A internet e as grandes plataformas de fotos, vídeos, lives e podcasts possibilitaram que qualquer pessoa pudesse se tornar um criador de conteúdo, basta ter uma câmera e/ou microfone e pronto. Naturalmente, o alcance e o potencial comercial dessa atividade profissionalizou a categoria, hoje popularmente conhecida como produtores de conteúdo digitais.
Para se tornar um criador de conteúdo de sucesso, as boas práticas incluem consistência, definição de público alvo, desenvolvimento de linguagem, constante monitoramento de métricas e, se for uma atividade remunerada, negociação de campanhas publicitárias com marcas e agências — é um trabalho como qualquer outro.
Para muitos, a produção de conteúdo é totalmente autônoma, em que o profissional define sua própria rotina de trabalho. Contudo, na prática, são os algoritmos das grandes plataformas que definem como o creator deve se comportar, sendo eles importantíssimos para garantir relevância dentro e fora da própria comunidade.
A criação de conteúdo não envolve somente a gravação, mas todo a produção e o gerenciamento de conteúdo de múltiplos canais pertencentes ao criador.Fonte: GettyImages
Segundo a pesquisa “Creators & Negócios” feita pela agência Brunch e a consultoria YOUPIX, 81,4% dos creators ganham dinheiro a partir de conteúdo digital, sendo 37,8% deles como renda única e 43,6% como renda extra.
Como é ser criador de conteúdo?
Para elucidar essa questão, e como os criadores lidam com essa autonomia, o TecMundo ouviu relatos de criadores de diferentes profissionais: Felipe “Goldenboy”, influenciador digital; “Xohac”, do canal do YouTube Cozinha Criatura; e Renato Vicente, streamer e influencer da LOUD.
Para o trio, a criação de conteúdo oferece muita flexibilidade, mas isso implica em grandes responsabilidades. Vicente menciona que focava em fazer cerca de 200 horas de lives por mês (algo em torno de 6h30/dia); Xohac, publicava até 2 vídeos no YouTube por semana e Goldenboy está constantemente ativo no Instagram e no TikTok.
Porém, a apresentação de lives e a gravação de vídeos não é a única responsabilidade do criador de conteúdo. O processo de produção envolve roteirização, gravação, edição, publicação, divulgação e monitoramento de conteúdo — e Vicente ressalta: é difícil fazer isso tudo sozinho.
Hoje, 68,7% dos criadores entrevistados pela YOUPIX trabalham sozinho, sem equipe.
O streamer da LOUD hoje conta com uma equipe de até 5 pessoas para manter seus canais ativos em todas as plataformas, mas essa estrutura não é comum para todos os criadores. Xohac, por exemplo, tomava conta de toda a produção sozinho, o que ocasionou em uma sobrecarga de trabalho e, em seguida, um burnout.
Estratégias contra instabilidade
Ao falar sobre a instabilidade dessa carreira, os três falaram sobre planejamento, mas aplicam estratégias diferentes. Goldenboy está ativo constantemente, mesmo em viagens pessoais, mas guarda um conteúdo pronto para publicar em dias mais atribulados; Xohac manteve um fluxo de receita graças ao grande catálogo de vídeos publicados; e Vicente foca em fidelizar o próprio público.
"Psicologicamente, [a atividade] demanda uma atenção maior para você não se colocar numa posição ruim até para sua live", pontuou Vicente. "Não adianta você estar batendo [a meta de] horas e você estar abalado porque uma hora ou outra o barco vai virar", continuou.
Segundo a pesquisa “Creators & Negócios”, as publicações pagas por marcas eram a principal fonte de renda para criadores em 2022, e isso aumentou em 2023: 40,1% dos criadores consideram as publis como principal fonte de receita, e 50,9% deles consideram a categoria como a mais lucrativa.
Estabelecer essa base de apoio tende a ser a principal ferramenta para contornar as constantes mudanças de regras das plataformas — e até indisponibilidades totais, tal como aconteceu no X (Twitter) no Brasil. Os autores da pesquisa ressaltam que os relatos mencionam grande desconforto com essa inconsistência e com as penalidades sofridas por falar sobre assuntos considerados sensíveis.
Ainda que sejam autônomos, são os algoritmos das grandes plataformas que definem como o produtor de conteúdo deve trabalhar.Fonte: GettyImages
Da mesma forma, a pesquisa ressalta o receio de criadores de serem deixados para trás pelo algoritmo. "Creators têm medo medo do algoritmo, esse chefe invisível que manda e desmanda. Eles relatam cansaço, exaustão e frustração com a própria prática".
Descanso praticamente não existe
O constante acesso à internet permite que o criador de conteúdo esteja sempre ligado no que há de mais importante, incluindo no próprio trabalho. Xohac menciona que ter o celular permite acessar comentários e métricas do próprio canal o tempo todo, e isso é importante para entender como o conteúdo circula por aí.
Para criadores de conteúdo autônomos, períodos de descanso dependem de planejamento.Fonte: GettyImages
O caso de Goldenboy é um pouco mais intensivo: uma vez que seu público também tem interesse em sua vida pessoal, boa parte do que ele posta no Instagram é voltado para esse público. Assim, até mesmo em viagens para fora do ambiente de trabalho, ele pensa em fotos, vídeos e Stories para postar e cativar o público.
"É impossível tirar férias de si", ressaltou Goldenboy.
No caso de Vicente, que esteve recentemente na TwitchCon, em San Diego, Califórnia (Estados Unidos), a equipe e o planejamento prévio possibilitaram uma pausa, mas está bem atento a tudo que acontece no evento para contar o máximo possível nas próximas transmissões ao vivo.
O que diz a lei?
A profissão “criador de conteúdo digital” não é regulamentada, mas há projetos de lei em andamento que buscam formalizar a categoria. Exemplo disso é a PL 1547/2023 elaborado pelo deputado federal Rafael Prudente (MDB), que “regulamenta a profissão de criador de conteúdo digital e dá outras providências”.
A profissão "criador de conteúdo digital" não é regularizada, portanto carece de qualquer direito trabalhista.Fonte: GettyImages
Nesse projeto, o legislador dá melhores contornos à carreira de creator, definindo idade mínima, exigência de regularidade fiscal, responsabilidades sobre publicidade, danos e produção e, regulamentação pelo Ministério do Trabalho e Emprego e tributação.
Exceto os criadores efetivados por empresas ou agências, esses profissionais não são amparados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), geralmente enquadrados como microempreendedores individuais (MEIs). Neste caso, não há garantias como plano de saúde, jornada máxima de trabalho e descanso remunerado — e o impacto disso cresce à medida que a profissão cresce no país.