Um grupo de pesquisa da China anunciou em 15 de abril na revista científica Cell que conseguiu desenvolver em laboratório embriões híbridos de macaco e humano. Durante o experimento, os embriões cresceram e se multiplicaram, sobrevivendo por até 19 dias em cultura. É a primeira vez que as células das duas espécies se comunicam com sucesso, gerando uma quimera (denominação para o ser criado a partir de dois animais). O estudo está dividindo a comunidade científica a respeito dos limites éticos envolvendo uma combinação de seres tão próximos na cadeia evolutiva e as possíveis consequências disso.
Entenda o experimento
Durante a pesquisa, foram fertilizados óvulos extraídos de macaco cinomolgo (Macaca fascicularis). Seis dias após a fertilização, 132 embriões receberam células-tronco pluripotentes humanas, capazes de se desenvolverem como uma infinidade de células dentro e fora dos embriões. As células híbridas cresceram e se dividiram, como é esperado no desenvolvimento embrionário, porém cada indivíduo resultou combinações únicas entre células de humano e de macaco.
Durante o estudo, os embriões se deterioraram em níveis variáveis: 11 dias após a fertilização, 91 estavam vivos; no 17º dia, 12 sobreviveram; e apenas 3 chegaram ao 19º dia após a fertilização.
Para que criar um “homem-macaco”?
Os pesquisadores envolvidos no experimento acreditam que alguns híbridos de humanos e animais possam ser boas cobaias para testes de drogas e usados para o crescimento de órgãos para transplante. Desde 2017, a equipe vem trabalhando com híbridos e já testou porcos com células humanas, vacas com células humanas e ratos com células de camundongo. Em 2019, o mesmo time de cientistas conseguiu manter um embrião de macaco crescendo em laboratório por 20 dias após a fertilização.
O time também tentou fazer um híbrido de rato e humano, mas até o momento não teve sucesso. Os envolvidos suspeitam que a dificuldade ocorre devido à distância de ambos na cadeia evolutiva, o que pode fazer que as células das duas espécies tenham mecanismos diferentes para se comunicar.
O último trabalho, no entanto, vem dividindo cientistas e biólogos: alguns questionam a necessidade dos experimentos usando primatas próximos a humanos, porque esses animais não costumam ser utilizados em pesquisas como modelos, já que o mais usual são ratos e camundongos. Há também o receio de que esse tipo de pesquisa possa chocar a opinião pública, uma vez que células nervosas humanas podem interferir na capacidade mental da quimera, embora no estágio embrionário não exista consciência.
Assunto delicado
Em entrevista à revista Nature, Juan Carlos Izpisua Belmonte, cientista envolvido na pesquisa, afirma que não há qualquer intenção de implantar o embrião híbrido em macacos; a ideia da pesquisa é somente observar o desenvolvimento do embrião in vitro e verificar como células de diferentes espécies interagem durante a fase inicial de crescimento.
Para a bióloga Magdalena Zernicka-Goetz, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (EUA), o estudo ainda tem muito a avançar, uma vez que as células-tronco humanas conseguem se incorporar quando são introduzidas no blastocisto do macaco, mas ainda não é possível controlar quais delas serão desenvolvidas nesses tecidos — um passo essencial antes que esses modelos possam ser usados.
Como o mundo vê as quimeras
Estados Unidos, Reino Unido e Japão já limitaram as pesquisas com quimeras envolvendo células humanas. O estudo mencionado neste texto foi financiado pelo governo chinês em parceria com uma universidade espanhola e uma fundação americana.
Em maio de 2021, a Sociedade Internacional para Pesquisas com Células-Tronco (ISSCR) deverá publicar novas regras para estudos com células-tronco que devem envolver as quimeras, pois há um comitê da instituição especificamente para discuti-las atualmente.
Fontes