Hoje em dia, você encontra uma câmera digital de qualidade no smartphone, mas pode usar também os modelos profissionais e até os modelos analógicos com o bom e velho filme que precisa ser revelado. Tudo isso se deve a décadas de avanços, é verdade, mas a maior parcela de créditos deve mesmo ir para a Kodak.
Essa marca, que já passou dos 100 anos, foi uma das empresas que ajudaram a popularizar a fotografia para amadores, diminuindo o tamanho das câmeras e ampliando as formas como as imagens eram exibidas após os cliques. Ela ainda revolucionou o meio digital — só que se esqueceu de embarcar nele, e esse talvez tenha sido o seu maior erro. Como tudo isso aconteceu? A seguir, confira a história completa da Kodak.
Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.
Assine já o The BRIEF, a newsletter diária que te deixa por dentro de tudo
Fotografia para o povo
Tudo teve início em 1878, quando o atendente de banco George Eastman começou a trabalhar na invenção de placas metálicas secas com emulsões de sais de prata sensíveis à luz pra gerar imagens. Esse é um dos processos básicos da fotografia moderna, e as placas viraram o primeiro produto da empresa.
As placas fotográficas de Eastman
A fornecedora Eastman Dry Plate Company nasceu 2 anos depois, em Rochester, Estados Unidos, numa parceria com o empresário Henry Strong. Eastman começou a sonhar mais alto e comprou a patente de uma tecnologia promissora: nada menos que a ideia do filme fotográfico.
O mercado da fotografia era jurássico antes disso. Para manusear as câmeras da época, era preciso treinamento. E elas não eram nem um pouco acessíveis em preço, muito menos portáteis. Ah, e os filmes eram chapas, nada daqueles rolinhos de filme.
A marca Kodak foi registrada em 1888 e era só o nome da câmera da empresa. Ela tinha um filme de 100 poses e era a primeira realmente fácil de usar. Para revelar, você a enviava inteira para a companhia, que devolvia as impressões e já colocava mais filme.
O slogan era "Você aperta o botão, a gente faz o resto", e o nome Kodak não existia antes. Ele foi criado pelo próprio Eastman, que estava buscando um termo curto, inédito e que soasse bem independente do idioma. Ele só sabia que gostava da letra K, a achava forte, e aí ficou brincando com as palavras até chegar a Kodak.
Um clique atrás do outro
Eastman lançou no ano seguinte de forma comercial o primeiro rolo de filme celuloide transparente e flexível da história. Foi o comecinho da fotografia amadora. A marca virou oficialmente Eastman Kodak Company em 1892. A primeira logo era bem sem graça, e aquela identidade visual amarela e vermelha só apareceu mais tarde.
A evolução da logo da Kodak.
Voltando aos lançamentos, a Kodak Pocket foi lançada em 1895, como o primeiro modelo de câmera de bolso. Mas a revolução mesmo foi a Brownie, de 1900, em forma de caixinha. Ela custava 1 dólar e foi a primeira considerada acessível. A série durou até 1986.
Ao longo dos anos seguintes, a Kodak não parou de contratar pesquisadores e cientistas para ajudar a criar novos formatos de filme. E ela também não parou de expandir para outros países. Em 1907, já eram 5 mil funcionários espalhados pelo mundo.
A Brownie.
A Kodak teve papel importantíssimo no desenvolvimento do cinema e do vídeo caseiro. O filme fotográfico do Eastman foi essencial para as câmeras de filmagem de Thomas Edison. Já o projetor KODASCOPE e o filme colorido de 16 milímetros KODACOLOR criaram muitos cinegrafistas amadores. Mas o grande passo veio em 35 com o Kodachrome, um filme colorido clássico e de qualidade para a fotografia e o cinema, o qual foi produzido até 2009.
Rolo de ideias
As evoluções em filmes, câmeras e projetores não paravam. Em 1938, saiu a Super Six-20, primeira com controle de exposição automático, com oito velocidades no obturador. Os negativos Kodacolor começam a sair em 1942.
Kodacolor.
Na época da Segunda Guerra Mundial, a empresa chegou a ajudar os Estados Unidos fabricando uma granada de mão com formato de bola de beisebol e inventando um sistema de correspondência que fotografava cartas de soldados e as transformava em filme.
Ela lançou mais uma linha de sucesso em 1963. A Instamatic foi um modelo de design clássico que ficou famoso por ser baratinho e ter o filme facilmente substituído.
Instamatic.
Nos anos 70, ela experimentou com as câmeras instantâneas Kodamatic, no estilo da Polaroid. Só que um processinho dessa mesma marca logo fez a Kodak parar de fabricar esses modelos.
Esse tal de digital tem futuro
Ao contrário do que muita gente fala por aí, a Kodak não ignorou a chegada da câmera digital. Na verdade, o primeiro modelo inventado foi dentro da própria empresa, e ela ganhou muito dinheiro com a patente disso até 2007, quando o registro expirou.
Foi em 1975 que o engenheiro da Kodak Steven Sasson inventou a primeira câmera digital, que nunca passou de um protótipo. Ela pesava 3,5 kg e usava uma fita cassete para guardar 30 fotos em preto e branco com 0.01 megapixel, levando 23 segundos para gravar os dados.
Depois, em 1989, ele e o colega Robert Hills criaram a primeira DSLR, que comprimia imagens e usava cartões de memória como as de hoje. Era revolucionário, mas quando Sasson mostrou a invenção para os chefes, eles ficaram apavorados e impediram o lançamento. Afinal, isso iria canibalizar o mercado de filme, que era um negócio de ouro. Até então.
A estratégia da Kodak era controlar toda a cadeia de produtos envolvendo fotografia. Ela vendia as câmeras Kodak, os filmes Kodak e, depois, você ia à loja da Kodak para mandar revelar. E esses dois últimos rendiam muito mais, então o foco da empresa se voltava mais para os processos. Isso dava muito certo, mas apostar todas as fichas nessa tecnologia acabou sendo também o maior erro.
Correndo atrás
Em 1994, ela lançou em parceria com a Apple a QuickTake, uma câmera digital descontinuada depois de 3 anos, mas que foi considerada um dos primeiros modelos digitais para o consumidor. Em 1986, ela inventou o primeiro sensor de megapixel. Aquela DSLR só saiu do papel em 1991 e é chamada de Kodak DCS.
Em resumo, a Kodak estava presente na briga, sim. Só não dava tanta importância e também estava longe de ser a melhor em qualidade. Então, ela começou a perder espaço para Canon, Sony, Nikon, Samsung e outras
Em 1980, a empresa fez 100 anos com muita moral, lançando até um processo de diagnóstico clínico. A influência da marca no mundo era tanta que o termo “Kodak moment”, que era um slogan, virou uma forma genérica para descrever aquela cena tão bonita que merecia uma fotografia. A Kodak atinge o seu maior valor de mercado em 1997, valendo pouco mais de 31 bilhões de dólares.
Só que a venda de câmeras digitais passou as tradicionais em 2003, e os filmes começaram a despencar 2 anos antes. E um dos pontos mais negativos da Kodak no digital era falhar nessa capacidade multimídia, de subir e compartilhar fotos para o PC e para a internet. Ela até lançou o serviço Kodak Gallery em 2001, mas perdeu feio para Flickr e Picasa. Em 2012, o serviço fechou, e todas as imagens foram para o banco Shutterfly.
A Kodak também errou ao subestimar as rivais. A japonesa Fujifilm foi a que mais se aproveitou disso, pegando os direitos de fornecimento de filme para a Olimpíada de 1984, em Los Angeles, e lançando produtos baratos que fizeram o mercado migrar aos poucos para ela. E pior que ela tinha razão em ser otimista.
Só nos Estados Unidos, em 1976, a Kodak vendia 85% das câmeras e 90% dos filmes. Em todo o mundo, as porcentagens eram superiores a 50%. Mas claro que isso não justifica o fato de ela ignorar o digital
Talvez o último grande sucesso de hardware da Kodak seja a linha EasyShare. A primeira saiu em 2001, e uma das gerações, a de 2003, até estreou o display AMOLED nesse tipo de produto. Ela lançou ainda docks que serviam de impressora para os modelos EasyShare e um software com esse nome para transferir arquivos.
O fim e o recomeço
Os anos 2000 são cruéis com a marca e aquela esnobada no digital cobra o seu preço. Em 2002, as câmeras com filme deixaram de sair em alguns mercados e, dois anos depois, aconteceu o mesmo com os filmes. Aí, empregos são cortados aos montes. Em 2008, a maior receita passa a vir do licenciamento de patentes, e não de produtos ou serviços. A empresa tentou separar a divisão de impressoras e produtos químicos e vendeu a de raios X, mas não adiantou.
A falência não demorou a chegar. A Kodak pediu concordata em janeiro de 2012, entrando no programa do governo dos Estados Unidos de proteção às empresas que precisam se recuperar financeiramente
Aí, o mercado de fotografia foi morrendo aos poucos na Kodak. Apple, Google e outras marcas de tecnologia fizeram um saldão e levaram várias patentes da empresa. Ela ainda perdeu os direitos de batismo do Kodak Theater, o auditório em que a cerimônia do Oscar é realizada. O único que durou um pouco mais por lá foi o CEO Antonio Perez, que ficou de 2005 até 2014.
Os equipamentos de scanner, digitalização de documentos, microfilme e outros serviços viraram uma empresa separada com sede no Reino Unido e orçamento bem mais reduzido, a Kodak Alaris. Depois de 1 ano e meio parada, a marca conseguiu investimentos e ressurgiu das cinzas com um foco totalmente diferente. Ela agora é uma empresa de tecnologia focada em imagem.
A Kodak hoje sobrevive no mercado de impressão mais voltada ao mundo dos negócios e até de embalagens, além de manter contratos com estúdios de cinema para fornecer filmes. Ela até tentou lançar um smartphone chamado Ektra em 2016, relançou uma câmera Super 8 e até uma action cam chamada PixPro, mas não deram nada certo.
E no Brasil?
No Brasil, a Kodak sempre teve a mesma superforça mundial, inclusive com várias peças publicitárias nas mais diversas mídias. Ela passou a fabricar câmeras digitais no país na Zona Franca de Manaus em 2008 e, depois da falência de 2013, concentrou todas as operações em São José dos Campos (SP).
Fontes