É provável que você já tenha ouvido falar em “vício em internet”, um transtorno que poderia ser caracterizado pelo uso excessivo de aparelhos eletrônicos conectados à rede. Embora o nome deixe claro que se trata de um assunto sério e que merece atenção, o termo tem uma origem curiosa. Ele foi criado como parte de uma piada do psiquiatra Ivan Goldberg em 1995.
Ainda estávamos nos primórdios da internet e a maioria das pessoas provavelmente nem sonhava em ter aparelhos constantemente conectados à rede que poderiam ser facilmente transportados no bolso de uma calça. Foi nesse contexto que Goldberg mandou mensagens para várias listas de e-mails afirmando ter descoberto o tal “vício em internet”.
O problema se espalhou pelo mundo, foi debatido por outros especialistas na área e até mesmo clínicas começaram a surgir com promessas de tratamento para quem sentia que enfrentava esse transtorno. Mas o que ninguém fazia ideia é que a mensagem original de Goldberg foi escrita para ser uma paródia do sistema de classificação utilizado para categorizar os transtornos mentais.
Em uma entrevista para a revista Wired realizada um ano após a criação do termo, o psiquiatra comparou o suposto “vício em internet” a uma pessoa que é viciada em trabalho. “Eles estão trabalhando apenas para evitar os outros problemas em suas vidas”, disse Goldberg. John Grohol, outro especialista entrevistado na época, também segue essa linha de pensamento: “Não entendo como eles podem ver a internet como um transtorno, mas não olhar para alguém que lê 10 horas por dia e não dizer que essa pessoa é viciada em livros”.
E atualmente?
Mas é essencial lembrar que esses comentários foram feitos ainda durante os anos 1990. Nas últimas décadas, novas pesquisas realizadas na área retrataram uma situação bem mais complexa do que o visto na piada inicial de Goldberg. A questão fica ainda mais complicada quando consideramos que muitos precisam passar pelo menos 8 ou 9 horas diárias na internet por causa do trabalho.
O fato de a classificação original, que nunca chegou a ser aceita pelas associações de psiquiatria, falar em “internet” como a causa do vício também não simplifica as coisas. Fazer uma maratona na Netflix, por exemplo, seria um uso excessivo da internet ou da televisão? E mesmo que exista um padrão de uso descontrolado, ele pode mesmo ser chamado de vício, assim como fazemos com álcool e outras drogas?
Fazer uma maratona na Netflix, por exemplo, seria um uso excessivo da internet ou da televisão?
Mesmo classificado oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença, o “vício em videogames” ainda é questionado por vários pesquisadores por motivos semelhantes aos citados nos anos 1990, como o fato de se tratar de um termo muito genérico para ser abordado como uma doença específica.
Essa falta de um consenso na ciência é comum quando falamos de algo relativamente novo como a internet, sendo importante notar que existem profissionais da área que já há alguns anos falam sobre a importância de analisar o próprio comportamento e garantir que a tecnologia não afete sua vida social.
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