Somos um conjunto de experiências vividas e vivenciadas desde o momento da nossa concepção. Nosso cérebro tem a capacidade de armazenar cada um desses fatos e produzir uma espécie de enredo pré-programado. Isso faz com que, de algum modo, consigamos prever o futuro.
E quando citamos previsão, não estamos entrando na seara do misticismo das realizações para anos posteriores ou sobre prever os números da mega-sena, mas sim, sobre a mais simples definição de previsão, que está na capacidade de 'calcular' as ações nos segundos seguintes.
Então vamos ver quais truques nosso cérebro é capaz de realizar ao prever nosso futuro, ainda que seja limitado a alguns segundos e minutos no espaço de tempo e que não funciona para todos.
A neurociência da previsão do futuro
Para algumas correntes de estudos da neurociência, apenas podemos prever ou antecipar algumas ações baseadas no que planejamos, detalhando as possibilidades dos eventos, ou ainda, prevendo o que irá acontecer através do estímulo visual.
Nessa última, ao reconhecermos um cenário visualmente, como crianças jogando bola, por exemplo, o cérebro seria capaz de antecipar a bola vindo em sua direção. Mas apenas seríamos capazes de reconhecer esse evento, quando nossos olhos reconhecessem a trajetória da bola.
Contudo, a visão pode não estar tão intimamente relacionada a essa previsão, segundo estudo publicado na edição de dezembro da revista Neuroscience & Biobehavioral Reviews.
Ainda que sejam milissegundos, nosso cérebro leva um tempo para processar a imagem e conseguir emitir o sinal para a ação. Sendo assim, estaríamos agindo no passado, ainda que a ação tenha sido realizada no presente.
Mas segundo a equipe formada por pesquisadores do Instituto Holandês de Neurociências e da Universidade de Viena, nosso cérebro sempre está prevendo e antecipando as ações, antes que elas tenham sido de fato processadas no campo visual. Nesse caso, ver a ação seria apenas a concretização do que nosso cérebro já havia antecipado.
Calma, seu cérebro não é uma bola de cristal, mas sim um aglomerado de conhecido guardado que te ajuda a prever o que irá acontecer baseado em experiências passadas.
Mas essa capacidade de adiantar os próximos passos, ainda que eles não estejam no seu campo visual, não é fruto de mágica, mas sim de todo conhecimento que você acumulou durante a vida.
Por exemplo, ao caminhar, você não olha cada centímetro que será galgado, seu cérebro presume que o trajeto é reto e sem desníveis. Mas quem nunca "perdeu" o passo quando do nada havia um buraco?
Nesse caso, por exemplo, antes que olhemos para o que nos fez desequilibrar, nosso corpo já ativou um reflexo de equilíbrio para podermos evitar a queda. No meu caso, raramente funciona, e aí entramos em outro ponto do estudo.
Neurodivergências e a imprevisibilidade
Para os pesquisadores, pessoas com cérebros neurodivergentes tem maior dificuldade em 'prever o futuro', pois a capacidade de generalização e como elas armazenam e interpretam as informações oriundas do ambiente interferem no processo.
Em específico, a equipe cita o funcionamento e ativação de um grupo de neurônios denominados de neurônios-espelho. Esse agrupamento é capaz de informar ao nosso cérebro o que pode acontecer conosco, baseado na experiência de terceiros, além de nos conferir a capacidade de identificar, até certo ponto, emoções nas outras pessoas.
No mesmo exemplo do buraco na calçada, se você está caminhando atrás de quem tropeçou, ainda que você não identifique visualmente o motivo pelo qual ela teve o descompasso, seu cérebro se prepara para te livrar do perigo.
Já em pessoas com neurodivergência, esse déficit perceptual ocasiona na não previsão, ou ainda, no não reconhecimento do risco, mesmo que alguém tropece inúmeras vezes na frente dela.
Mas essa dificuldade de ativação motora preditiva e protetiva também pode ocorrer em áreas do cérebro relacionadas ao reconhecimento de emoções. Assim, ainda que uma pessoa neurodivergente observe alguém sofrendo uma ação, boa ou ruim, seu cérebro não é capaz de reconhecer e ativar áreas de recompensa ou punição.
Nesse mundo onde nada é previsível ou automatizado, com nosso cérebro trabalhando em prol de desvendar o que pode acontecer em diferentes cenários, as pessoas com neurodivergências tem que processar cada passo meticulosamente, a fim de evitar riscos e principalmente lutar para conseguir decifrar emoções e sensações que para eles não são facilmente identificáveis.
É nesse trabalho extra do cérebro que nascem as sobrecargas sensoriais, pois como o cérebro precisa estar atento a tudo, não consegue 'cancelar' estímulos que normalmente pessoas típicas facilmente ignoram.
Ainda que o estudo traga apenas um dos recortes das relações entre a capacidade de prever e funcionar do cérebro em diferentes condições, e em específico para pessoas dentro do espectro autista, é de suma importância que mais pesquisas nesse campo sejam realizadas.
Até o momento, estamos engatinhando no estudo do cérebro e seus mecanismos funcionais, por isso, é importante verificar como as entradas sensoriais, seja visão, como neste estudo, tato, olfato e os outros cinco sentidos (eu não errei a conta, são oito sentidos mesmo) atuam no nosso sistema nervoso central e nos deixa prontos para prever e agir nos mais diversos cenários.
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