Pirataria: o câncer da indústria de games

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Um título um tanto quanto bombástico, mas que não deixa de ser verdade. Todos sabem que o problema da pirataria não é exclusivo à indústria de video games, mas esta é atingida de forma pesada pela prática, por inúmeros fatores. E o pior de tudo: ela inibe o crescimento do rol de desenvolvedores em países menos estabelecidos no mercado de jogos, como o Brasil.

Não é o objetivo deste texto entrar nos mínimos detalhes do que consiste a pirataria ou mesmo em uma discussão sobre apoio ou não a ela. O que se busca é retratar os danos causados pela prática à indústria de games — em especial às indústrias de desenvolvimento de pequeno porte.

Softwares

O quadro geral

Pode ser visto claramente através dos índices de pirataria em diversos países. Veja, por exemplo, um estudo realizado pela Assespro (Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação). Realizado em 2006, ele expõe alguns dos números da pirataria no Brasil e no mundo. Embora já esteja um pouco datado, serve para demonstrar claramente alguns dos problemas causados pela prática.

De acordo com o estudo, intitulado “O Problema da Pirataria para a Sociedade em Números”, a prática não é nova, considerando que existem esforços para reprimi-la desde 1989. Foi com o advento do gravador de CDs e da internet, no entanto, que ela se tornou absolutamente corrente e espalhou-se de forma espantosa por todos os setores da sociedade.

Os números do estudo para a porcentagem de softwares piratas são os seguintes, por região: 71% no leste europeu; 63% na América Latina; 56% na África e Oriente Médio; 53% na Ásia e no Pacífico; 36% no oeste europeu; e 23% nos Estados Unidos e Canadá. Números bastante expressivos, especialmente nos países latinos.

Pirataria rampante

Mas existe pior, com os primeiros lugares em pirataria, por país: China e Vietnã com 92%; Ucrânia com 91% e Indonésia com 88%. O que se pode verificar nesses dados é que a pirataria é consideravelmente menor em países que possuem uma indústria de desenvolvimento de jogos eletrônicos robusta, além de uma rede de distribuição confiável e acessível.

O que isso quer dizer? Que, embora utilizar programas piratas seja uma responsabilidade pessoal, grande parte das pessoas o fazem por não ter acesso fácil e rápido a eles de forma legítima — e como a internet já é, hoje em dia, difundida em larga escala, é muito mais fácil simplesmente entrar em um site e baixar uma cópia pirata do dito programa.

Na verdade, se não fosse pela internet talvez a pirataria estivesse em um patamar completamente diferente — e muito mais baixo. Estudos mostram que de 1996 a 1999, por exemplo, a taxa geral de pirataria de software caiu de algo em torno de 43% para 36%, e continuava descendo. No entanto, de 1999 a 2001 ela começou a subir enormemente mais uma vez. Período este em que a internet se popularizou e a banda larga se expandiu rapidamente.

Mitos e verdades

Muito se discute, mas o que é confiável?

Como todo assunto polêmico, discussões sobre pirataria frequentemente descambam para os “achismos”, os ataques e outras formas inválidas de conversa. Mas existem certos argumentos que são frequentemente utilizados e que, na verdade, não provam nem suportam nenhuma linha de raciocínio lógico. Vamos a eles.

  • Cópias piratas reduzem vendas diretamente

Falso. Muitas pessoas utilizam o argumento de que “se foram baixadas mil cópias piratas de um game que é vendido a 50 reais, o desenvolvedor efetivamente perdeu 50 mil reais”. Nada mais falso. Não é possível prever quantas dessas pessoas que piratearam o game o teriam comprado se não existisse a possibilidade de adquiri-lo ilegalmente.

Muitas delas iriam comprá-lo, outras o deixariam de lado e algumas talvez adquirissem o título de um amigo ou em uma promoção futura. Assim, é muito difícil estimar números exatos das perdas de um jogo pirateado.

Isso sem contar o fato de que muitas pessoas baixam um título pirata e depois acabam comprando-o para poder jogar online ou com amigos — coisa que não teriam feito caso não tivessem a oportunidade de testá-lo primeiro.

  • Pirataria prejudica a indústria de games

Verdadeiro. Muitos desenvolvedores, especialmente os pequenos e sem uma reputação sólida, sofrem imensamente com a pirataria. Isso porque devem incorporar custos previstos de falsificação no preço de seu produto, encarecendo a produção e aumentando o fardo no bolso do consumidor final — o que pode levar a vendas menores.

Por conta desse cálculo, as pessoas que compram o jogo legítimo pagam para que os piratas possam jogar de graça. E como gastam mais dinheiro com cada título, acabam comprando menos e injetando menos recursos no mercado como um todo. Além disso, empresas podem decidir remover ou adicionar elementos nos jogos para coibir a pirataria, prejudicando o usuário final.

  • Pirataria é crime

Verdade. A Lei 10.695 de 01/07/2003 define a prática como ilegal e relata a pena para os culpados. A propriedade intelectual, assim como os outros tipos de propriedade, é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro, e itens virtuais agora também estão sob esta proteção — que engloba a indústria dos video games.

  • Games são caros por causa da pirataria

Falso e verdadeiro. No Brasil, os jogos são tão caros principalmente por causa das taxas incidentes sobre eles. Basta olhar para o preço de games nos Estados Unidos e na Europa e fazer a conversão para reais para ver o quanto os impostos aumentam o preço final destes produtos em nosso país. A quantia é realmente exorbitante e proibitiva.

Mas também é fato que os desenvolvedores já embutem no preço de seus games uma quantia para compensar a pirataria — se isso é válido ou não já é uma outra discussão.

Video games

E como fica a indústria dos jogos eletrônicos?

Como mencionamos, ela é uma das mais afetadas pela pirataria, já que é altamente suscetível a modas, gostos e se trata de entretenimento, algo que não é essencial para a vida do ser humano. Esse é o mesmo raciocínio utilizado para tributá-la pesadamente, especialmente os produtos que são importados — que, no caso deste setor que tanto amamos, são quase todos.

Peguemos o exemplo de Call of Duty: Modern Warfare 2, o jogo mais pirateado de 2009. A versão para PC do título foi baixada mais de 4 milhões de vezes da internet, enquanto foram vendidas em torno de 300 mil cópias oficiais. Nos consoles as vendas foram de mais de seis milhões de unidades, enquanto se verificou quase um milhão de downloads piratas. Quantias realmente impressionantes.

Esse é um exemplo claro de várias tendências da pirataria na indústria dos games. Em primeiro lugar, ela existe em larga escala. Larga escala, na verdade, pode ser um termo que não faz justiça ao tamanho da operação, já que é possível encontrar praticamente qualquer jogo na internet ao buscar nos lugares certos.

A internet torna o PC a plataforma preferencial da pirataria

Outro ponto é a predominância da pirataria nos jogos para computadores. Seja porque você está fazendo o download no próprio computador — enquanto nos consoles é preciso gravar mídia ou transferir dados para ele, além de destravá-lo — ou porque é mais fácil testar jogos em uma plataforma muito mais livre, a quantidade de versões para PC pirateadas é imensamente maior do que as de plataformas caseiras.

A adaptação da indústria

Existem vários exemplos de tentativas de driblar a pirataria e vender jogos a preços razoáveis de uma forma que evite a possibilidade de jogá-los através de cópias falsificadas. Um bom exemplo é o Steam, que ganhou imensa popularidade não somente pelas promoções que eventualmente disponibiliza, como também pelos riscos que incute aos piratas.

Esse é um esforço realizado também pelas próprias desenvolvedoras na hora de produzir seus games. Novos modelos de venda surgiram nos últimos anos, como mensalidades para jogos online, microtransações e até mesmo a venda de pedaços do game, gradualmente, foram introduzidos como forma de tentar evitar a pirataria.

O steam é útil, mas não perfeito

Também houve esforços na forma de proteções digitais incluídas nos CDs e autenticações online, ambas altamente repudiadas pelos gamers. A primeira é duramente criticada por problemas de compatibilidade, enquanto a segunda faz com que seja necessário entrar na internet toda vez que se queira jogar o título — e problemas de conexão ou no servidor remoto causam enorme frustração.

O CEO da Crytek, Cevat Yerli, explicou bem a situação da pirataria nos PCs em 2008 (e sua afirmação continua mais atual do que nunca): "Se um usuário da plataforma a respeita, deveria parar de piratear. Se não haverá cada vez menos títulos exclusivos e/ou single player para PC, focando exclusivamente nos jogos online que podem ser verificados".

Brasil

E a pátria amada?

A situação do Brasil é ainda mais delicada. Quando alguém diz, nos Estados Unidos, que jogos são muito caros ou difíceis de encontrar, geralmente está exagerando — já que existe uma ampla rede de distribuição dos títulos por lá, tanto virtualmente quanto em modo físico, nas lojas. No entanto, aqui no Brasil essa informação realmente procede, infelizmente.

Voltemos ao que foi dito anteriormente. Em nosso país, o preço de jogos eletrônicos e qualquer equipamento relacionado a eles, incluindo as plataformas, é absurdamente alto e proibitivo para grande parcela da população. Pagar R$ 250 em um jogo de PlayStation 3 beira o ridículo, sendo que em qualquer outro país as pessoas considerariam este preço um assalto a mão armada.

Logo, qualquer pessoa razoável passa a tentar obter jogos pelo menor preço possível — como este ainda é absurdo, muitos logo cedem à pirataria. Afinal de contas, é possível comprar em torno de 20 jogos com o dinheiro que se compraria um original. Algo que faz com que os usuários relevem até mesmo possíveis problemas ou falhas com títulos piratas... Afinal de contas, não custaram quase nada.

A pirataria é frequentemente citada como uma razão pela qual a indústria brasileira de desenvolvimento de games não vai para frente e também um motivo pelo qual o mercado consumidor de games por aqui é instável. Ambas são afirmações verdadeiras, mas existe uma razão mais profunda, que é a falta de incentivo na maioria dos setores.

Brasil, um país de todos. Até dos piratas

Além dos preços exorbitantes, a distribuição é um grande problema por aqui. Na Europa você  encomenda um jogo através de um site e recebe-o em casa alguns dias depois, pagando pelo cartão de crédito — que, por sua vez, é pago pela internet.

Tudo isso através de meios confiáveis e empresas reconhecidas, como a Amazon — e sem sair de casa em nenhum momento. Se o usuário não se sentir confortável, pode também ir a inúmeras lojas especializadas em games que possuem um foco específico na indústria — e que existem em todo lugar.

Aqui no Brasil, as lojas são totalmente independentes e adotam preços e formatos ímpares. Ou seja, em Curitiba é possível que o preço de um game em uma loja de shopping seja diferente do que em São Paulo.

No caso da compra em sites online, o brasileiro não conta com suporte da maioria dos grandes nomes, devendo se virar com importadores independentes — geralmente pessoas físicas — através de locais como o eBay e o MercadoLivre.

Mesmo a distribuição digital é complicada, por aqui. É preciso ter um cartão de crédito internacional para realizar a maioria das compras e sites como PayPal são extremamente limitados para usuários tupiniquins.

Ou seja, obstáculo em cima de obstáculo. E, como bem se sabe, as pessoas eventualmente se cansam de nadar contra a corrente e cedem à tentação: neste caso, a pirataria. Ao invés de ter todo o trabalho, basta ir ao camelô e pagar dez reais.

O problema no país não é simplesmente econômico, mas também político e social. Como os jogos eletrônicos são um fenômeno novo no Brasil e jogos em geral ainda possuem um certo preconceito, não existe muito interesse em fazê-los prosperar. O fato de serem itens considerados supérfluos apenas exacerba este comportamento.

Um bom exemplo é o seguinte: se determinados políticos de renome estivessem inseridos no setor de games, como muitos estão no de telefonia, a indústria certamente prosperaria e as ações para que isso acontecesse seriam muito mais rápidas e enérgicas.

Soluções

Existe remédio ou estamos perdidos?

Não há uma pílula que possamos entregar à “indústria de games” para remover este mal, mas existem inúmeros passos que podemos dar na direção certa. Tanto os gamers quanto os desenvolvedores devem fazer esforços genuínos nesse sentido, mas ainda podemos buscar soluções que beneficiem  todos.

No caso dos consumidores, o primeiro, e mais importante de todos os passos, é simples — mas não fácil — e direto: parar de tentar criar desculpas para usar cópias piratas. Isso parte deles mesmos e é algo que deve entrar na consciência coletiva. Dizer que você pirateia por motivos X ou Y não ajuda em nada, e apenas serve para que se engane e possa dormir tranquilo à noite.

Além disso, é importante apoiar os jogos de que você realmente gosta. Se alguém distribui um jogo gratuitamente e busca retorno apenas através de doações — caso, principalmente, de pequenos desenvolvedores — não custa nada fazê-lo, embora não esteja no costume brasileiro dar gorjetas ou bonificações do tipo. Expressar apoio na internet e outros lugares também ajuda e não prejudica ninguém.

Informar-se antes de falar sobre um tema é válido para qualquer área, e nos video games não é diferente. Existem pessoas que trabalham para criar games e isso custa dinheiro — ignorar é apenas prova de desrespeito a todos.

Um quadro difícil de reverter, mas não impossível

Já do lado dos desenvolvedores, alguns passos são mais abrangentes, devendo ser observados no mundo inteiro, enquanto outros dependem mais das diferentes regiões. Tudo se baseia em um fato principal, no entanto as pessoas querem jogar os títulos mais aguardados assim que possível.

Com isso em mente, a primeira coisa é disponibilizar os jogos para todas as regiões simultaneamente, especialmente agora que a internet é tão difundida. Se um game é lançado nos Estados Unidos hoje, por exemplo, todos os habitantes do resto do mundo tentarão adquiri-lo de um jeito ou de outro neste dia — seja através de distribuidores estrangeiros legais ou pirateando o título.

A segunda coisa é um preço mais acessível, que realmente leve em consideração o que o jogo oferece, e não simplesmente algo padronizado. Pagar o mesmo por um jogo como Torchlight através de distribuição digital, por exemplo, do que um Modern Warfare 2 comprado em uma loja física, seria injusto — e o consumidor moderno não está disposto a ser explorado.

Outro ponto interessante levantado por muitas pessoas é o das recomendações mínimas, algo que se aplica aos jogos de PC. Os consoles rodam os jogos existentes neles, sempre — e quando existem diferenças entre versões de consoles diferentes existe uma histeria geral — mas os PCs não. Ninguém gosta de ver que seu PC se encaixa naquelas “configurações mínimas de sistema” para chegar em casa e ver um jogo que parece uma apresentação de slides.

No fim das contas, todos buscam qualidade e acessibilidade, algo que a pirataria proporciona quando os meios legais não o fazem. Mesmo quando a qualidade é sacrificada, a facilidade de obtenção faz com que a prática compense. É difícil mudar a mentalidade geral? Com certeza, mas não significa que não devamos tentar — afinal de contas, todos querem mais jogos, de maior qualidade e com menor preço.

Texto de Hélio Belfort, redator do Baixaki Jogos.

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