Apesar de ter sido criado em 1992, pelo autor Neal Stephenson no livro Snow Crash (Nevasca, no Brasil), o termo metaverso começou a entrar no vocabulário dos brasileiros somente no ano passado.
De acordo com o Google Trends, ferramenta que mostra o interesse das pessoas no buscador, o conceito tinha baixíssimos volumes de busca até setembro de 2021. Tudo mudou em outubro, com o anúncio de que o até então Facebook, empresa dona da rede social homônima, passaria a se chamar Meta, justamente para referenciar o metaverso.
Em novembro, a curiosidade sobre o assunto atingiu seu pico, tendo como pesquisas relacionadas questões como “metaverso o que é”, “o que é o metaverso”, “metaverso facebook” e “metaverso significado”.
Desde janeiro de 2022 o interesse pela palavra "metaverso" tem oscilado no Google Brasil.
Com o aumento repentino das buscas, o mercado de soluções para essa realidade virtual entrou em ebulição. De acordo com estimativas da Bloomberg, a expectativa é que fundos que negociam investimentos relacionados ao metaverso podem chegar a movimentar US$ 80 bilhões (cerca de R$ 372 bilhões na cotação atual) até 2024.
E uma das iniciativas que mais chamam a atenção nesse sentido é a dos personagens virtuais de celebridades reais no metaverso.
Digital influencer ou influencer digital?
Um dos casos que mais repercutiu nas últimas semanas é o do influenciador Lucas Rangel. Com 10,6 milhões de inscritos no YouTube e mais de 19 milhões de seguidores no Instagram, ele é uma das principais personalidades da internet brasileira.
Em março, Rangel anunciou o "Luks", um personagem virtual no metaverso que apresenta características físicas bem parecidas às do influencer. À época, ele revelou ter gastado R$ 240 mil para criar Luks, que é um dos primeiros projetos da LR Tech, braço de tecnologia da LR Contents, empresa comandada por Rangel.
Rangel conversou com o TecMundo sobre o projeto e explicou por que decidiu apostar na empreitada. Ele diz ter percebido que o metaverso é uma tendência global e que por sentir que o conceito representa uma grande "virada de chave", decidiu investir (muito) dinheiro nisso.
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“Ele [Luks] vai poder fazer tudo o que um influenciador faz e muito mais, já que o metaverso é um universo online e no online tudo é possível. Então o mais empolgante em relação ao Luks é a capacidade de ele fazer qualquer coisa”, comenta Rangel.
Rangel afirma que o personagem, que já tem mais de 250 mil seguidores no Instagram, nasceu de um processo natural de revolução tecnológica. Para lembrar como as coisas mudam, ele cita ter começado o trabalho como influencer no Vine, uma plataforma que não existe mais, cujo público foi absorvido pelo TikTok.
“A internet e a sociedade vão passar por essas transformações. E tudo isso que nós estamos fazendo, em relação ao metaverso, é só o começo”, garante o influenciador.
O metaverso já existe
Questionado sobre os riscos de investir em uma solução que ainda não alcança o público em geral, Rangel justifica que o ato de ser pioneiro pode justamente ajudar a tornar o movimento comercial rentável.
“Eu sempre digo que 'quem chega primeiro, bebe a água limpa'. A ideia de termos chegado primeiro é que nós podemos ajudar na criação do conceito, ajudar a popularizar e consequentemente estar passos à frente de quem chega depois”, afirmou.
"Quem chega primeiro, bebe a água limpa".
Rangel defende que o universo de influenciadores já é um grande negócio e lembra de Lil Miquela. Ela é uma personagem virtual de 19 anos que vive em Los Angeles, tem mais de 3 milhões de seguidores no Instagram e fala sobre moda, lifestyle e defende pautas políticas como direitos para a comunidade LGBTQIA+.
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Miquela, que é descendente de brasileiros, já estrelou campanhas de grandes marcas de grife, participa de grandes festas e tem até namorado. Em entrevista ao Estadão, em 2019, ela explicou que teve memórias implantadas e que escuta funk carioca, samba e bossa-nova.
“Acredito que a beleza vem da diferença. Eu não sou a favor de substituir qualquer coisa (ou ser) por outra. Eu sou grata por tudo o que aprendi com os humanos da minha vida. Eles me dão espaço para eu ser diferente. Então, amo fazer o mesmo por eles”, respondeu a influencer por e-mail sobre se personagens digitais vão substituir influenciadores reais.
Assim como Miquela, Rangel conta que Luks já é visto como alguém de verdade pelos seus fãs. Ele afirma que Luks já tem um público cativo que interage, mandando mensagens diretamente para o personagem virtual perguntando o que ele está fazendo.
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Por último, o jovem conta que Luks fará sua primeira campanha publicitária em breve e que outros contratos já estão sendo negociados com marcas. Além disso, para fomentar ainda mais o setor de influenciadores no metaverso, Rangel afirma que seu irmão deve fazer “colabs” com a Rayane, personagem digital do influenciador Isaías, por exemplo.
Apresentadora virtual
A apresentadora e digital influencer Nyvi Estephan é outra personalidade que entrou neste mercado. Falando ao TecMundo, ela responde que a Nalla, sua “irmã” no metaverso, surgiu depois que ela pensou sobre a infinidade de possibilidades que a tecnologia oferece.
“Eu enxergo todas as coisas que são inacessíveis ao mundo real, mas infinitas no mundo virtual. A pandemia acelerou as conexões tecnológicas e deu um passo para trás nas conexões físicas. Tornou as viagens e distâncias mais complexas, enquanto no metaverso o teletransporte ocorre em um piscar de olhos”, diz Estephan.
A influenciadora afirma que Nalla já cresceu bastante como personagem e que apesar de muita gente ainda “torcer o nariz”, seus seguidores “estão adorando” a personagem. Segundo ela, seu público, que é composto na maioria de jogadores de videogame, já está acostumado com interpretação de papéis em role-playing game (RPG) e customização de avatares e por isso entende o que é ter uma vida virtual.
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A jovem diz acreditar que Nalla tem um grande potencial de crescer sozinha, mas que por ter o mesmo sobrenome Estephan, a imagem das duas sempre estarão atreladas. “A ideia é que façamos esse barulho juntas. Eu com ela e ela comigo”.
Reveses de uma influencer feminina
Se por um lado Nyvi Estephan demonstra bastante empolgação com a nova empreitada, por outro ela também demonstra preocupação. Ela argumenta que personagens virtuais, caso da Lu do Magalu, podem alcançar grande estrelato, mas admite que no caso do metaverso ainda há limitações.
“Acredito que não será tão breve [que os personagens virtuais alcançarão a mesma popularidade de influenciadores reais], pois ainda se trata de uma tecnologia cara para produzir. Então acho que ainda vai demorar um pouco para termos muitos influenciadores virtuais”, afirmou.
Outro ponto citado é a própria condição de gênero da personagem. Mesmo não existindo no nosso mundo concreto, a imagem de Nalla deve sofrer com utilizações indevidas, o que de certa forma faz com que ela e Nyvi sejam vítimas de uma espécie de assédio e machismo virtuais.
“Eu fiz todos os registros de imagem e propriedade dela, justamente para evitar a possibilidade de tentarem usá-la de forma indevida. Além dela ter os meus traços, o que, perante a lei, é mais uma camada de proteção para que a imagem dela não seja usada sem a minha autorização. Meus advogados já estão prontinhos para que ela jamais sofra nada do que eu sofri”, finaliza a influencer.
Outras iniciativas
O novo mercado do metaverso pareceu instigante até mesmo para personalidades já estabelecidas e com grande público na televisão. Esse é o caso de Satiko, o avatar da apresentadora Sabrina Sato que foi desenvolvido pela empresa Biobots.
Em entrevista à Forbes, a famosa explicou que sua personagem virtual tem um perfil diferente do dela. A “missão” de Satiko, no caso, é alcançar novos públicos para a apresentadora. “A Satiko vai me ajudar a criar experiências totalmente novas, por exemplo, ela pratica esportes que eu não pratico, estará em lugares onde eu não posso estar. Terá uma personalidade muito mais livre e solta”, pontuou Sabrina.
Outra figura conhecida do público que ganhou um colega digital foi o apresentador Amaury Jr. Conhecido como um dos principais colunistas sociais da televisão brasileira, ele entrou no metaverso com AJ, um avatar de 38 anos que também é apresentador e repórter.
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AJ, que foi desenvolvido pela Meta Bots, foi definido como um “filho da tecnologia”. “Com seu mestre Amaury Jr., terá interações no decorrer das suas agendas, porém AJ tem vida própria e promete agitar o universo do metaverso e a realidade”, revela sua descrição.
Outra iniciativa interessante teve o pontapé inicial dado por Flávio Tavares e seus sócios. Ele é CEO da Upper, uma empresa que fomenta investimentos em educação, e fundador da Escola do Metaverso. Autointitulada como a “primeira escola do metaverso no Brasil”, a entidade tem entre os objetivos entender e estimular os debates sobre todas as possibilidades trazidas pelo novo conceito.
“A gente já estudava sobre o tema há algum tempo e decidimos formalizar uma escola em dezembro de 2021, pouco tempo depois do anúncio de que o Facebook mudaria seu nome para Meta. Nós lançamos um evento e tivemos mais de 4 mil pessoas inscritas de modo orgânico. Ali, percebemos que existia uma necessidade de ampliação de conhecimento sobre o tema”, relata Flávio ao TecMundo.
Flávio Tavares, fundador da Escola do Metaverso.
Tavares revela que foi investido quase R$ 1 milhão na criação, divulgação, marketing e vendas da Escola do Metaverso. A instituição oferece cursos sobre o mercado e ferramentas utilizadas pela tecnologia, e para isso procurou profissionais e acadêmicos brasileiros que já faziam trabalhos sobre o conceito.
O fundador da escola afirma que outro propósito do grupo é justamente democratizar o metaverso por meio das conversas e do fomento de várias das ideias que estão surgindo.
“Nós acreditamos que uma das maneiras de popularizar o conceito é através da educação. A escola vem com esse intuito, de conseguir criar um movimento para debater o metaverso. Por isso não oferecemos só os cursos, mas temos três eventos programados, vamos lançar um livro sobre, pretendemos criar fundo de investimentos para startups que investem no mercado e muito mais”, cita Tavares.
É possível ganhar dinheiro com o metaverso?
O metaverso ainda engatinha como tecnologia, mas acredita-se que ele tem bastante potencial. Além disso, como os influenciadores e investidores mostram, já existe toda uma economia girando ao redor desses produtos e serviços digitais.
“O mercado é muito promissor e a tendência é que cada vez mais formadores de opinião desenvolvam seu próprio ‘influenciador digital’ ou ‘avatar’ no metaverso, por exemplo. No caso específico do Lucas Rangel, é possível imaginar que ele terá, sim, um retorno sobre o investimento”, garante Gian Montebro, assessor de investimentos da iHUB Investimentos, ao TecMundo.
Além dos personagens formados por bytes, ele lembra que a nova realidade virtual veio para se juntar a um outro setor que já está cada vez mais estabelecido. Os chamados criptoativos, que são ativos (bens que geram algum tipo de valor) digitais, caso das bitcoins e outras criptomoedas, movimentaram mais de US$ 6 bilhões (R$ 28 bilhões) somente no Brasil em 2021.
E uma das “modas” na atualidade são os tokens não fungíveis (NFTs). Montebro cita como exemplo o jogador de basquete Stephen Curry, que lançou uma coleção de NFTs sobre cada uma de suas quase 3 mil cestas de 3 pontos na NBA. Uma das figurinhas foi vendida a US$ 2,8 mil (R$ 13 mil), sendo que toda a arrecadação com os tokens foi revertida para instituições de caridade.
“Uma forma de investir nesse universo é comprar, por exemplo, ações de empresas que estejam diretas ou indiretamente ligadas ao metaverso. Outra forma, é fazer o mesmo movimento em cripto [moedas], algumas moedas ligadas a jogos, já tiveram forte valorização e a tendência é que, com o aumento dos usuários no metaverso, isso seja só o começo”, defende Montebro.
Mas o metaverso é uma modinha?
Apesar de pontuar sobre o quão promissor é o metaverso e outros criptoativos, Montebro sugere cautela com o assunto. Ele afirma que há um risco de investir nessas soluções porque ainda é bastante cedo para saber qual é o futuro da empreitada. Além disso, ele pontua que assim como qualquer investimento, existe um risco de as coisas não darem certo e as pessoas perderem dinheiro. Contudo, ele faz questão de lembrar o outro lado da equação.
“Toda e qualquer tecnologia inovadora, ao ganhar a grande mídia, nos faz pensar que está sendo trabalhada há muito tempo por grandes empresas, principalmente no caso do Facebook. Quando vemos um ‘monstro’ do mundo tech e tantas outras grandes empresas indo na mesma direção e investindo rios de dinheiro, me faz pensar que esse risco já foi muito maior do que atualmente”, defende o assessor.
Arthur Igreja, que é especialista em Tecnologia, Inovação e Tendências, afirmou ao TecMundo que a utilidade dos personagens virtuais no metaverso ainda é embrionária e que, na verdade, muitas personalidades estão criando seus avatares para “demarcar espaço”. Ele faz uma comparação com empresas de médio e pequeno porte que investiram dinheiro na criação de sites nos anos 90 sem saber muito bem para que serviriam as páginas.
“O caso mais emblemático na minha visão é o do Snoop Dogg [que tem planos para se tornar um dos maiores empresários do metaverso]. Em se tratando dos personagens em si, isso impacta mais no relacionamento com fãs e representação de marca — já que esse personagem pode estar utilizando um produto ou realizando uma campanha de marketing. Não é muito diferente do mundo real quando falamos de um influenciador ou celebridade”, pontua Igreja.
O ceticismo sobre todos esses novos conceitos que envolvem uma nova fase da virtualização do mundo é bastante necessário. Mas o que o especialista lembra é que não é possível afirmar que tudo se trata de uma “modinha”, já que as soluções ainda estão tomando forma e as pessoas estão aprendendo para que elas servem.
“É muito cedo para fazer essa afirmação [que o metaverso é passageiro]. Ele ainda não é um flop. Ainda não dá para dizer nem que seja uma bolha ou cravar que dará tudo certo, conforme a visão que alguns estão antecipando”, finaliza Igreja.
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