Chegamos a mais um capítulo da série de história da tecnologia e a homenageada da vez é uma empresa muito importante pra indústria, especialmente lá no início da popularização dos computadores.
Estamos falando da Compaq, que também tem uma presença bem forte nas casas de muitos brasileiros. Antes de saber a origem, o auge e por onde anda essa fabricante (tanto aqui no país quanto no resto do mundo), não se esqueça de assinar o canal do TecMundo lá no YouTube. Confira também todos os episódios anteriores do História da Tecnologia
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Davi contra Golias
A empresa foi fundada em fevereiro de 1982 em Houston, no Texas, com o nome de COMPAQ Computer Corporation. O trio responsável é Rod Canion, Jim Harris e Bill Murto, ex-funcionários da Texas Instruments, e eles investiram apenas mil dólares cada um nesse novo empreendimento. O nome COMPAQ vem do slogan “Compatibilidade e Qualidade”, e isso tem tudo a ver com os negócios iniciais da empresa.
Os três fundadores da Compaq.
Antes de chegar no primeiro produto da Compaq, a gente precisa contextualizar o momento histórico. Um ano antes, a gigante IBM revolucionou o mercado com o IBM PC, um computador pessoal pra uso doméstico. Vendeu horrores, mas ele tinha seus defeitos: era bem caro, tinha funções limitadas e não era nada compacto.
A Compaq precisava explorar essas fraquezas. O primeiro rascunho dessa ideia foi feito em uma toalha de mesa durante uma reunião em um restaurante e mudou a vida de todo mundo ali.
O IBC PC reinava absoluto.
O produto seria um computador compatível com o PC da IBM, o que é uma forma contornada de dizer clone. As peças eram todas compradas de fornecedoras parceiras e o design dos clones eram originais, mas a BIOS precisava ser acessada via engenharia reversa e reconstruída por outra equipe, pra deixar o processo legalizado. Muitas e muitas empresas tavam fazendo isso ao mesmo tempo, várias com máquinas de baixa qualidade e só mais baratas.
O pequeno grande trunfo
O Compaq Portable foi a tentativa da empresa do Texas e deu muito certo. Como o nome indica, ele é portátil e podia ser carregado ou transportado até no avião, mas com todas as funções de um PC daquela época e o DOS licenciado da Microsoft como sistema operacional.
O Compaq Portable.
Ele foi anunciado em novembro de 82 e vendido em março do ano seguinte, e inaugurou um mercado de PCs menores. Se deu certo? A Compaq expandiu em uma velocidade absurda, vendendo 53 mil unidades em um ano e passando de 20 pra 600 funcionários. Em 84, ela precisava manter a boa fase e anunciou o Deskpro, um desktop de visual mais tradicional, mais rápido que o IBM PC e totalmente compatível, criando uma linha de longa duração.
A Compaq era uma pequena notável, uma marca jovem de uma região de menor tradição em tecnologia. Mas ela conseguiu incomodar a Big Blue, e logo no mercado que ela mesma criou.
E a rivalidade fica ainda mais acirrada com o Deskpro 386. Ele foi o primeiro computador no mercado a usar o novo processador Intel 386, com a IBM levando um semestre pra lançar um modelo dela com esse chip.
O DeskPro 386 acirrou a disputa no mercado
E a Compaq foi além de rivalizar só em computadores com o lançamento do EISA, sigla pra Enhanced Industry Standard Architecture. Esse padrão de slots de 32 bits servia pra ligar componentes da placa-mãe e usar placas de expansão. A IBM tinha um formato próprio, o MCA, e a Compaq não só criou outro como abriu ele pra parceiras.
Como um foguete
Em 1986, ela apareceu na lista de 500 maiores empresas da renomada revista Fortune com só quatro anos de idade, batendo um recorde da publicação. Um ano antes, começou a negociar ações na bolsa de Nova York. E o garoto propaganda nessa época era ninguém menos que um integrante do Monty Python, John Cleese.
John Cleese, o garoto-propaganda da Compaq.
O ano de 1987 tem uma notícia boa e outra ruim. Vamos começar pela boa: a empresa atinge 1 bilhão em receita e novamente sendo um marco na indústria. Por outro lado, o cofundador Bill Murto sai pra se dedicar a estudos religiosos, um anúncio que pegou muita gente de surpresa. Com o trio desfeito, a situação institucional da Compaq começava a balançar.
Mas em vendas ela tava voando. Em 1989, a COMPAQ assume o terceiro lugar no mercado de computadores pessoais, atrás só de IBM e Apple. Ainda nesse ano, são dois lançamentos importantes. O primeiro é o laptop Compaq LTE, que ajudou inclusive a popularizar o termo notebook pra esses computadores portáteis porque comprimento e largura dele era similar ao de uma folha de caderno. Ele se destacou também por trazer drives de disco rígido e disquete embutidos. A LTE foi uma linha duradoura na empresa.
O SystemPro e a "cara" de servidor.
O segundo é o SystemPro, uma das primeiras máquinas do mercado que era um PC dedicado a ser um servidor. Ele tinha vários suportes inéditos, como o chip 486 da Intel e até dois processadores, além do barramento EISA.
Década de altos e baixos
A década de 1990 tem início com a empresa ingressando no concorrido mercado japonês e até se envolvendo com esportes, patrocinando um torneio de tênis durante anos que até virou um jogo de DOS, o Compaq Grand Slam Cup. Ele durou até 1999.
E a parte institucional é balançada de novo em 1991. Após apresentar números negativos de vendas e perdas operacionais no trimestre, Jim Canion é forçado a sair do cargo de CEO especialmente por manobras de Benjamin Rosen, presidente do conselho e investidor da Compaq desde os primórdios da empresa.
Eckhard Pfeiffer foi o próximo CEO da Compaq.
O gerente da divisão europeia, Eckhard Pfeiffer, é o substituto. Canion preferia uma produção mais lenta e cara, só que entregando produtos de maior qualidade. Pra piorar, o cofundador Jim Harris também pede demissão nesse período, deixando a Compaq sem os fundadores originais.
O consenso é que a Compaq realmente mudou o mercado, mas não conseguiu acompanhar as rivais que já faziam PCs bons e baratos.
Mas a empresa não podia ficar de luto. O ano de 1992 foi cheio de lançamentos, como os primeiros produtos para impressão, os primeiros PCs de baixo custo das linhas ProLinea e Contura e um servidor avançado, o SystemPro/XL. Tem ainda o Compaq 486, que continuou a linha de PCs portáteis. Baixo custo pra consumidores e alto padrão pro mercado corporativo são duas vertentes que farão a Compaq sobreviver por mais um tempo.
No ano seguinte, a empresa ampliou ainda mais a linha de produtos com os computadores com a família Presario. Eles tinham preços inferiores a mil dólares, o que era uma pechincha na época, e o nome virou a família de aparelhos mais duradoura da Compaq, inclusive no Brasil.
Um modelo da família Presario.
Nessa época, a Compaq tenta apostar num formato de disco que não dá certo, o SuperDisk. Ela ainda lança impressoras inkjets coloridas a partir de 98 e inaugura os notebooks Armada.
Aí vem duas aquisições importantes: em 1997, a Compaq adquiriu a Tandem Computers, famosa no mercado empresarial. Em 1998, ela compra a Digital Equipment Corporation, ou DEC, na maior fusão do mercado de tecnologia até aquele ano. A DEC ajudou a Compaq a atingir novos mercados, mas a aquisição não foi muito bem vista a longo prazo.
Michael Capellas.
Em 99, novamente o conselho age e Pfeiffer sai do cargo de CEO. O substituto foi Michael Capellas, que era um conciliador que ajudou a acalmar os ânimos internamente e até fez as pazes da Compaq com a Microsoft, o que ajudou muito os dois lados no lançamento do Windows 2000 pra servidores e mercado corporativo.
Nesse ano de 2000 nasceu ainda a família iPAQ de PDAs, ou assistentes pessoais digitais, que a gente já abordou na história do Windows Phone. Esses Pcs de bolso vieram de um projeto antigo da DEC e também da linha Companion, apresentada em 98.
Um modelo antigo de iPAQ já rodando uma versão mobile do Windows.
Eles deram tão certo que até continuaram no mercado mesmo depois da aquisição que a gente vai falar daqui a pouco e podem ser considerados um dos pais dos smartphones modernos. A Compaq ainda foi patrocinadora da montadora Williams na Fórmula 1 a partir desse ano.
O fim de uma era
Em 2001, a Compaq é ultrapassada pela rival Dell no mercado de PCs, e isso é um sinal de que as coisas não tavam mesmo indo bem. E finalmente, em 2002, outra rival incorporou a Compaq: a Hewlett Packard. A Compaq era forte ainda em PCs, além de líder no fornecimento de tecnologia e soluções corporativas. E a HP... bom, era a HP. O negócio foi meio conturbado, com autoridades reguladoras questionando o acordo e acionistas temendo prejuízos.
CEOs de HP e Compaq fecham negócio.
Um ano depois, com os trâmites finalizados graças aos trabalhos da CEO Carly Fiorina, a Compaq deixa de ser uma empresa independente e vira um selo só pra PCs de baixo custo e entrada. A marca perde cada vez mais força e começa a sofrer leva atrás de leva de demissões, com a sede no Texas virando um campus da própria HP. Em 2013, a produção de aparelhos com a marca Compaq foi descontinuada em vários países, incluindo nos Estados Unidos.
Para depois
Se você quer saber mais da Compaq, ficam duas recomendações. Primeiro, o documentário Silicon Cowboys, que conta muito bem a história da fundação da marca e a trajetória dos fundadores originais.
A série "Halt and Catch Fire" já acabou e tem quatro temporadas.
E, para entender a época, assista Halt and Catch Fire, um seriado do canal AMC. Na primeira temporada, a gente vê a trajetória de uma fabricante fictícia que é inspirada na Compaq desafiando a IBM na época dos clones. Mas ó, aproveita e vê todas as temporadas também.
Mas e o Brasil?
Por aqui, no final dos anos 90 e início dos anos 2000, os PCs da Compaq eram muito cobiçados. Muita gente comprava PCs já montados em lojas porque desktops de marca eram caros e de difícil manutenção. Mas a Compaq conseguiu um espaço por aqui, e em 95 era líder em vários mercados da América Latina e terceira no Brasil, só atrás de IBM e Itautec.
Nesse ano, foi inaugurada a primeira fábrica da Compaq por aqui, no município paulista de Jaguariúna, pra baratear componentes e o preço final dos aparelhos. O primeiro computador de muitos brasileiros foi um Presario.
A Compaq só não morreu de vez aqui porque a HP licenciou a marca pra parceiras interessadas. É neste ponto que chegamos ao retorno da Compaq ao Brasil: em 2014, a empresa GlobalK fecha um acordo com a HP pra vender computadores usando a marca. Em 2015, laptops da Compaq já saíram no varejo brasileiro.
O modelo CQ-18.
Todos os modelos são produzidos na unidade da Flextronics em Sorocaba, interior de São Paulo, com base em critérios da HP. Desse retorno, dá pra destacar o Presario CQ-23, de 2015, cheio de conteúdo educacional embutido, e o Presario CQ-18, que foi o mais fino do Brasil quando lançado, em agosto de 2017.
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E essa é a história da Compaq, um conto de fadas de uma empresa pequenininha que incomodou as gigantes, ganhou algumas batalhas e fez o seu nome na história da tecnologia. Infelizmente, ela já não é sombra do que foi no começo, mas pelo menos em mercados como o do Brasil esse legado continua. Se você quiser ver a história de uma empresa, produto ou serviço aqui na série, é só deixar um comentário.
Um agradecimento especial à assessoria de imprensa da Compaq no Brasil, que contribuiu com material e informações para a realização deste episódio.
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