AmpliarFotografia feita com câmera analógica panorâmica (Fonte da imagem: Acervo Pessoal/Caroline Hecke)
Quem está mergulhado no universo digital pode nem imaginar, mas existe um mundo inteiro que ainda vive de forma analógica. E não estamos falando da falta de acesso à tecnologia, mas sim de um hobby que leva centenas de pessoas às ruas equipadas de câmeras analógicas.
Ao contrário do que você possa pensar, isso também não é uma atividade dos saudosistas que não se adaptaram aos moldes atuais da fotografia, mas as imagens captadas em filmes fazem com que jovens que pouco tiveram contato com as câmeras analógicas na infância queiram retomar a diversão das fotografias que levam um bom tempo para serem reveladas.
(Fonte da imagem: Acervo Pessoal/Caroline Hecke)
A redatora que vos escreve é um ótimo exemplo disso: quando era criança, eu já tinha em casa câmeras digitais (ok, daquelas enormes, que usavam disquetes para armazenamento – alguém aqui ainda lembra o que é um disquete?). Hoje, embora não deixe de lado a fotografia digital, minha coleção está chegando às 15 câmeras analógicas, todas em pleno funcionamento. Minhas listas de desejos se dividem entre equipamentos eletrônicos e filmes fotográficos.
Mas o que faz toda uma geração voltar no tempo e escolher fazer imagens com uma tecnologia considerada ultrapassada? Para descobrirmos isso, é preciso primeiro entender alguns pontos da fotografia analógica.
Fotografando com filme
Quem acompanha o Tecmundo já sabe como funciona uma câmera, já conhece a estrutura de uma lente, entende o que é a medida ISO e, com isso, fica mais simples entender como é a fotografia com filme. Basicamente, existem duas formas de clicar de forma analógica: você pode usar equipamentos top de linha para obter resultados profissionais, com imagens nítidas e claras, ou partir para projetos mais experimentais, algo como um “Instagram da vida real”.
Fotografia feita com uma Toy Camera: são quatro lentes prontas para capturar quatro imagens em sequência (Fonte da imagem: Acervo Pessoal/Caroline Hecke)
Essa segunda opção geralmente fica por conta da lomografia, com as chamadas “Toy Cameras”. Elas consistem em aparelhos mais simples e de baixo custo, geralmente com corpo e lente feitos de plástico, sem muitas opções de controle. Os efeitos também podem ser obtidos com câmeras antigas sem opções avançadas, filmes vencidos e uma série de ideias não tão comuns que surgem nos fóruns de discussão, tudo para deixar o resultado ainda mais retrô.
Se você nunca usou uma câmera analógica, vale a explicação: o filme colocado no equipamento recebe a luz que passa pela lente, que forma as imagens. Depois de fotografar todas as poses (24 ou 36, dependendo do filme), o fotógrafo leva o filme para laboratórios ou faz o processo de revelação em casa e, só depois disso, ele passa a visualizar o resultado. Nada aqui é instantâneo: você pode levar meses para terminar um filme e conferir o resultado.
Nostalgia ou técnica?
O que leva alguns fotógrafos a escolherem o filme é a qualidade proporcionada pelo formato tradicional. Ao contrário do que muita gente pensa, a principal vantagem na fotografia digital ainda é a instantaneidade, já que poucas câmeras digitais conseguem reproduzir imagens em tamanho semelhante ao das câmeras analógicas.
Ampliar (Fonte da imagem: Reprodução/Flickr Yoshio Moriyama)
Para o arquiteto Yoshio Moriyama, existem muitos fatores que influenciam a escolha: “A forma como cada filme capta e expressa a luz, a diferença nos tamanhos dos grãos e nos tons especiais de cada filme, além da questão do custo. Comprar uma SLR clássica, 10 filmes e revelação para tudo isso sai muito mais barato do que comprar uma DSLR que tenha resolução próxima aos 35 mm.”
Outro fator que atrai Moriyama é a desvalorização de equipamentos profissionais analógicos com a alta concorrência do mercado digital. “Com a chegada do formato digital, o preço dos equipamentos analógicos caiu bastante, o que garante acesso a muitas ferramentas que antigamente eram consideradas ‘coisa de profissional’”.
Algumas câmeras analógicas comprovam que o formato "quadradinho" não nasceu no Instagram. (Fonte da imagem: Reprodução/Flickr Ricardo Lima )
Já o arquiteto Ricardo Lima acredita no potencial da fotografia analógica de uma forma mais técnica. Para ele, a escolha está longe de ser algo puramente saudosista. “Fotografo em filme porque ainda tenho melhores resultados do que no digital. Consigo usar filtros coloridos em filme PB e fazer longas exposições com mais de uma hora sem ter medo de o sensor queimar ou o calor da máquina adicionar ruído no resultado final.”
Para ele, o processo de construção da imagem reflete diretamente na qualidade do resultado. “Muita gente se vangloria de fotografar em ISOs altíssimos com as digitais. Eu já prefiro filmes com ISO 50 ou 20 para fotografias noturnas.”
O artista plástico e programador paulista Sergio Marreiro diz se sentir atraído pelas etapas do processo analógico. “Quanto mais eu conseguir participar na formação da imagem, melhor. No digital, eu não conseguia isso. A câmera decide tudo, ou algum programador japonês decide por você; na edição você não entra em contato com nada no mundo físico, não decide praticamente nada.”
Fotografia em dupla exposição: uma das "brincadeiras" mais comuns nas imagens analógicas. (Fonte da imagem: Acervo Pessoal/Caroline Hecke)
Além disso, para ele, os processos manuais também são mais interessantes do que os digitais. “No analógico, você pega o filme na mão, amplia no ampliador, mistura os químicos, revela, estraga a bobina, compra filme vencido, modifica a câmera. É muito mais divertido”.
Ao mesmo tempo, o próprio processo de fotografar se torna mais lento, mais cuidadoso e mais “caprichado”. A bibliotecária e estudante de fotografia Ana Lu Sanches divide sua opinião com a estudante de artes visuais Dayany Matos. Ambas acreditam que todo o processo de criação da imagem é mais interessante e completo no mundo analógico.
“É o parar diante da cena que gostei e pensar no que vou clicar, pois não vou querer queimar 15 poses da mesma coisa, além daquele tempo de gastar o filme, revelar e rever a cena que fotografei depois de um tempo”, diz Sanches.
“Acho que é uma forma autêntica de obter diferentes resultados de cores. Tem o prazer de imaginar como as fotos vão ficar e perceber que o resultado pode ter sido melhor do que com toda a tecnologia de digitais e programas de edição”, complementa Matos.
A estudante de engenharia Jana Lahos mora em Jacareí e prefere fazer até a revelação em sua própria casa. “Faço pelo prazer de fotografar e revelar. Não tem a mesma graça quando eu levo em uma loja”. Para ela, isso faz parte do processo da fotografia analógica “Existe a expectativa na revelação e na ampliação. É triste quando algo dá errado e você perde um frame ou até o filme todo, mas a satisfação de ver o resultado quando dá certo supera a decepção”
Na contramão do mercado
Embora a cada dia mais entusiastas embarquem na fotografia analógica, o mercado não anda tão otimista assim. Ao mesmo tempo em que mais câmeras e acessórios analógicos são lançados por empresas independentes, as grandes fabricantes como Fuji e Kodak se rendem e deixam de fabricar filmes ou enfrentam crises financeiras jamais vistas.
Pendrive em formato de rolo de filme brinca com a evolução da tecnologia fotográfica. (Fonte da imagem: Reprodução/CoolGadgets)
A pergunta do momento é: será que as grandes empresas vão deixar tantos apaixonados sem opções? Embora alguns fabricantes independentes ainda apareçam no mercado, existe uma demanda grande a ser suprida, embora ela já não seja tão expressiva quanto antigamente. Até quando o mercado de fotografia analógica vai sobreviver? Ao que parece, se depender de uma boa parte dos fotógrafos, profissionais ou amadores, o filme fotográfico ainda tem seu espaço garantido por muitos anos.
Por onde começar?
Se você se interessa pela fotografia analógica, pode começar garimpando câmeras antigas com amigos (muita gente não dá bola para câmeras antigas, que podem ser de grande utilidade para quem está começando) ou pode procurar equipamentos mais simples em lojas ou sites de produtos usados.
Para quem prefere entrar de cabeça nas Toy Cameras, os modelos da Lomography são os mais indicados. A marca conta com dezenas de modelos com preços que variam entre R$ 169 e R$ 1.400. A escolha dos filmes também é importante, mas ela vai variar conforme o modelo de câmera escolhido e o tipo de cena a ser fotografado.
(Fonte da imagem: Reprodução/Lomography)
Quem mora no Rio de Janeiro ou em São Paulo tem uma opção ainda melhor. As cidades contam com lojas físicas da Lomography que organizam semanalmente o “Rolé Lomográfico”. Funciona assim: você vai até a loja, escolhe uma câmera e recebe todas as instruções para começar a fotografar. A brincadeira custa R$ 20 e inclui o empréstimo da câmera por 2h e um rolo de filme.
Ao final, é possível deixar o rolo para revelar ali mesmo, na loja da Lomography (a revelação não faz parte do pacote). Além disso, a marca organiza com frequência diversos workshops sobre técnicas específicas para quem está começando e quer mandar bem nos cliques logo de cara.
O que vale lembrar é que na fotografia analógica não existe certo ou errado. As experimentações vão de modificações nos próprios equipamentos e duplas exposições de filmes até processos mais complexos, como a ideia de se assar um filme (não, você não leu errado: assar um filme, literalmente, no forno!).
Se você já é adepto da fotografia analógica, deixe seu comentário e se sinta à vontade para falar sobre seus processos e experimentos favoritos. Caso você esteja pensando em começar, compartilhe os resultados com a gente!
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