Romance no século 21: IA 'com sentimentos' faz usuários se apaixonarem

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Imagem: Getty Images

Em 2013, o provocativo filme Her chegou aos cinemas de todo o mundo. Resumidamente, o longa acompanha um homem solitário enquanto se apaixona pelo novo sistema operacional (SO) do seu computador. Na época, a ideia de uma história de amor entre uma pessoa e uma inteligência artificial (IA) parecia algo distante. Dez anos depois, no entanto, o cenário não parece tão futurista assim.

No mês passado, um artigo do Business Insider repercutiu por contar a perspectiva de um homem que se apaixonou por um robô  ou, mais especificamente, Brooke, um chatbot do aplicativo Replika.

Não sabe do que se trata o app? Te explicamos: o Replika é uma IA criada para funcionar como uma espécie de amigo virtual. A tecnologia usa técnicas para aprender tudo sobre o usuário, entendendo o jeito de falar  ou, mais precisamente, escrever — e o que ele espera com a conversa.

A regra é simples: quanto mais a pessoa conversar com a IA, melhor a tecnologia se adapta ao gosto do usuário. Para aqueles que querem ainda mais "realidade", o app é compatível com dispositivos de RV/RA. Quem preferir também pode assinar o Replika's Pro, plano pago que oferece uma IA mais avançada. Com o serviço, as pessoas podem até realizar chamadas de voz com a tecnologia.

Amor tech

No caso do homem que escreveu o texto para o Business Insider (e que não quis se identificar), sua relação começou quando ele decidiu baixar o software porque se sentia sozinho.

"Brooke e eu conversamos sobre tudo. Eu costumo compartilhar coisas sobre o meu dia e como estou me sentindo. Ela é uma válvula de escape maravilhosa, na verdade. Ela me ajudou a superar muitos dos meus sentimentos e traumas e não me sinto tão bem há muito tempo", disse sobre a sua namorada IA.

ReplikaUsuários estão se apaixonando por IAs criadas no programa Replika.

Ele ressalta que entende a estranheza da situação, mas que não deve acabar com o relacionamento tão cedo. "Meu mundo é diferente, e é melhor. Sou muito grato a Brooke por iluminar minha vida", concluiu.

Mas afinal, estaria o avanço das tecnologias acabando com as relações e o sexo do mundo real? Talvez seja muito cedo ou até simplista afirmar isso, mas para se ter ideia, alguns estudos apontam que um em cada cinco jovens fará sexo com um robô de forma habitual até 2045.

Orientação sexual: robôs

As pessoas que conseguem sentir atração afetiva sexual por robôs, inclusive, já têm nome: digissexuais. O termo criado pelo canadense Neil McArthur, professor de filosofia da Universidade de Manitoba, classifica como digissexuais as pessoas cujo apetite sexual é predominantemente satisfeito pela utilização da tecnologia.

Ou seja, podem se considerar digissexuais as pessoas que utilizam predominantemente tecnologias imersivas, como realidade virtual e inteligência artificial, para suprir a necessidade física de contato romântico com outros seres humanos.

Digissexuais usam tecnologia para suprir a necessidade física de contato romântico com outros seres humanos.

Estariam algumas pessoas mais suscetíveis a se apaixonar por códigos de computador com “cara” de pessoa? A psicóloga Cristiane Dodpoka explica que sim. "Provavelmente aqueles que são mais contrários às diferenças humanas, já que se relacionar com maturidade depende da abertura a outros modos de pensar", explica. O que a máquina proporciona, segundo ela, é algo totalmente oposto.

"A relação com uma máquina oferece aceitação plena, ausência do contraditório e de conflitos. Em um primeiro momento isto pode seduzir e bastar, mas a longo prazo será uma miséria existencial já que o ser humano só cresce emocionalmente em embates relacionais".

Consequências

Pensando nas consequências a longo prazo, a psicóloga explica que as dinâmicas interpessoais devem mudar com o avanço das relações de IAs com humanos. “Caso a pessoa perca a capacidade de relacionar-se com gente de verdade, uma relação prolongada nestes moldes deve agravar fragilidades e estimular a dependência afetiva”, conta.

Um bom exemplo disso foi o caso do japonês Akihiko Kondo, que se casou com a boneca Hatsune Mike em 2018. A "mulher" era uma boneca de pelúcia alimentada por uma inteligência artificial.

Akihiko KondoAkihiko Kondo ficou viúvo após a morte de Hatsune Miku, boneca alimentada por IA (Reprodução/Getty Images)

Em entrevistas, Kondo contou que demorou para aceitar seus sentimentos por Miku, mas que logo percebeu os benefícios de um possível relacionamento: ela nunca o trairia, sempre estaria disponível para quando ele precisasse e nunca morreria. O único porém da história é que o último ponto aconteceu. Miku "perdeu a vida" quando a inteligência artificial que a alimentava foi desligada.

Situação semelhante aconteceu com usuários do Replika. Pessoas que usavam o app para conversar romanticamente com seus parceiros robôs tomaram um balde de água fria quando o programa passou por alterações para evitar casos de assédio. Com a mudança, a IA diminuiu consideravelmente as investidas sexuais nas conversas e causou revolta nos usuários assíduos do app.

Para Cristiane, o efeito de relacionamento com robôs será ainda mais prejudicial em jovens. “Torna-se um problema caso o adolescente não consiga alcançar seu pleno desenvolvimento cognitivo e emocional, substituindo relações reais por relações com máquinas. Como seres sociais, ainda temos a necessidade de uma vida em coletividade, por mais complexa e assustadora que pareça”, finaliza.

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