*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Há 100 anos, o Universo que os seres humanos conheciam se resumia aos limites da nossa própria galáxia. Isso porque, mesmo que outras galáxias tenham sido observadas ao longo dos séculos, apenas em 1923 foi confirmado que, de fato, elas pertenciam a sistemas inteiramente diferentes e muito distantes da Via Láctea.
Nos anos seguintes, um novo ramo da astronomia se desenvolveu significativamente, em especial na década de 1950: a radioastronomia. Com esse novo poder de perscrutar o cosmos com as faixas de frequência das ondas de rádio, os astrônomos detectaram no espaço intergaláctico um grupo de objetos celestes com comportamentos anômalos e que possuíam propriedades curiosas, que desafiavam os paradigmas teóricos vigentes à época.
Radiotelescópios na AustráliaFonte: Graeme L. White & Glen Cozens
Esses objetos emitiam altíssimas quantidades de radiação em muitas frequências do espectro eletromagnético, mas, por conta de suas vastas distâncias de nós, nenhum deles podia ser localizado nas faixas da luz visível, a não ser em algumas raras exceções, onde se apresentavam como um objeto fraco e pontual, como uma estrela longínqua.
Essa característica visual, juntamente com a identificação dos elementos químicos que compunham tais objetos e as taxas de variação de suas luminosidades fizeram com que essas fontes celestes fossem descritas como objetos quase estelares (QSOs, da sigla em inglês para quasi-stellar object), um termo que designava bem sua natureza desconhecida, e que foi posteriormente abreviado para quasar.
Com o passar do tempo, os astrônomos começaram a descobrir uma série de propriedades interessantes sobre esses objetos: quase todos eles estavam localizados extremamente distantes da Via Láctea, excedendo em muito os limites do que podia ser observado com qualidade de resolução significativa; o brilho extremo nas faixas de rádio indicava que algo muito mais energético que qualquer coisas já vista no Universo estava acontecendo; e, finalmente, esses objetos pareciam ligeiramente diferentes de acordo com a posição em que estavam orientados em relação a nós.
Quasar mais distante já detectadoFonte: Stephen Kent (FNAL), SDSS Collaboration
Eventualmente, o potencial observacional dos telescópios se aprimorou o suficiente para que os astrônomos começassem a descobrir semelhanças entre quasares e algumas outras classes de objetos, como os núcleos galácticos ativos (AGNs, da sigla em inglês active galactic nuclei), os blazares e os magnetares.
De fato, de maneira genérica, o mesmo evento poderoso estava acontecendo em todos esses objetos: um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia estava, de alguma maneira, se alimentando de matéria (poeira e gás) e ejetando uma quantidade absurda de energia de volta para o espaço. Mas, por que e como isso ocorre? Como esses buracos negros supermassivos conseguem emitir tanta energia? Eles não são responsáveis por sugar tudo ao seu redor e não devolver nada de volta?
Como o núcleo galáctico ativo pode ser classificado de acordo com sua observaçãoFonte: M. Polletta, adapted from Urry & Padovani,
A verdade é que essa produção de energia não ocorre necessariamente no buraco negro, mas próximo a ele, nas cercanias do horizonte de eventos. De fato, orbitar um buraco negro não é diferente de orbitar qualquer outra fonte de gravidade.
Se o Sol, por exemplo, fosse substituído por um buraco negro de mesma massa, em termos orbitais, nenhuma diferença ocorreria com os planetas, cometas e asteroides do Sistema Solar. A razão pela qual os quasares emitem as enormes quantidades de energia é devido ao fato de que as massas incrivelmente grandes dos buracos negros centrais nas galáxias conseguem acelerar a matéria perto deles a velocidades altíssimas.
Em termos gerais, a matéria acumulada próxima do horizonte de eventos forma um disco de acreção ao redor do buraco negro onde é acelerada a velocidades tão grandes que emite radiação em muitas frequências diferentes do espectro eletromagnético, inclusive nas frequências de rádio. Nesse processo, é comum que dois "lóbulos" perpendiculares ao disco de acreção sejam formados, devido aos jatos dessa matéria acelerada que está sendo ejetada em velocidades relativísticas.
Lóbulos formados pelos jatos de um quasar.Fonte: Alan Bridle (NRAO Charlottesville) VLA, NRAO, NSF
De acordo com a posição relativa em que o núcleo da galáxia se encontra no espaço em relação a nós, os efeitos desse evento serão percebidos de forma ligeiramente diversa, o suficiente para criar uma classificação específica para cada modo de observação: por exemplo, as fontes que chamamos de blazares são orientadas com um dos lóbulos/jatos apontados diretamente para nós.
Os quasares, então, são tão energéticos porque os buracos negros no centro da galáxia que os hospedam fazem com que a matéria ao seu redor seja esticada, despedaçada e acelerada pela força irresistível da gravidade, aquecendo nesse processo e emitindo altas doses de radiação. Como a quantidade de matéria envolvida está na ordem de dezenas de milhões de massas solares, a energia liberada faz com que os quasares sejam um dos objetos celestes mais poderosos do Universo.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
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