A tentativa de revisar a História e a Ciência com vieses ideológicos tem um nome bastante difundido na comunidade acadêmica: Negacionismo. Aplicadas a uma série de temas, como mudanças climáticas, evolução das espécies, regimes políticos, entre outros, manobras retóricas e argumentativas são comuns nesse tipo de discussão e, de acordo com Mark Hoofnagle, famoso crítico do método, possuem um objetivo comum: levar o público à confusão.
Segundo ele, existem cinco táticas gerais nesse tipo de abordagem. As considerações a respeito do assunto foram feitas em 2007, no blog Denialism. Em 2009, Martin McKee, professor de saúde pública na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, escreveu um artigo chamado Negacionismo: o que é e como cientistas podem combatê-lo (em tradução livre), apresentando cada uma das técnicas elencadas por Hoofnagle e defendendo a importância de lutar contra essa postura.
A partir disso, John Cook, pesquisador do Centro de Comunicação sobre Mudanças Climáticas da Universidade George Mason, nos Estados Unidos, se dedicou a estudar a fundo o Negacionismo e desenvolveu um acrônimo para que, em uma palestra ministrada por ele, o público pudesse memorizar facilmente os conceitos e identificá-los ao se deparar com negacionistas no dia a dia.
Assim, surgiu o FLICC, se referindo aos termos em inglês Fake experts (falsos especialistas), Logical fallacies (lógicas falaciosas), Impossible expectations (expectativas impossíveis), Cherry picking (supressão de evidências) e Conspiracy theories (teorias da conspiração).
5 técnicas do Negacionismo.Fonte: Crancky Uncke
Negando o Negacionismo
De acordo com John Cook, para confrontar posicionamentos que muitas vezes beiram o absurdo originados do Negacionismo, é preciso, antes de tudo, identificar quais são os métodos utilizados para desmistificar, uma a uma, quaisquer falhas argumentativas. Por exemplo, se alguém lhe diz que o aquecimento global não existe pelo fato de determinada região apresentar climas mais amenos, está aplicando a técnica de supressão de evidências. Veja como funciona.
A partir do momento em que o negacionista ignora o fato de que a medição global da temperatura apresenta diferenças brutais quando comparadas há 30 anos, delimitando sua defesa a um único local com comportamento diferente do todo, é preciso demonstrar o cenário amplo dos acontecimentos.
Agora, se a afirmação é de que, por estar enfrentando um dia de inverno ruim, o efeito estufa não existe, bem, a pessoa se vale de expectativas impossíveis. Afinal, se o clima pode mudar de um bairro para o outro, como acreditar que o resfriamento repentino em um lugar específico se aplica ao mundo todo?
Ignorar determinados aspectos para validar outros é comum no Negacionismo.Fonte: Wikimedia Commons
A negação vai ainda mais longe
É claro que esse é só o começo de uma lista gigantesca de manobras utilizadas pelo Negacionismo. John Cook, então, alimenta uma espécie de enciclopédia, elencando todas elas. Uso de linguagem ambígua, trazendo incertezas para confundir o expectador a partir da invalidação de dados; ataques pessoais a comunidades científicas para descredibilizar seus estudos; e exemplificações gerais a partir de experiências pessoais são outros exemplos.
Além disso, apontar erros isolados em uma abordagem para negar um método inteiro e ressaltar a presença massiva de determinados profissionais que corroborem com algo não provado são posturas frequentemente vistas. E mais: se apoiar em ideias contraditórias de acordo com o objetivo do argumento, procurar semelhanças em coisas diferentes para “provar” que são iguais e ignorar evidências fazem parte do rol do Negacionismo.
Não podem ficar de lado o aumento de importância de uma única postura (por exemplo, confiar em um único cientista, apenas por ele concordar com o ponto de vista defendido, quando 99 dizem o contrário), a má interpretação intencional ou não do oponente para distorcer os fatos, exigência de evidências cada vez maiores – uma vez superadas as questionadas – e a sugestão de motivações obscuras.
Calma que tem mais: ceticismo infindável, simplificação exagerada levando a conclusões inadequadas, vitimização, aplicação de citações fora de contexto, interpretação aleatória de fatos não evidentemente conectados, distração, culpabilização de um único fator quanto há mais agentes envolvidos e sugestão de que ações simples vão levar a coisas catastróficas também estão entre as técnicas.
Por fim, induzir a conclusões errôneas, dizer que “algo está errado” quando estiver em um beco sem saída e exagerar um posicionamento do oponente são outros métodos comuns.
É preciso confrontar tais posturas para evitar que se propaguem.Fonte: Science Focus
E aí? O que fazer?
É fato que o Negacionismo cria conflitos complicados no dia a dia e pode causar verdadeiros problemas sociais, como ocorre com o movimento antivacina, responsável pela reaparição de doenças já controladas há anos. Infelizmente, não é sempre que qualquer argumento refutando teses infundadas surte algum efeito no interlocutor.
Neste caso, em vez de sentir estar dando murro em ponta de faca, pense que desconstruir cada ponto problemático levantado por um negacionista é necessário para que mais pessoas não sejam afetadas por confusões do tipo.
Se espectadores de uma discussão nas redes sociais ficarem em dúvida e, pela exposição coerente dos fatos, seguirem o caminho oposto à negação, o trabalho está concluído. Para cada “É a minha opinião!”, existem aqueles que vão pensar “Tudo bem, mas, pelo que percebi, sua opinião está um tanto quanto equivocada”.
Para ilustrar como funciona, lembre-se do grande meme:
– Os dois a 80 km/h, tu acha q vai ficar um do lado do outro?
– (...) 80 km é 80 km (...)!
– Creio que não!
Aí, tem quem, finalmente, creia que sim.
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