Se você gosta um pouco de quadrinhos (ou de filmes baseados em quadrinhos), já deve ter percebido que o título desta coluna foi inspirado na frase célebre do Tio Ben. E se ela foi imortalizada ao longo do tempo, certamente foi pelo fato de que ela é uma verdade absoluta em nosso contexto social. Poder traz responsabilidade... E não é preciso que seja um superpoder para isso.
Há séculos a tecnologia tem se mostrado uma grande aliada do poder. O poder de construir, transportar, dominar, informar. E se ao longo dos séculos a tecnologia mudou MUITO, algo que pouco mudou foi o fato de que o poder gerado por ela sempre foi muito centralizado. Mas isso agora também está mudando e muito rapidamente.
Para citar um exemplo bem tangível, basta observar a informação. Se ela já foi de monopólio do Estado, da Igreja ou de poucas empresas, com a internet e com a democratização do acesso a ela, hoje o poder está espalhado pelas mãos de pessoas de todos os países, credos e classes sociais. Ainda estamos longe de darmos o poder a todas as pessoas, mas estamos melhorando.
A tecnologia já foi aliada dos poderes de construir, transportar, dominar e informar
Alguém na década de 1970 imaginaria que, 50 anos depois, seria possível que qualquer pessoa tivesse a oportunidade de ter suas opiniões expostas para milhões de pessoas? Certamente não — as redes sociais não eram nem um sonho naquele tempo. Esse é o poder chegando aonde não estava antes... E é aí que entra a responsabilidade que falamos lá em cima.
"Tu te tornas eternamente responsável pelo post que compartilhas"
As redes sociais (elas de novo) deixaram de ser um ponto de encontro para pessoas com ideias em comum (sdds Orkut) e foram transformadas em algo muito maior. Às vezes, ainda são bons focos de entretenimento e informação, mas todo mundo conhece exemplos de momentos em que elas se transformaram em praças de guerra ou disseminadoras de desinformação.
E se muita gente escreve, muita gente lê. E se muita gente lê, muita gente pode ser influenciada por aquela informação. Por isso, uma das grandes responsabilidades desse poder é a da disseminação da verdade — ou pelo menos a não disseminação da mentira (que ficou muito mais fácil de ser rebatida do que era naqueles mesmos anos 70).
Indo além para entender o agora
Nesta semana, encontrei um artigo do site espanhol Xataka que falava sobre ética e programação, abordando (entre outras) uma questão: um programador que trabalha para a criação de algoritmos que serão usados para a produção de um míssil guiado por satélites tem responsabilidade sobre as vidas que serão tiradas por ele? Não cabe a mim (nem a você) responder isso, mas a reflexão é válida — e importante.
O "inventor" do fogo não tem nada a ver com o lança-chamas — mas o Elon Musk sim. O criador dos automóveis não pode ser incluído em boletins de ocorrência de atropelamentos, nem os pioneiros da internet podem ser culpados por um ransomware.
Mais um exemplo para reflexão... Considerando a robótica e a inteligência artificial (com todos os avanços que estão para surgir), o programador que construir as primeiras linhas de código vai ter responsabilidade sobre um software que venha a roubar postos de trabalho? Mais do que isso, seria toda a "responsabilidade" podendo ser considerada culpa?
Voltando ao micro
Santos Dumont criou o avião, mas não o avião de guerra. Logo, ele pode ter influência em toda a história da humanidade, mas não pelos bombardeios que foram realizados pelos ares — apesar de haver fortes indícios de que ele teria posto fim à própria vida por se sentir culpado por isso. Essa responsabilidade é dos países que declararam guerras e autorizaram os disparos — ainda mais quando há civis entre as vítimas.
Mark Zuckerberg criou o Facebook, porém não postou nada por nós. Logo, certamente ele sempre terá influência na história das redes sociais, mas não poderá ser responsabilizado por informações disseminadas no serviço. Essas são cargas que as pessoas que fazem os posts — ou os manifestos, outdoors, jornais, sites e outros — devem carregar.
Toda influência é uma influência
Você pode não ser um "influenciador digital" com mais de 100 mil seguidores nas redes sociais. Pode também estar longe de ser um youtuber conhecido por todos os fãs de determinado assunto, mas isso não significa que as informações que você compartilha são perdidas no espaço das ideias.
A tecnologia evoluiu e deixou que o poder fosse descentralizado, ainda que com graus diferentes para cada detentor
Toda influência é uma influência e, muitas vezes, uma informação simples trocada vias redes sociais pode ganhar força ao ser compartilhada. De você para seu irmão, do seu irmão para os amigos da escola, da escola para o mundo... (Um exemplo palpável, não?). Quem é que nunca ouviu falar sobre suicídios ou homicídios em massa que começaram por bullying ou cyberbullying?
A tecnologia evoluiu e deixou que o poder fosse descentralizado, ainda que com graus diferentes para cada detentor. Com isso, é claro que a responsabilidade também está sendo descentralizada. Não temos aviões nem mísseis nas mãos, mas temos informações e um grande poder de distribuição delas. É preciso pensar bem no que fazer com isso! Afinal de contas... De quem é a responsabilidade de uma informação?
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