Esqueça o computador: a onda agora é hackear bactérias (Fonte da imagem: Reprodução/Wikipedia)
Quando começaram a surgir os primeiros computadores voltados para o consumidor final, nos Estados Unidos, houve também a criação de uma espécie de movimento em que entusiastas se encontravam para apresentar e discutir seus avanços na computação. Muitos hackers dessa época foram os responsáveis por nomes que moldam a história da informática até hoje, como é o caso da Microsoft e da Apple.
Hoje, algumas décadas depois, o ato de hackear — em seu sentido mais puro e curioso — está extrapolando os limites da informática e começa a invadir áreas científicas que, até então, estavam restritas a universidades e centros de pesquisas, principalmente pelo alto custo de seus métodos e equipamentos.
No momento, há pessoas espalhadas pelo mundo todo com foco em uma atividade, no mínimo, interessante: hackear organismos vivos. O chamado biohacking tem crescido e despertado o interesse de cada vez mais entusiastas, mas isso tem alarmado autoridades que acreditam que esse hobby pode representar uma ameaça à paz.
O que é o biohacking?
Biohacking parece assunto de ficção científica, mas já é realidade. No futuro, é muito provável que as crianças não estarão interessadas em modificar a configuração do computador, mas sim as propriedades biológicas do cãozinho da família.
A ideia por trás dessa atividade é unir biologia e ética hacker, usando, para isso, conceitos da cultura “faça você mesmo” e a capacidade de aprender conceitos científicos sozinho, sem a ajuda de professores. Com isso, esses entusiastas acabam gerando pesquisas independentes e que abordam desde mudanças corporais — como a inserção de implantes magnéticos — até sequenciamento genético completo realizado em casa.
Que tal modificar bactérias só por diversão? (Fonte da imagem: Reprodução/NAID)
Uma característica marcante do biohacking é o fato de que ele é composto apenas por indivíduos e pequenas empresas, estando completamente longe de instituições, acompanhamento de profissionais ou regulamentação governamental. O que levou a esse movimento foi a queda de preços de equipamentos especiais e que, hoje, podem ser encontrados até mesmo no eBay.
A ideia desses “biólogos de garagem” é a de praticar ciência tanto por diversão quanto por lucro, sendo que muitos biohackers também se interessam pelo trans-humanismo, movimento que faz uso da tecnologia para contornar imperfeições do corpo humano.
Investigando a genética familiar
Desde o início, avanços no ramo da biologia foram feitos por indivíduos que simplesmente começaram a explorar o mundo ao seu redor. Os primeiros fazendeiros, por exemplo, poderiam ser considerados como biohackers, já que domesticaram animais e cruzaram plantas com o objetivo de aperfeiçoar a agricultura.
Até mesmo biólogos modernos começaram como hobistas. Gregor Mendel, o pai da Genética, era um monge austríaco que realizava seus estudos no tempo livre. Por isso, até que não é de estranhar que, hoje, há quem use parte do seu período de folga e do seu espaço em casa para realizar pesquisas semelhantes.
O laboratório de Kay Aull fica no quarto da estudante (Fonte da imagem: Reprodução/Discover)
Uma das entusiastas mais famosas no campo do biohacking é Kay Aull, da Universidade de São Francisco. Em um pequeno laboratório construído no quarto em que Aull morava, ela começou a analisar a mutação genética relacionada à doença do pai dela, que fazia com que o corpo dele não se livrasse do excesso de ferro.
Com suas pesquisas, a estudante encontrou, em seu próprio DNA, tanto o gene problemático, que herdou do pai quanto uma versão saudável do mesmo gene, proveniente do código genético da mãe. Assim, com testes baratos e bastante empenho pessoal, Aull descobriu que, apesar de carregar a mutação genética, a doença dificilmente se desenvolverá no corpo dela.
Hackeando o iogurte
Você acha o café da manhã deprimente? Não se preocupe, pois o designer Tuur Van Balen, mais um entusiasta da biologia faça-você-mesmo, manipulou lactobacilos para que eles produzam Prozac, um famoso antidepressivo usado em todo o mundo.
Mais do que isso, Van Balen demonstra, no vídeo acima, como foi que ele conduziu o experimento, ensinando como qualquer pessoa pode hackear um iogurte facilmente.
Fazer arte com biologia
A manipulação de micro-organismos também pode possuir objetivos artísticos. É comum, por exemplo, que artistas envolvidos com o biohacking modifiquem bactérias para que elas passem a brilhar no escurou ou que cresçam seguindo um determinado caminho, para formarem uma imagem.
Um dos artistas mais famosos dessa área é Steven Kurtz, que utilizou os métodos do biohacking para construir obras de arte bastante provocadoras. Esse professor da Universidade do Estado de Nova York criou uma instalação conhecida como “Marching Plague”. Nela, bactérias inofensivas foram hackeadas para recriarem um experimento militar britânico realizado em 1952, quando o exército infectou porquinhos-da-índia com peste bubônica para ver o quão rápido ela se espalharia.
Problemas com o FBI
Um grande problema para o biohacking é o fato de que ele chama a atenção não apenas de entusiastas, mas das autoridades que acham que a prática pode oferecer perigo. Afinal, manipular microrganismos pode ser uma maneira de criar armas poderosas e que colocariam em risco a vida de todos.
Steven Kurtz, acima, chegou a ser interrogado pelo FBI (Fonte da imagem: Reprodução/Wikipedia)
Em 2004, o FBI e uma unidade federal de antiterrorismo invadiram a casa de Steven Kurtz. A razão? A esposa do artista, Hope Kurtz, havia falecido em casa, com problemas cardíacos. Quando os paramédicos do 911 chegaram, eles perceberam os experimentos biológicos artísticos de Kurtz. Na manhã seguinte, o artista foi obrigado a enfrentar um interrogatório de 22 horas, enquanto poderia estar arrumando o funeral de sua esposa.
Os agentes do FBI procuravam por algum indício de que as bactérias manipuladas por Kurtz poderiam ter matado Hope e, na ocasião, confiscaram até o gato do casal com medo de que o bichano estivesse sendo usado para espalhar a praga pela vizinhança. Segundo depoimento do artista para o site BBC Future, ele chegou a lamber uma placa de Petri repleta de bactérias, para provar que elas eram inofensivas.
Por mais que o FBI tenha razão em estar preocupado, vale a pena lembrar que malucos terroristas já eram capazes de manipular armas biológicas muito antes da onda do biohacking.
Biohacking no Brasil
E o Brasil também já tem sua participação marcada no movimento biohacking. Na palestra abaixo, realizada na Campus Party Recife 2012, o artista e zootecnista Edson Barrus apresentou uma série de conceitos e ideias sobre o biohacking, incluindo o projeto Cão Mulato, que pretende criar uma nova raça de cachorro.
E você, já pensou o que poderia fazer depois que aprendesse a manipular a biologia de organismos? Quais seriam seus projetos? Lembre-se de que, muitas vezes, o hacking não precisa sequer ter uma utilidade, podendo ser puramente artístico — e também de não fazer algo que irrite o FBI ou a Polícia Federal.