A história do Symbian começa com uma empresa britânica chamada Psion, fundada em 1980 pelo empresário David Potter, que fazia jogos e softwares para a marca inglesa Sinclair, dona de computadores como o ZX Spectrum. Com o passar dos anos, a empresa começou a fabricar dispositivos próprios, como agendas eletrônicas e assistentes pessoais digitais, ou PDAs.
Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.
Assine já o The BRIEF, a newsletter diária que te deixa por dentro de tudo
Computadores de mão
Em um período em que smartphones estavam longe de existir, desktops não eram portáteis e celulares eram só tijolões com uma telinha de uma linha só para exibir os números, os PDAs eram um fenômeno.
Chamados também de computadores de mão, eles misturavam agenda de contatos, bloco de notas, funções básicas de acesso à internet e muitos outros recursos que se popularizaram tanto no ambiente corporativo quanto entre consumidores mais tradicionais.
Além disso, o teclado, apesar de ter botões pequenos, era mais completo do que o de celular. Inclusive, a Apple tentou pegar esse mercado com o Newton, do começo dos anos 1990, mas ele não convenceu e era caro demais. No entanto, marcas como a Palm fizeram o nome nessa indústria por muitos anos, assim como a própria Psion.
Família Symbian (Imagem: PC World)Fonte:
A origem do EPOC
O trunfo da Psion foi lançar um sistema operacional para os próprios PDAs, uma plataforma chamada EPOC, em 1989. Anos depois, ele evoluiu para uma versão 32 bits, o EPOC32, e então ela começou a se destacar de verdade.
Ao todo, foram 5 versões do EPOC32, sendo que alguns dos aparelhos eram da própria marca, como a Série 5mx. Mas a ideia da Psion era migrar aos poucos de PDAs para celulares, já que eles estavam mudando, ganhando telas maiores e mais recursos. Só que, para isso, ela não poderia continuar regional.
De Psion para Symbian
Em junho de 1998, a Psion mudou de nome e virou Symbian. Ela não era mais de única dona, mas sim uma joint venture com pedaços adquiridos por grandes fabricantes de celulares, como Nokia, Siemens, Ericsson e Motorola.
Com essa mudança, o EPOC também foi rebatizado e virou Symbian OS, uma plataforma principalmente em C++. Um dos destaques desse período foi o Ericsson R380, de 2000, considerado um dos primeiros modelos em cujas peças de marketing o termo “smartphone” foi usado.
O primeiro celular dessa fase cooperativa do Symbian 6.0 é o Nokia 9210 Communicator, lançado em novembro de 2000, um smartphone com flip na horizontal e um estilo ainda parecido com os PDAs.
Nokia 920 Communicator (Imagem: Infotecline)
Caminhos diferentes, interfaces diferentes...
Parecia que o Symbian tinha tudo para dar certo, e os números durante mais de uma década comprovam que, por um tempo, ele deu. Mas logo nesse começo surgiu também uma bandeira vermelha que se provaria importante no fim: a fragmentação.
A partir de 2001, os grupos de fabricantes de celular adotaram o que elas chamaram de “plataformas”, que eram versões próprias baseadas no Symbian. O problema é que essa não era apenas uma skin com alguns extras, tais como a MIUI da Xiaomi, a One UI da Samsung e o Android praticamente puro de alguns dispositivos. Elas eram bem diferentes entre si, tinham os próprios kits de desenvolvimento e, por isso, aplicativos feitos para um nem sempre rodavam no outro. Ou seja, além da diferença de versão do Symbian, também tinha a diferença na interface.
A Nokia era uma das marcas que mais apostava no produto. Ainda no começo da década, ela estreou a interface Série 80, ou Crystal, que durou até 2006 e rodava em aparelhos mais para uso corporativo da linha Communicator.
Já em novembro de 2001, ela apresentou a Série 60, que depois virou só S60 e seria bem importante para o futuro do Symbian, já que foi uma das mais licenciadas para outras fabricantes. A Nokia também chegou a lançar em 2003 uma Série 90 para o curioso aparelho Nokia 7710, mas ele logo acabou.
Nokia 7710 (Imagem: Mobile Review)Fonte:
A segunda interface mais famosa era a UIQ, sigla para User Interface Quartz, e a plataforma surgiu por volta de 2001, criada por uma desenvolvedora da Suécia. Ela foi a versão produzida pela Sony Ericsson e Motorola, além de dois modelos da Benq.
Ao longo dos anos, as duas primeiras empresas compraram fatias da desenvolvedora e um dos primeiros modelos com UIQ foi o Sony Ericsson P800, de 2002. Nesse mesmo ano, começaram as vendas do Nokia 7650, um modelo que ajudou muito a popularizar o Symbian. E não era só porque ele era bom: o celular apareceu em filmes como Minority Report e Tomb Raider: A Origem da Vida.
Sony Ericsson P800 (Imagem: Mobility Arena)Fonte:
A falta de segurança
A chegada do Symbian 7.0 em 2003 não foi tão boa quanto o esperado. Isso porque ele foi alvo de um vírus grave que era passado via Bluetooth, e isso fez o consórcio correr para desenvolver a próxima versão. A falta de segurança, aliás, foi um problema que o Symbian teve de lidar durante toda a sua existência.
No entanto, quando olhamos para a versão 8.0, encontramos uma atualização mais segura e com suporte a tecnologias como 3G, OpenGL e CDMA. Ela ainda teve uma atualização 8.1 que ficou mais famosa pelo aparelho de estreia: o elogiado Nokia N90.
Nokia N90 (Imagem: ArtStation)Fonte:
A chegada do Symbian 9.1 em 2005 foi bem expressiva e trouxe uma versão com melhorias e correções de bugs. Mas o marco mesmo foi a chegada do plano Symbian Signed, uma espécie de voto de confiança do consórcio para acelerar a aprovação de aplicativos feitos por desenvolvedores de fora. Ainda não era a situação ideal, mas era o melhor cenário até então.
Quando olhamos para 2007, encontramos um aparelho do Symbian e da sua principal fabricante: o Nokia N95, um dos maiores sucessos da empresa. E, nesse período, o Symbian era rei: tinha uma fatia de 65% do mercado de telefonia móvel, com smartphones e features phones, aqueles mais simples. A Nokia ser considerada a rainha em hardware da época ajudava muito nisso.
Nokia N95 (Reprodução/Pinterest)
Sob nova direção
Mas em dezembro de 2008, a ideia foi repaginada. A Nokia comprou as ações de outras marcas criando a Symbian Foundation. O sistema virou uma plataforma aberta, tipo o que o Android seria logo depois, mas demorou 2 anos até que a fundação fosse estabelecida e os dispositivos saíssem com essa nova versão, o que era tempo demais em um mercado tão intenso.
De qualquer forma, isso reduziu a fragmentação de interfaces e o S60 virou o padrão do Symbian, tanto que a UIQ declarou falência 1 ano depois. Com a novidade, em outubro de 2008 vem uma nova versão, a primeira aberta.
Essa versão era o Symbian^1, que era “elevado à primeira potência”, mas as pessoas só o chamavam de Symbian 1 mesmo. Na verdade, esse é o Symbian 9.4 com a quinta geração da interface S60 da Nokia, mas agora com ela bancando a versão do sistema sozinha mesmo.
A partir de 2010, a fragmentação continuou especialmente no Japão com a interface MOAP(S), que era licenciada pela operadora local NTT DOCOMO, e tinha dispositivos de fabricantes como Fujitsu e Sharp. Essa era a versão Symbian^2, que não foi usada no ocidente.
Nokia N8 (Divulgação/Nokia)Fonte:
Já em abril de 2010, houve nova atualização de grande porte: o Symbian^3, que era o Symbian OS 9.5. O aparelho de estreia foi o Nokia N8, e dá para perceber que, cada vez mais, o Symbian estava virando mais um produto “da Nokia para a Nokia” mais do que qualquer outra coisa. Tanto que em outubro de 2010 a Samsung e a Sony Ericsson anunciaram que não iriam mais lançar aparelhos com o sistema.
O fim do reinado
O Symbian foi o sistema mais vendido do mundo no setor de smartphones até o fim de 2010, inclusive no Brasil. Aliás, por aqui ele demorou ainda mais para perder o posto, já que o país demorava mais para receber celulares modernos e os modelos de menor preço sempre foram mais vendidos. Ele ainda tinha 32,3% da fatia do nosso mercado 2 anos depois.
Em novembro de 2010, houve outra mudança que indicava o fim: o modelo aberto simplesmente foi descontinuado e a Nokia voltou a abraçar totalmente o Symbian como algo proprietário, mais uma vez só via licenciamento. Até que o ano virou e o fim chegou.
Em fevereiro de 2011, o recém-empossado CEO da Nokia, Stephen Elop, anunciou que o Symbian não era mais a plataforma primária de celulares da marca. Ela agora seria uma aliada da Microsoft no Windows Phone, e essa história você já sabe que vai terminar com a divisão da Nokia, sendo adquirida pela gigante, e depois separada novamente.
No começo de 2011, foi apresentado ao mundo o Nokia N9, um ótimo aparelho com o sistema operacional MeeGo. Essa era uma plataforma mobile baseada em Linux, e isso já era um sinal de que o Symbian seria jogado para escanteio. Só que, no fim das contas, o próprio MeeGo acabou descontinuado também mais ou menos no mesmo período.
Nokia N9 (Divulgação/Nokia)
Foi então que em abril de 2011 a Nokia demitiu parte da equipe e passou a terceirizar o desenvolvimento do Symbian para a Accenture. A Foundation nesse período deixou de existir e ele virou uma plataforma disponível a poucos modelos e parceiros que tinham contrato.
Esse foi o grande sinal para os desenvolvedores abandonarem o barco e, com menos apps disponíveis e gente disposta a criar, o mercado caiu ainda mais. Mais ou menos no mesmo período, saiu o Symbian Anna, uma nova versão do sistema com várias novidades de interface preparadas para smartphones cada vez maiores.
Nesse mesmo ano, saiu a última versão oficial: Symbian Belle, ou Nokia Belle, que no nome antigo seria o Symbian 10.1. Ele tinha poucas alterações visuais, mas ganhou novidades bem-vindas como uma barra de notificações e NFC.
A última aposta
O último aparelho do mercado com Symbian de fábrica foi o Nokia 808 PureView, um modelo apresentado na Mobile World Congress (MWC) de 2012 e que tinha como destaque a imensa câmera traseira de 41 megapixels, algo impressionante para a época.
O dia 12 de junho de 2013 marca o anúncio de que a Nokia encerraria de vez a comercialização de telefones Symbian e de que, a partir de 1º de janeiro de 2014, todo o suporte de manutenção e desenvolvimento de software também acabaria.
Mas se o Symbian era tão elogiado e tão usado, como ele deu errado e sumiu tão rapidamente? O principal motivo é que ele se acomodou e então foi considerado datado. Era um sistema velho, baseado na utilização dos assistentes pessoais, que confiava mais em conexão com outros dispositivos e no uso do navegador do que em novos apps e funções.
Além disso, era relativamente difícil desenvolver novos aplicativos para o sistema, o que afastava muita gente e impedia que apps em crescimento tivessem uma versão para ele, mais ou menos como foi também para o Windows Phone.
O ecossistema dele também era extremamente fragmentado, com um alto número de dispositivos rodando versões e interfaces diferentes e nem todas compatíveis com os mesmos recursos. É algo que acontece ainda hoje com o Android, mas em uma escala menor e com consequências menos trágicas. Para se ter uma ideia, por muitos anos não existiu nem uma loja de aplicativos unificada para o Symbian.
A concorrência pesada foi outro fator. O primeiro iPhone estreou em 2007 e já conquistou o público com algo que o Symbian não tinha ainda: tela sensível ao toque e nada de teclado físico, a famosa touch screen.
iPhone (Divulgação/Apple)
Já em 2008, surgiu o sistema operacional móvel Android, e a Google com a sua plataforma aberta conseguiu capturar várias das fabricantes que antes eram parceiras e pagavam para licenciar o Symbian. E foi aí que o Android virou o que virou.
Após ter reinado quase sozinho por um bom tempo, o Symbian não conseguiu resistir a essa mudança no mercado. Mas uma coisa é certa: ele deixou um legado, sendo um dos primeiros multitarefas e dividindo opiniões.
E aí, você é do time daqueles que sentem saudades do Symbian? Conte para a gente nos comentários!
Fontes
Categorias