia ver o filme por 48 horas.
Depois, tinha que pagar uma taxa adicional pra mais dois dias, e assim por diante, ou comprar a versão “Premium” do disco, que era vitalício. Esse formato descartável chegou a ter apoio de alguns estúdios, mas durou só um ano e causou prejuízos enormes pras lojas responsáveis.
E o ganhador?
O vencedor DVD nasceu oficialmente em 1995, depois de muito tempo de domínio do VHS, e a sigla é pra Digital Video Disc. As pesquisas sobre esse formato são da metade da década anterior, mas envolveu uma miniguerra antes de ele nascer. Warner, Pioneer, JVC e Toshiba se juntaram e lançaram uma mídia chamada SD, Super Density, enquanto Sony e Philips apresentam o Multimedia Compact Disc, ou MMCD.
Mas a indústria de computadores e outros eletrônicos não queria travar outra batalha, e depois de exigir uma padronização, ela consegue que os lados entrem numa trégua e lancem o DVD com um padrão aberto de fabricação. Em 96, é criado o DVD Forum, uma organização que lista e dita os padrões dessa mídia, incluindo aí as evoluções como o de duas camadas e o regravável.
Em 98, ele já era um sucesso absoluto, e filmes como Titanic e logo depois Matrix quebram recordes absurdos de venda. E isso mesmo superando críticas, como a compressão de áudio e vídeo no começo da vida e o uso do padrão MPEG-2 nas imagens, considerado inferior a outras mídias da época. Nesse mesmo ano, um certo serviço de aluguel de DVDs chamado Netflix é criado, e pra saber mais sobre ele é só ver a história que a gente já contou aqui.
Vale lembrar que mídias voltadas pra música travaram uma guerra parecida, com MiniDisc, CD e outros, mas os formatos musicais ficam pra um vídeo separado. Tem ainda vários outros formatos esquecidos que a gente já tratou em uma lista aqui no TecMundo.
Round 3: Blu-ray contra HD-DVD
Por fim, a última e mais recente guerra dos formatos teve dois competidores e durou só três anos. Ela nasceu quando televisores de alta definição se popularizaram, e o DVD não acompanhava mais o processamento gráfico desses aparelhos. Definir o sucessor começou com todo mundo junto em 2005, mas a unificação deu errado e virou uma disputa.
O HD-DVD era um DVD melhorado criado pela Toshiba, com suporte de Microsoft, Intel, Sanyo, Pioneer e alguns estúdios, como a Universal. Os primeiros modelos e discos saíram em abril de 2006. O Blu-ray é da Sony, e parcerias incluíram Panasonic, Philips, Samsung, Sharp e a maioria dos estúdios. O nome vem do feixe de laser azul usado pra ler e gravar dados.
A estreia aconteceu dois meses depois do rival, e os de dupla camada chegaram ainda no mesmo ano. O Samsung BD-P1000 foi o primeiro player de Blu-ray da marca e um dos mais badalados da época, mas o formato apresentou alguns bugs no primeiro ano e vários discos foram trocados de graça nesse período.
O Blu-ray armazenava 25 GB em uma camada contra 15 GB do HD-DVD. Além disso, o Blu-ray permitia maior interatividade no conteúdo. Por outro lado, o HD DVD era mais barato de fabricar, já que as plantas das fábricas de DVDs comuns não seriam tão modificadas.
A guerra começa
As vendas foram bem parecidas no começo e os acordos eram disputados a tapa, com os dois lados levando parceiros importantes. O negócio tava tão parelho que, por um tempo, filmes e reprodutores de Blu-Ray e HD DVD coexistiram em lojas e locadoras, e eu consigo imaginar aqui que muita gente pode ter alugado ou comprado o formato errado.
Os consoles também entraram na guerra. A Sony colocou o Blu-ray no PlayStation 3. Já a Microsoft teve cautela e só lançou um player de HD DVD como acessório pro Xbox 360, e aí pouca gente realmente ficou interessada em ter que comprar as duas coisas pra ver os discos.
A grande vitória do Blu-ray veio em 2008, pouco antes da feira CES, Consumer Electronics Show, em janeiro.
Segundo uma denúncia da época, a Sony pagou uma nota pra Fox adotar o Blu-ray em definitivo quando ela tava prestes a mudar de lado. Como consequência disso, outra gigante, a Warner, também ficou com o Blu-Ray.
Ela tentou lançar um formato híbrido chamado TotalHD e, depois de descontinuar ele, iria pro lado do HD DVD se a Fox fosse junto, o que não aconteceu. Nesse mesmo ano, a Toshiba foi humilde e nada teimosa: anunciou que o HD DVD estava descontinuado, e isso foi rapidamente adotado. O Blu-ray reinou sozinho, até uma ameaça nada física que é o streaming. Mas isso é outra história.
...
E essa é a história de três capítulos da guerra dos formatos, que definiu padrões da indústria e também o que a gente consumia em casa. Será que a gente vai ter outra guerra de formatos depois dessas ou agora vai ser tudo digital? É só deixar o seu comentário! Se você tiver uma sugestão de empresa, produto ou serviço para virar tema aqui no quadro, deixe também o recado. Até a próxima!
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