A história da Atari, a base da indústria dos games [vídeo]

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A série de História da Tecnologia toma um rumo diferente e muito pedido. Nós vamos entrar no mundo dos games e contar a trajetória de uma das empresas mais icônicas dessa indústria, e a minha camiseta aqui já dá o spoiler de que é a Atari. Aproveitando a cobertura da BGS 2018, maior feira de games da América Latina, a gente vai contar tudo sobre essa empresa que ajudou a formar a base do que a gente joga hoje.

E nada mais justo do que contar com a ajuda do Voxel pra isso, e Guilherme Dias é o convidado especial para contar essa história com a gente. Assine o canal do TecMundo no YouTube para mais conteúdos como esse e conheça a seguir a trajetória da Atari.

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Antes de tudo

Se você quisesse jogar video-game em 1972, eram poucas as opções. O Tennis for Two, de 1958, era só um experimento exibido em feiras e apresentações. Já o Spacewar, de 62, só circulava em computadores de universidades nos Estados Unidos. Dez anos depois vem o primeiro console comercial e doméstico, o Magnavox Odyssey, com aquelas películas que você põe na tela da TV pra simular cenários, porque imagem mesmo era um quadrado branco. E... só isso mesmo.

Uma pessoa jogando.O Odyssey.

Aí entra a mente de Nolan Bushnell, que cursava engenharia na Universidade de Utah e chegou a fazer bicos em parques de diversão durante o verão. A moda daquela época eram as máquinas de pinball, que divertiam e geravam muito dinheiro, e essa ideia ficou na cabeça dele. Ele então saiu do emprego que tava na época, uma empresa de tecnologia chamada Ampex, chamou o ex-colega Ted Dabney e fundou a própria empresa em 1969, a... Syzygy.

Depois de passar um ano vivendo só do conserto de máquinas de pinball, a empresa cria um jogo chamado Computer Space em 71 usando peças restantes lá do antigo trabalho da dupla. Ele é um dos primeiros arcades comerciais da história e já funcionava com moedas.

Um jogo.Computer Space.

Mas isso nem era o mais impressionante do projeto. A revolução foi reproduzir funções que antes só rodavam com a ajuda de um computador em um aparelho menor e mais barato, usando circuitos de vídeo e uma tela que podia ser até uma televisão velha.

Os primeiros pixels

Em 72, a empresa toma duas decisões essenciais pro seu futuro. A primeira, ufa, é trocar de nome: uma construtora de telhados já tinha registrado Syzygy, acredite se quiser, e aí a desenvolvedora virou Atari.

A palavra de origem oriental é um movimento crucial de ataque do jogo de tabuleiro Go, aquele que uma inteligência artificial da Google já é mestre em jogar.

A segunda é contratar o talentoso engenheiro e também ex-colega Allan Alcorn. Ele ficou impressionado com a tecnologia dos fliperamas e recebeu como primeiro trabalho o desafio de reproduzir isso em um novo jogo. Era uma disputa de tênis vista de cima, com um quadrado branco sendo a bola e duas colunas simulando raquetes, que podem ir para cima ou para baixo. O objetivo é não deixar a bola passar da barra, e bater nela de um ângulo diferente pode mudar totalmente a direção. O nome dele, você sabe, é Pong.

Um fliperama.

O protótipo de Pong foi colocado pra testes entre agosto e setembro de 72 na Andy Capp’s Tavern, em Sunnyvale, Califórnia. Foi um sucesso absoluto, e a manutenção era frequente na máquina era porque ela ficava abarrotada de fichas. Pong foi oficializado em novembro com um sistema revolucionário e uma jogabilidade tão incrivelmente básica quanto funcional.

Só tinha um problema: ele era igualzinho ao jogo de tênis da Magnavox. As leis naquela época pra clones de software eram bem abstratas, já que a indústria tava só começando, e já existiam vários jogos de tênis pra computadores. Mas isso não impediu a dona da ideia de abrir um processo. A Atari não teria como pagar os custos legais e muito menos uma punição, então aceitou um acordo.

Dos bares para o mundo

Nesse período, Pong era um sucesso absoluto em arcades e bares, com 7 mil unidades vendidas em seis meses a um valor muito maior que o custo de produção. Mas o cofundador Ted Dabney não curtia essa vibe megalomaníaca, e até pela diferença de espírito ele se sentiu desvalorizado na empresa. Depois de muito atrito com o Bushnell, ele vendeu a parte dele e pulou fora do barco, meio forçado, meio por vontade própria.

Uma logo.

Já em 1973, a companhia criou uma concorrente falsa. A Kee Games na fachada competia com a Atari com clones dos jogos da rival. Mas era tudo encenação, e até o presidente era amigo e vizinho do Nolan. Um ano depois, o público descobriu a malandragem e elas se fundiram.

Dominando a casa

Esse mercado de arcades era relativamente barato, mas tinha uma hora pra acabar, que é quando você vai pra casa. A Atari não tava satisfeita, e queria que você chegasse no conforto do seu lar e também tivesse lá um console pra curtir. A versão doméstica de Pong, ideia do engenheiro Harold Lee, ficou pronta pro Natal de 1975 e vendeu o dobro da expectativa inicial.

Um console.

Aí a Atari expande e começa a vender vários jogos pra fliperamas, incluindo um certo título em 1976 chamado Breakout. O desenvolvedor era um jovem meio hippie, que trabalhava no turno da noite meio sozinho, porque os colegas não aguentavam o seu mau cheiro.

O nome dele era Steve Jobs, e ele pediu a ajuda do amigo, Steve Wozniak, pra construir a placa de circuito, já que engenharia não era o seu forte. O Woz foi meio injustiçado na história porque não levou crédito nem o bônus em dinheiro, mas isso fica pra outra história.

Um jogo.Breakout.

Nesse mesmo ano, Nolan Bushnell queria tirar um sonho do papel: um único console pra rodar todos os títulos da Atari, tipo uma vitrola tocando discos. Só que faltava verba pra isso, e o jeito foi literalmente se vender. A Warner levou a empresa por um valor que é especulado entre 28 a 32 milhões de dólares, e o Nolan contou em entrevistas mais tarde que se arrependeu do negócio porque foi o começo do fim. Até Steve Jobs, que já tinha saído nessa época pra fundar a Apple, chegou a fazer uma proposta de investimento, mas ele recusou.

Um console para rodar tudo

Mas por enquanto era só notícia boa. Em 1977, nasce o Atari Video Computer System, o Atari VCS. Não reconheceu? É que depois ele foi rebatizado pro nome mais popular: Atari 2600. Ele era um hardware extremamente limitado, com memória de apenas 128 bytes. Você ouviu direito, bytes. Ele vinha com dois joysticks e um jogo incluso, "Combat", além de oito cartuchos vendidos separadamente. Apesar do Odyssey ter inaugurado a família de consoles domésticos, foi o Atari que fez essa cultura nascer e crescer, até chegar no que a gente tem hoje.

Um console.Atari 2600.

Os engenheiros eram a alma da empresa e dominavam toda a criação, além de manter o clima o mais livre possível por lá. Eles andavam descalços pela empresa, fumavam maconha durante o expediente e faziam festas memoráveis se as metas eram batidas — e isso sempre acontecia.

Só que o cofundador discordava demais da gerência da Warner, e em 1978 isso ficou insustentável. Foi igual à saída do Dabney: ele disse que pediu pra sair, a Warner alega que ele foi demitido. O Bushnell foi realizar outros projetos, abriu a cadeia de restaurantes Chuck E. Cheese’s e voltou em 2010 pra Atari como consultor.

Uma logo.

Outras pessoas saíram nesse período, especialmente desenvolvedores insatisfeitos com o controle criativo imposto e a falta de crédito pelo trabalho duro. Nomes como David Crane, Larry Kaplan, Bob Whitehead e Alan Miller fundam em 1979 a Activision, primeira third-party da indústria. Nesse período, a Atari já tem títulos clássicos no catálogo, como Asteroids, Battlezone, Centipede, Adventure e, claro, Pelé’s Soccer e aquele comercial maravilhoso.

Os voos e a queda

A partir de 1979, a Atari se arrisca num mercado diferente: o de computadores. Os primeiros modelos foram o Atari 400 e 800, que faziam tarefas básicas e também rodavam alguns jogos. Eles e suas variantes venderam bem especialmente na Europa, e foram seguidos da linha Atari ST, de 85. O último PC da Atari ainda era dessa família: o Falcon, de 92.

Dois computadores.

Mas vamos seguir a linha do tempo, porque a história vai ficar boa. Quer dizer, boa pra contar, ruim pra Atari. Em 1982, ela chega no auge financeiro com 2 bilhões de dólares em vendas. Foi o ano do lançamento do sucessor do 2600, o Atari 5200. Apesar das melhorias gráficas, ele não era retrocompatível e tinha aquele controle bizarro com dígitos telefônicos.

Além disso, a concorrência cresceu e os clones vieram com força, uma briga parecida com a que a IBM travou contra os clones do PC. O 5200 foi descontinuado depois de só dois anos.

Atari 5200.Atari 5200.

Aí vem uma combinação de erros que faz Atari e toda a indústria quase se despedaçar. A culpa não foi só dela ou de um só jogo, como muita gente prega, mas de uma série de fatores do mercado. Muitos consoles eram lançados sem qualquer preocupação com estoque, muitos jogos saiam sem qualquer preocupação com qualidade e os prazos e contratos eram fora da realidade.

É o caso da famosa adaptação do ET, de 1982, fruto de um acordo milionário com a Universal. O problema? Ele precisava sair até o Natal daquele ano, ou seja, em cinco semanas. Jogos eram feitos naquela época em mais ou menos cinco meses.

Um jogo.

Howard Scott Warshaw respeitou o prazo pra lançar o jogo e a Warner mandou produzir cerca de 4 milhões de cartuchos. E o título era muito, muito ruim mesmo. O público insatisfeito começou a devolver pras lojas e espalhar a má fama pra ninguém comprar. Aí nasce o mito de que a Atari mandou enterrar milhões de cartuchos do ET num lixão no deserto do Novo México. Em 2014, descobrimos a verdade: realmente havia algo enterrado lá, mas eram vários jogos e em quantidade bem menor do que se imaginava.

O documentário Atari: Game Over, cobre bem esse período que acontece junto com esse estouro da bolha da indústria dos games, que foi em 1983. A história é bem complexa e maluca, então com certeza vale um vídeo separado. Nesse período, a Atari ainda perde mais um CEO, Ray Kassar, forçado a pedir demissão sob acusações de negociar ações da empresa tendo informações privilegiadas.

Dividir enfraquece?

Todos esses problemas fizeram a Atari ser dividida em duas. Uma das partes foi a de computadores e consoles, vendida pela Warner em 1984 para o empresário Jack Traniel, recém saído da concorrente Commodore.

Essa metade a gente considera como a continuação da história. Já a Atari Games, que era a desenvolvedora de arcades, foi repassada pra Namco em 1985, comprada por um grupo de investidores americanos em 86, recuperada pela agora Time Warner em 89 e vendida pra WMS Industries em 96. Lá, ela virou subsidiária da desenvolvedora Midway, trocou o nome pra Midway Games West e fechou oficialmente em 2003. Como a Midway faliu, as propriedades voltaram pra dona original, a Warner.

Uma capa de jogo.

A Atari ainda se envolveu com a Nintendo, uma das suas principais rivais. Pra começar, ela quase foi a fabricante responsável pelo console de estreia da empresa no ocidente, mas aí a própria empresa japonesa resolveu fabricar o NES. Depois, quando ocorreu a divisão, os funcionários da Atari Games criaram uma companhia chamada Tengen e lançaram alguns jogos do Nintendinho. O problema é que eles não tinham a autorização da própria Nintendo, que limitava a quantidade de parceiras e de cartuchos lançados por ano.

Na surdina e usando engenharia reversa, a Tengen comercializou até uma versão de Tetris, que foi alvo de processo vencido pela japonesa, e fez com que ela entrasse na legalidade até ser fechada em 1994.

A Atari "que sobrou"

Do outro lado da empresa, os negócios foram prejudicados, mas não pararam nessa mudança de administração. Parcialmente em 1984 e com um relançamento dois anos depois, sai o Atari 7800, com retrocompatibilidade e gráficos melhorados, mas a mesma qualidade sonora lá do 2600 e um certo desinteresse da marca fizeram o projeto quase não decolar.

Em 88 saiu o Lynx, uma tentativa de entrar no mercado de portáteis. O destaque era a tela LCD colorida, que era realmente uma inovação, mas de novo a falta de games e de marketing leva o produto ao fracasso comercial, nem sombra ao Game Boy da Nintendo.

Um console.O Lynx.

Em 1993, a Atari aposta todas as fichas no projeto de uma pequena empresa que ela ajudou a financiar, e cancela ou suspende todos os outros hardwares. O Jaguar era um console da quinta geração que perdeu feio a disputa contra PlayStation 1, Nintendo 64 e até o Sega Saturno. Ele se considerava uma alternativa mais barata, e era mesmo, mas o aparelho tinha vários defeitos e a biblioteca de games não se sustentou com só 56 títulos lançados.

O Jaguar foi a última tentativa da Atari no mercado de consoles de mídias físicas.

Em 1996, o que restava da Atari Corporation começa a ser jogado de um lado pro outro. A primeira troca de poder é a fusão com a JTS, uma pequena empresa que fazia memórias. Só que a fase era tão ruim que o nome da empresa resultante é JTS Corporation, e a Atari passa só a gerenciar suas patentes e franquias. Isso dura dois anos, e em 98 a Hasbro compra a Atari pela merreca de 5 milhões de dólares e deixa ela encostada numa subsidiária de games. Essa filial também deu errado, e tanto ela quanto a Atari são absorvidas pela francesa Infogrames, que eu acho um nome muito esquisito porque não é games. A compra é concluída em 2001.

Um jogo.Enter the Matrix.

A Infogrames já era dona de algumas franquias bem interessantes, como Alone in the Dark, RollerCoaster Tycoon, Dragon Ball Z: Budokai, X-COM e Driver. E aí finalmente a Atari voltou a fazer o que sabia fazer melhor, que era colocar a mão na massa. Em 2001, três jogos saem com o selo da marca: Splashdown, MX Rider and TransWorld Surf. E ela estoura em 2003 com Enter the Matrix, primeiro jogo baseado na série de filmes e um sucesso de vendas.

Sobrevivendo como pode

Nos últimos anos, dá pra dizer que a Atari sobrevive do passado, com lançamentos pontuais das franquias que ainda têm direito. Em 2011, ela começou a série Atari Greatest Hits pra portáteis, tablets e smartphones, uma coletânea dos melhores jogos da sua época de ouro. Ele atingiu 10 milhões de downloads em um ano, mas não foi muito além de bons números. Tem também os consoles Flashback, uma série de aparelhos lançada desde 2004 com jogos na memória. Aqui no Brasil, a TecToy é a responsável e lançou em 2018 o Flashback 8 e o portátil.

Um portátil.

Aliás, no Brasil, o Atari chegou oficialmente em 1983, com uma parceria de licenciamento com a Polyvox, que pertencia à Gradiente, e foi um sucesso. Mas junto com ele vieram também os inúmeros clones e cartuchos compatíveis, gerando um mercado paralelo que criou a indústria brasileira de games. Essa história é contada da melhor forma possível no documentário “1983 - O Ano dos Videogames no Brasil”, que está disponível completo no YouTube.

No momento da publicação deste vídeo, a Atari está encaminhando o lançamento de um projeto misterioso, apresentado em setembro de 2017. É o VCS, o retorno da empresa aos consoles. O aparelho tem um visual que puxa pro retrô e os detalhes técnicos tão todos meio obscuros.

Um console.O novo Atari VCS.

Ele fala em rodar jogos clássicos do Atari, indie games e ter um sistema operacional baseado em Linux, mas isso não diz muita coisa sobre esse aparelho, que foi financiado pelo Indiegogo. O jeito é esperar e torcer pra que a Atari pelo menos ganhe uma sobrevida depois de tanta história. O sucesso de antes não vai voltar, mas a glória, essa fica pra sempre.

...

Essa é a história da Atari, uma empresa que revolucionou o mundo dos games, foi uma das responsáveis pela maior crise que esse mercado já enfrentou e hoje passa bem longe daquele passado glorioso de poucos pixels e sons abafados. Mas isso não tira o mérito desses pioneiros que com certeza merecem essa nossa homenagem.

Se você quiser ver uma empresa, produto ou serviço aqui no canal, é só deixar uma sugestão nos comentários. Confira não só o TecMundo para mais vídeos como esse, mas também o Voxel para um conteúdo completo sobre games. Até a próxima!

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