Unicorn Overlord é um RPG tático que não tem medo de ser autoral - Review
Muitos não estão preparados para ter essa conversa, mas 2024 tem sido marcante para os fãs de RPG, com grande potencial de superar até mesmo 2023, um ano simplesmente arrebatador — talvez um dos melhores da história dos videogames.
Não é exagero, não, sabe por quê? Explico: ainda estamos em março e já fomos agraciados com diversas “pedradas” japonesas, como Like a Dragon: Infinite Wealth, Persona 3 Reload, Granblue Fantasy Relink, Final Fantasy VII Rebirth e, muito em breve, teremos também Dragon's Dogma 2, Rise of the Ronin e Eiyuden Chronicle: Hundred Heroes. Haja dinheiro e tempo para tanta coisa boa.
Apesar de o Japão ter roubado os holofotes da indústria nos últimos anos, alguns estúdios acabaram não tendo a mesma visibilidade de uma Square Enix da vida, em especial no ocidente, sendo injustamente subestimados. Este é o caso da Vanillaware, uma desenvolvedora de Osaka que, embora não tenha uma grande quantidade de lançamentos em seu portfólio, se destaca por suas obras altamente autorais.
Estamos nos referindo à produtora de Muramasa: The Demon Blade e Dragon's Crown, ambos os títulos com embates frenéticos em progressão lateral, e do recente 13 Sentinels: Aegis Rim, um excelente RPG tático com ênfase em narrativa, destinado a fãs de ficção científica, com direito a robôs gigantes e tudo.
A Vanillaware, em parceria com a Atlus, lança Unicorn Overlord, mais um projeto que denota o talento criativo do estúdio. Com um nome bastante peculiar, o novo RPG de estratégia situado em um mundo de fantasia não tem medo de ditar tendências ao gênero ao qual pertence, dando espaço a combates que mesclam mecânicas automatizadas com movimentação em tempo real, além de enfatizar a exploração.
História satisfatória, mas os personagens é que brilham
Antes de mais nada, é válido salientar que Unicorn Overlord não é tão centrado em narrativa quanto 13 Sentinels: Aegis Rim, o último jogo produzido pela Vanillaware. É claro que, como todo RPG que se preze, ele contém trechos carregados de diálogos, mas o ritmo favorece mesmo o complexo sistema de combate. Como não há localização para o nosso idioma, compreender o jogo já se mostra um baita desafio para o público brasileiro.
Fonte: TecMundo
Sendo bem honesto, esse não é o tipo de RPG que você pode se dar ao luxo de jogar sem entender o que está acontecendo. Isso não se deve apenas à trama, mas também ao complexo sistema de batalha, cheio de minúcias que precisam ser aprendidas em tutoriais, ainda que simplificados, distribuídos em grande quantidade ao longo da jornada. Por mais avançado que seja o seu nível de inglês, esteja preparado para ler textos numa linguagem mais, digamos, arcaica, com palavras rebuscadas – e que caíram em desuso – aqui e ali.
O enredo se desenvolve quando Valmore, um dos principais generais do exército de Cornia, se revela como traidor ao assassinar a rainha Ilenia, com a intenção de tomar o trono e, por consequência, o controle do continente de Fevrith. Alain, o filho legítimo de Ilenia, consegue escapar da carnificina e, a partir daí, inicia um treinamento com um dos cavaleiros reais, Josef, a fim de um dia ser capaz de confrontar Valmore, que mais tarde se revela como Galerius.
No papel de um príncipe exilado, nossa missão é viajar pelos cinco continentes de Fevrith, cada qual representando um arco da história, para angariar recursos e formar um exército de libertação. No fim das contas, tudo se resume à tentativa de retomar o trono de Cornia, que é seu por direito, e libertar as nações de Fevrith do mal que as aflige.
Fonte: TecMundo
Mesmo que a premissa seja um tanto "manjada" e a trama se desenrole num ritmo lento, há algumas reviravoltas para apimentar os trechos-chave. Unicorn Overlord brilha, porém, quando decide se aprofundar nas motivações dos personagens que podem ser recrutados para o grupo, tornando-os únicos e nutridos de personalidade, em vez de simples peças que compõem suas equipes.
A diversidade de heróis, inclusive, é notável, com Alain podendo recrutar mais de 60 combatentes, de humanos e bruxas a feras e elfos. Num sistema de relacionamento com requintes de Fire Emblem, você pode executar tarefas específicas com cada personagem para estreitar seus vínculos e, assim, desbloquear itens e conversas adicionais, revelando novos segmentos da rica lore que o game conserva.
O diferencial de Unicorn Overlord em relação a outros SRPGs é justamente a sua capacidade de “humanizar” personagens, muitas vezes com uma profundidade muito maior do que outras obras do gênero, o que desperta um interesse genuíno por conhecer melhor as crenças e ambições de cada um deles.
Fonte: TecMundo
Antes de finalizar o tópico sobre a história, gostaria de explicar o porquê do Unicorn no título – que o deixa com o nome bem estiloso, por sinal. Para evitar spoilers, vou apenas citar que, em um dos primeiros capítulos, Alain adquire o Anel do Unicórnio, cujo poder neutraliza os sortilégios que Galerius utiliza para potencializar sua força militar. O Unicórnio, portanto, é a representação do anel de um lorde, um objeto de purificação.
Combate tático é um ponto fora da curva, ainda bem
Conforme mencionado, a narrativa não é o pilar que sustenta a experiência, e sim o combate, que se destaca como um dos mais ambiciosos do gênero até aqui. Unicorn Overlord entrega um sistema de batalha profundo e repleto de camadas, que mescla elementos de RTS, por ter exércitos se movimentando em tempo real, com mecânicas tradicionais de RPG tático.
Não há blocos, tal como as casas de um jogo de tabuleiro, para limitar a mobilidade do personagem, e as lutas são todas automatizadas. Isso significa que você planeja as ações das unidades, incluindo ataques e habilidades passivas e ativas a serem utilizadas, antes do confronto propriamente dito. Sendo assim, a etapa de planejamento é o que vai definir a eficácia de suas tropas.
Fonte: TecMundo
A dinâmica consiste em tomar postos de comando e proteger sua própria base de investidas rivais. Digamos que quase tudo se concentra nos Valor Points, que são pontos usados para invocar novas unidades e habilidades especiais durante o combate, como uma chuva de flechas com dano em área ou uma magia que restaura a vida dos aliados.
Um aspecto fascinante das batalhas é que todos os grupos têm um medidor de vigor que, quando esgotado, limita suas ações básicas de andar, atacar e se defender. Fiquei positivamente surpreso com os estímulos que o game dá ao jogador para que mude de abordagem e adote novas estratégias, já que recorrer a uma mesma tropa, sem mexer em sua formação, não é uma das melhores ideias.
Planejamento é a chave do sucesso
Planejar estratégias, como já citei, é parte essencial do gameplay. Além de gerenciar equipamentos e habilidades, você designa ações específicas para cada herói, algo nos moldes do sistema Gambit de Final Fantasy XII. É possível definir parâmetros para que o arqueiro da equipe priorize inimigos na linha de frente, por exemplo, ou instruir o paladino a atacar apenas soldados com a barra de vida completa.
Fonte: TecMundo
Embora o game faça um ótimo trabalho em esclarecer todas as mecânicas por meio de tutoriais, dominar todos os sistemas ainda requer tempo e dedicação. Entretanto, se você busca uma experiência mais amigável, focada somente em apreciar as belíssimas animações (que aqui atingem o ápice do trabalho artístico do estúdio) e a história, há recursos disponíveis para simplificar a complexidade.
Táticas prontas, otimização automática de equipamentos e níveis de dificuldade baixos são apenas algumas das funcionalidades que tornam o gameplay mais acessível a quem não está familiarizado com esse estilo de RPG ou simplesmente não quer perder tempo se debruçando sobre suas minúcias.
Ainda que não dê tanta atenção às promoções de classes, uma das principais características de Fire Emblem (algo que aprecio muito na franquia da Nintendo), Unicorn Overlord oferece uma variedade considerável de personagens, de ladrões e guerreiros a clérigos e mercenários. Fique tranquilo, pois opção é o que não falta.
Fonte: TecMundo
Sem levar em conta as vantagens e desvantagens de cada classe, você será uma presa fácil para os oponentes. Os clérigos, por exemplo, são vulneráveis a ataques de longa distância, tornando-se ineficazes contra arqueiros, assim como os mercenários enfrentam dificuldades diante dos ladrões, que possuem uma alta capacidade de evasão em ataques pesados.
Trata-se de um RPG tático cuja intenção é “cobrar” conhecimento do jogador, que muitas vezes se sente obrigado a estudar seus guias para descobrir as fraquezas e particularidades dos personagens. Eu mesmo perdi a conta das vezes em que precisei consultar os tutoriais para sair de uma enrascada no meio da guerra.
Exploração e conteúdo: robusto em todos os sentidos
Sabemos que explorar não é uma atividade tão comum nos SRPGs, mas Unicorn Overlord apresenta uma mistura saudável e equilibrada entre combate e exploração, integrando com naturalidade esses dois aspectos cruciais do gameplay.
Fonte: TecMundo
Os cinco continentes de Fevrith são subdivididos em cinco áreas exploráveis, amplas em escala, que funcionam como mundos abertos e se abrem à medida que o jogador avança. Fazer 100% de todos os mapas não é uma tarefa das mais fáceis, visto que há segmentos bloqueados por requisitos de nível.
São muitas as possibilidades que a exploração não linear oferece: coletar matéria-prima para contribuir com o desenvolvimento de cidades e vilarejos, destravar guarnições e locais seguros a fim de aumentar suas opções de mercadores e ferreiros, participar de batalhas adicionais para ganhar experiência e interagir com NPCs. Você percorre os cenários livremente desde o início e se envolve em batalhas só se quiser, quando desejar.
Generosa em conteúdo, a aventura pode facilmente tomar uma centena de horas, a depender do quão engajado você estiver com os desafios opcionais. É sempre gratificante quando nos deparamos com um jogo assim, que respeita nosso tempo e, sobretudo, nosso dinheiro, entregando mais do que esperávamos.
Fonte: TecMundo
Veredito
Por mais clichê que essa frase possa soar, tendo em vista que o último lançamento de uma empresa é sempre – ou quase sempre – o mais ambicioso, preciso dizer que Unicorn Overlord é a obra da Vanillaware que mais se arrisca ao mesclar diferentes conceitos do gênero de estratégia para compor o seu combate, sem aquele medo que algumas produtoras têm de desenvolver um produto autoral.
Livre dos vícios dos jogos AAA, Unicorn Overlord tem identidade como palavra de ordem, por isso assume o posto de RPG tático mais robusto e inteligente da atual geração. Ele pode não ser um game para todos os públicos, isso é fato, mas quem gosta de pensar enquanto joga, nem que seja um pouquinho, deve se esbaldar com horas de conteúdo de altíssima qualidade.
Nota do Voxel: 90
Pontos positivos (Prós):
- O combate traz uma mistura saudável de RTS com RPG tático, além de elementos automatizados;
- Oferece uma infinidade de opções e estratégias para personalizar e dinamizar as batalhas;
- Os personagens, com suas próprias crenças e motivações, despertam um genuíno interesse por conhecê-los melhor;
- Recursos de acessibilidade bem-vindos para tornar a experiência mais convidativa a novatos no gênero;
- A jogabilidade, segmentada em camadas de complexidade, deve agradar a quem busca uma experiência mais profunda;
- Progressão não linear nos estimula a explorar e realizar todas as atividades, não se limitando apenas às missões principais;
- Estilo artístico inconfundível, uma das marcas registradas da Vanillaware.
Pontos Negativos (Contras):
- A história é um tanto “manjada”, mas ainda assim consegue articular bons momentos a partir de diálogos bem escritos;
- Não há localização para o nosso idioma, uma ressalva que pode ser a grande barreira para o público brasileiro – por ser um jogo carregado de textos, naturalmente.
Unicorn Overlord foi gentilmente cedido pela Atlus para o propósito de análise no PlayStation 5. O jogo está disponível para Nintendo Switch, PlayStation 4, PlayStation 5 e Xbox Series X/S.
Categorias
Nota do Voxel