O TecMundo reportou no início deste mês que canais transmitindo ao vivo desenhos animados de forma pirata, ilegal, estavam conseguindo lucrar sem “levar strike” do YouTube enquanto criadores de conteúdo original têm seus vídeos tirados do ar por questões de segundos de músicas protegidas por direitos autorais. Na ocasião, o YouTube nos explicou que os produtores precisam entrar em contato com a plataforma e pedir acesso ao Content ID. Com isso, a busca por conteúdo ilegal se torna automática.
Para isso, os detentores de direitos enviam cópias de referência de seus materiais para o YouTube, e, sempre que a plataforma flagrar algum vídeo com imagens ou sons protegidos, a publicação sai do ar ou tem a sua monetização revertida. Pelo que nos disse o YouTube anteriormente, o processo de acesso ao Content ID por parte dos criadores deveria ser simples para todo mundo que possui direitos autorais de qualquer audiovisual. Só que, Maurício Ricardo, o cartunista criador do Charges.com.br e uma das personalidades mais conhecidas do país nesse segmento, teve acesso negado ao Content ID.
Maurício Ricardo produz vídeos para a internet há cerca de 18 anos e tem mais de mil postagens em seu canal no YouTube. Ele afirma que, recentemente, precisou aderir à plataforma porque a pirataria de seus vídeos no YouTube tomou tal dimensão que a audiência em seu site caiu sensivelmente. Confira o vídeo em que ele explica a situação.
O curioso, entretanto, é que o suporte do YouTube, contatado por Maurício Ricardo depois de ter acesso negado ao Content ID, afirmou que não pode revelar o porquê de o criador não poder rastrear vídeos piratas na plataforma automaticamente com o recurso. Ricardo chegou a mostrar como é burocrático e demorado o processo para denunciar vídeos ilegais individualmente. Leva tempo por conta dimensão da tarefa que é rastrear suas charges piratas na plataforma.
“Se uma pessoa sobe uma charge sem palavras-chave fáceis de buscar, como eu vou descobrir? Hoje, pelo próprio algoritmo do YouTube, não deve ser muito. Mas perdi um bom dinheiro ao longo dos últimos dez anos. Já houve casos em que deram strike em um trabalho meu, e a cópia pirata, postada nos EUA, ficou no ar gerando anúncios!”, desabafou Maurício.
Não conseguir falar com um ser humano lá dentro é humilhante
O criador afirma que vem tentado combater a pirataria de seu conteúdo no YouTube há cerca de dez anos e, desde março, vem lutando para conseguir acesso ao Content ID e ter esse trabalho feito de forma automática. A resposta negativa do YouTube ao chargista não deu qualquer explicação e, por isso, Maurício não sabe o que fazer ou que mudar para conseguir o recurso antipirataria. “Não conseguir falar com um ser humano lá dentro é humilhante”, comenta.
O que diz o YouTube
Novamente o TecMundo entrou em contato com a assessoria do YouTube para obter uma explicação para o caso. Afinal, as respostas que nos haviam dado há algumas semanas simplesmente não condiziam com o caso de Maurício Ricardo.
Os candidatos precisam deter direitos exclusivos sobre uma parcela considerável do material original pirateado com frequência
Hoje (17), o YouTube confirmou que existem algumas exigências extras para que um criador de conteúdo tenha acesso ao Content ID. Em outras palavras, apenas ter propriedade dos direitos autorais de algum material não é o suficiente. “Para serem aprovados, os candidatos precisam deter direitos exclusivos sobre uma parcela considerável do material original enviado [pirateado] com frequência pela comunidade de usuários do YouTube”, disse a plataforma oficialmente. “A aceitação de Content ID está baseada em uma avaliação da necessidade real de cada candidato em relação às ferramentas”, completou.
Isso quer dizer que o YouTube não considera a pirataria de conteúdo do chargista Maurício Ricardo grande o suficiente para que ele tenha acesso à sua ferramenta automática de prevenção de cópias ilegais. Só que, em uma busca simples pelo nome do produtor na plataforma, é possível ver que são quase 11 mil resultados retornados no total, mesmo que seu canal tenha apenas pouco mais de 1,1 mil vídeos publicados.
Como a plataforma de vídeos tem outros mecanismos para denunciar vídeos pirata, ela se reserva o direito de rejeitar o Content ID para alguns casos. “Os candidatos ao Content ID podem ser rejeitados se outras ferramentas estiverem mais adequadas às suas necessidades. As outras ferramentas incluem o formulário da web de notificação de direitos autorais e o Programa de Verificação de Conteúdo”, diz a assessoria do YouTube.
A questão é que esse formulário da web só permite fazer a denúncia de um único vídeo por vez e requer o preenchimento de muitas informações sobre o clipe pirata e também sobre o proprietário dos direitos. O Programa de Verificação de Conteúdo, que permite enviar várias solicitações por vez, também foi rejeitado a Maurício Ricardo.
Suporte ao criador
O chargista disse ao TecMundo estar completamente insatisfeito com o suporte do YouTube, que parece "feito de robôs e não de seres humanos", já que nenhuma resolução é alcançada, e as mesmas respostas lhe são enviadas sempre que questiona algum problema. “Me lembra aqueles serviços de telemarketing onde colocam gente com salário baixo e pouquíssimo grau de resolutividade para repassar respostas prontas”, comentou.
Por enquanto, o criador não pretende levar o caso à justiça, acusando o YouTube de endossar pirataria em sua plataforma. “Para ser franco, temo inclusive perseguição dentro da plataforma. Não estou fazendo acusações, mas como confiar numa empresa que não fala com você?”, questiona.
Sempre haverá dois ou três gigantes, e os produtores de conteúdo precisarão estar em suas timelines
Há 18 anos produzindo conteúdo para a web, Maurício Ricardo não se diz otimista. Ele não consegue enxergar uma saída para o problema da pirataria no YouTube. O outro grande distribuidor de vídeos na internet, segundo o criador, é ainda pior que a plataforma da Google com relação a infração de propriedade intelectual.
“O Facebook, há alguns anos, atraiu os produtores de conteúdo para lá com a promessa de levar nossos trabalhos aos fãs. À medida em que cresceu, e que vários sites se tornaram dependentes do fluxo de audiência gerado por ele, o Facebook mudou as regras. […] Sempre haverá dois ou três gigantes, e os produtores de conteúdo precisarão estar em suas timelines”, diz.
Transferir para a vítima a responsabilidade de denunciar o criminoso é um absurdo
Depois de vários contatos frustrados com o YouTube, Maurício Ricardo não acredita mais no discurso da plataforma. Para ele, a Google não se importa com a pirataria de conteúdo no Brasil e cria barreiras para denunciar obras ilegítimas. “Transferir para a vítima a responsabilidade de denunciar o criminoso é um absurdo. Eles abrigam os vídeos roubados. Eles os monetizam. Lucram sobre essa atividade criminosa. Diante da legislação brasileira, é um absurdo completo”, finalizou.
Ao passo que isso se passa com Maurício Ricardo, diversos outros youtuber brasileiros, tais como Felipe Neto, reclamam publicamente por não conseguirem resolver problemas com o suporte da plataforma. Os casos de desmonetização automática são cada vez mais reportados e, mesmo assim, a plataforma diz a veículos estrangeiros que não existe nenhum aumento específicos nesses casos.