Na série de vídeos da história da tecnologia do TecMundo, várias trajetórias já contadas por aqui relatam que algumas empresas sofreram muito por causa de uma tal bolha da internet. Foi lá no começo dos anos 2000 e muita gente aqui ou não se lembra ou nem tinha idade para se importar com isso.
Mas ela mudou radicalmente o mercado da tecnologia e teve muitas consequências. Nesse capítulo, você vai saber o que foi essa bolha, por que ela aconteceu e até se a gente corre um risco parecido de novo.
Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.
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Tomando forma
A bolha que a gente tá falando começa a se formar lá por 1997. Redes como a internet já existiam há anos, mas só nessa época ela deixa de ser um negócio só de universidades e laboratórios e vai paras casas, muito graças ao protocolo World Wide Web, o WWW. Os PCs também ficaram mais baratos e se popularizaram para lazer. Até no Brasil a internet só chegou mesmo da forma que conhecemos hoje no fim de 94 e ficou uns dois anos em teste, mas isso é outra história.
Ou seja, do nada, muita gente conseguiu conexão e começou a consumir coisas novas. Serviços de eCommerce, sites de busca que eram mais catálogos mesmo e até algumas investidas em streaming começaram a brotar do nada e, como eram novidade, acabaram muito acessados.
O resultado disso é que todos os investidores de repente começaram a especular e resolveram que era uma ótima hora para se investir em empresas online. Ao mesmo tempo. Independente de qual era o negócio. E qualquer valor possível. E não eram só as gigantes do capital de risco que tavam nessa, mas também empreendedores novatos que não entendiam direito as lógicas dessa nova economia e entraram na onda.
Várias delas, que não tinham nem um plano de negócios de longo parazo ou possibilidade de render tanto assim, terminavam em “pontocom” para mostrar que eram desse ramo. Um dos nomes dessa bolha veio daí.
Crescendo descontroladamente
Um ano antes, alguém já tinha previsto uma crise. O presidente do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos, Alan Greenspan, falou numa palestra em 96 que a gente tava numa exuberância irracional, ou seja, ostentando demais e uma hora isso ia dar problema. Uma lei de redução na coleta de impostos de investimentos em 97 também é considerado um motivo.
Alan Greenspan em seu famoso discurso.
E a bolha cresceu. Empresas online começaram a valer demais, e ações de Amazon, Yahoo, AOL e também muitas empresas que você hoje não ouve falar atingiram valores absurdos. Em novembro de 98, a rede social theglobe.com teve as ações subindo 606% no primeiro dia de venda. Em 99, 457 empresas nos Estados Unidos liberaram IPOs, que são as ofertas públicas de ações, a maioria de internet e tecnologia.
Essa negociação de ações era toda feita eletronicamente na Nasdaq, que é basicamente formada por empresas de tecnologia e significa Associação Nacional de Corretores de Títulos de Cotações Automáticas.
A edição de janeiro de 2000 do SuperBowl, que é a final do futebol americano nos Estados Unidos e o horário de publicidade mais caro da TV no ano, teve 17 comerciais de empresas pontocom com grana.
Outro pico foi a compara da Time Warner pela AOL, em uma das maiores negociações da história da tecnologia e também uma das que mais deu errado. Tava sobrando tanto dinheiro que o site iWon, que dava prêmios em dinheiro em troca de cadastros e jogos online, premiou norte-americanos com 10 milhões de dólares em sorteios anuais.
Essa supervalorização de empresas que nem eram tudo isso e os investimentos feitos por ricaços que ignoraram conceitos básicos de economia foram inflando a bolha do mercado online cada vez mais.
O estouro
E você sabe o que acontece com uma bolha de sabão quando ela cresce de forma desproporcional, né? Em 10 de março de 2000, o valor do índice da Nasdaq, que é calculado de acordo com a intensidade das negociações, girava em torno de mil pontos. Mas a bolha fez esse valor ir para 5 mil e 48 pontos, um recorde absoluto. O valor combinado das ações lá na época era de 6 trilhões e 71 bilhões de dólares.
A Nasdaq antes, durante e depois da bolha.
A Nasdaq caiu 4% no primeiro dia depois do estouro, especialmente porque gigantes como Dell e Cisco começaram a vender ações para desafogar as contas. Normal, né? Só que isso, somado a todos os outros motivos que a gente citou, causou uma pane geral nos investimentos. A partir daí, foi só ladeira abaixo.
Nas semanas seguintes, as ações despencaram de preço e os rendimentos de muitas dessas companhias não chegavam perto de compensar essa queda.
Em 30 de março, a Nasdaq acumulava "só" 6 trilhões e 2 bilhões de dólares. Em 6 de abril? 5,78 trilhões. É isso aí: em menos de um mês, quase um trilhão de dólares foi pelo ralo pela desvalorização, que no total foi de 75%. Até hoje e com os valores corrigidos, a Nasdaq não chega nem perto de atingir o índice recorde do estouro da bolha. O que, vendo o que aconteceu, é uma boa notícia. A série Bull, da TNT, tentou mostrar esse mercado na época, mas foi cancelada antes do fim da primeira temporada.
Analisando as sequelas
Foram dois anos de terror para várias empresas de tecnologia. No fim de 2000, um quinto das empresas que fizeram a oferta pública de ações em 99 fecharam as portas depois de verem os valores despencarem. O governo cortou taxas de juros para tentar reverter ou pelo menos amenizar a situação, mas não adiantou. Os atentados terroristas do 11 de setembro de 2011 só pioraram ainda mais o cenário, e em 2002 a Nasdaq atingiu o piso recorde.
A gente tem três tipos de empresas nesse período. Tem aquelas que perderam tudo e deixaram de existir. As que ficaram na beira do abismo, se salvaram e seguiram funcionando. E as que souberam aproveitar o período e ficaram ainda maiores.
Pets.com é um dos símbolos da bolha da internet.
Entre as que bateram as botas não faltam exemplos. A loja online Pets dotcom vendia acessórios, rações e produtos variados para você cuidar do seu bichinho de estimação, mas fechou em novembro de 2000. A loja de moda Boo.com teve o mesmo destino. A Flooz.com, que era tipo uma moeda padrão para pagamentos nos moldes do PayPal, fechou em 2001 sem dar reembolsos. E a theglobe, aquela rede social dos 606%, fechou com as ações custando 16 centavos de dólares em abril de 2001.
Entre as do meio-termo, dá para citar o Yahoo!, que já teve a história contada por aqui. A empresa tinha tudo para virar uma gigante, mas fez uma série de decisões questionáveis inclusive pré-bolha, tipo comparar a empresa de rádio online Broadcast.com por 5 bilhões de dólares e descontinuar ele três anos depois. A AOL também nunca mais foi a mesma.
A Amazon não apenas sobreviveu: ela ficou ainda maior.
As empresas do terceiro grupo são gigantes hoje em dia. A Amazon e o eBay sofreram algumas pancadas, mas ainda são referência em comércio eletrônico. A Google já existia de forma tímida e espero 2004 para oferta pública de ações, e não poderia ter dado mais certo.
Os malandros
E olha só, o investidor Fred Wilson, que ajudou a financiar empresas da bolha, tem uma teoria bem curiosa. Ele diz que o estouro dessas crises na verdade é uma coisa boa. Isso porque alguns dos gastos descontrolados são bem feitos e deram origem a empresas boas, softwares de qualidade e aumentaram a infraestrutura da internet. Foi um sacrifício enorme, mas por uma boa causa.
Blodget foi condenado por más práticas quando era analista.
E não era todo mundo inocente aí, viu. Investidores da Merrill Lynch como Henry Blodget foram condenados por passar informações falsas publicamente na época da bolha sobre investimentos quentes e falarem exatamente o oposto em e-mails privados para amigos. Já Frank Quattrone, que na época era diretor do banco de investimentos Credit Suisse, foi condenado por obstruir investigações de IPOs suspeitas.
Juntando os cacos
A maior parte dos acontecimentos foi nos Estados Unidos, mas o mundo inteiro sofreu as consequências da bolha da internet. Isso porque o dinheiro vinha boa parte de fontes internacionais.
Mas vários negócios brasileiros também foram afetados. Muitas não conseguiram, mas empresas nacionais como Buscapé, Dotz, CyberCook, ObaOba e Cadê sobreviveram. A Booknet foi rebatizada como Submarino.
Uma das antigas interfaces da livraria virtual Booknet.
A partir da segunda metade dos anos 2000, a Nasdaq e a própria internet passam por uma fase de reconstrução e estabilização. As gigantes andavam mais tímidas na hora de negociar ações e os investidores ficaram menos descontrolados e dão uma controlada nos próprios bolsos. Só que atualmente tem que gente que diz que a gente tá vivendo em outra bolha online. Será mesmo?
Quando os smartphones começaram a bombar, o mundo viveu o perigo de uma bolha dos apps, já que qualquer serviço que fazia algo inovador recebia milhões em investimentos. Agora, muita gente acha que as startups que recebem caminhões de dinheiro bem antes de entregarem resultado ou até a explosão das criptomoedas representam um novo perigo para economia online.
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E aí, você acha que a gente vai entrar em outra bolha da internet? Ou você se lembra de alguma coisa que mudou na sua vida naquela época da bolha original? Conta para gente aí nos comentários.
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