Sobre motos, velocidade e a corrida mais mortal do mundo
Falar sobre o Tourist Trophy da Ilha de Man é, acreditem, algo muito fácil para mim: tenho tatuado no meu antebraço esquerdo o triskelion, símbolo estampado na bandeira da Ilha. Isso porque, desde que comecei a andar de moto, lá em 2012, o evento se tornou uma espécie de referência para mim sobre o que é correr na raça, pela paixão ao negócio. A expressão mais pura de liberdade sobre duas rodas.
É um dos eventos mais tradicionais do motociclismo – e um dos mais mortais também. Isso porque, para quem não conhece, desde 1907 o Tourist Trophy acontece em um circuito de rua nas estradas da pequena ilha localizada entre a Inglaterra e a Irlanda.
O Snaeffell Mountain Course, como é conhecido, tem mais de 60 quilômetros e 264 curvas. Uma volta no circuito leva, em média, 17 minutos, e a velocidade MÉDIA é de 219 km/h.
O ponto importante é que, por se tratar de uma corrida realizada em estradas (algo muito comum no Reino Unido), não há área de escape ou segurança. Os pilotos atravessam vilarejos a mais de 260 km/h, superam os 300 km/h em meio a árvores e muros e, no trecho da montanha, um erro pode significar cair de um barranco considerável.
Não é surpresa, portanto, que o TT da Ilha de Man já tenha vitimado mais de 260 pessoas em 111 anos de existência – mas, ainda assim, o evento segue firme e forte todos os anos.
Como, então, seria possível trazer isso para os jogos? Apesar de muita gente não conhecer o Tourist Trophy, ele é tão emblemático que deu nome ao jogo homônimo produzido pela Polyphony Digital em 2006 e também inspirou games como o clássico Manx TT e o pouco conhecido Suzuki TT Superbikes, de 2005, e seus sucessores.
Agora, em 2018, o estúdio francês Kylotonn – o nome por trás da franquia WRC e também do recém-ressuscitado V-Rally 4 – resolveu que era hora de trazer a corrida mais perigosa do mundo de volta para os games.
Disponível para PC, PS4 e Xbox One, TT Isle of Man: Ride on the Edge apresenta uma recriação fiel da Snaeffell Mountain Course e busca mostrar de forma fiel a experiência de se correr o IoM TT, como é conhecido o evento... Mas será que ele é bom?
Um escopo previsivelmente limitado
O aspecto mais importante quando se fala de TT Isle of Man: Ride on the Edge é justamente o fato de que, para aproveitá-lo, não basta você gostar apenas de corridas de motos: é preciso curtir o Tourist Trophy.
Apesar de contar com outras pistas e de elas terem algumas variações de trajeto, tudo gira em torno do percurso de 60,7 quilômetros da montanha Snaefell. As motos e os sidecars disponíveis, 38 no total e mais de 40 com as DLCs recentes, também são derivados do evento – não há customização alguma: o foco é o TT.
O que isso significa? Bem, você precisa estar muito ciente de que não encontrará, na maior parte do tempo, uma corrida convencional, uma vez que o Tourist Trophy é baseado no sistema de Time Attack e consiste em uma corrida contra o relógio, e não contra outros pilotos. Vale ressaltar que, sim, nas outras pistas você pode ter corridas convencionais, mas esse simplesmente não é o foco.
É claro que você vai ver outros ao longo do percurso, mas você não está correndo diretamente contra eles. A consequência disso é que a experiência toda se transforma em masterizar cada uma das 264 curvas da ilha e conseguir superar o desafio de completar uma corrida, que pode ter 3 ou 6 voltas – e, vale retomar a informação, cada volta tem aproximadamente 17 minutos. A partir daí, é só fazer as contas.
É claro que, para quem é aficionado pelo evento, tudo isso é excelente, mas é totalmente compreensível e claro que não, não é uma experiência para qualquer um. Isso faz com que o escopo do jogo seja bastante limitado e os demais conteúdos, de certa forma, sejam até meio descartáveis e caiam no esquecimento.
O que TT Isle of Man: Ride on the Edge faz bem
Não há como negar que, visualmente, o game é extremamente competente. A recriação das motos e, principalmente, do circuito de Snaefell Mountain é bastante impactante, e a comparação com a versão real impressiona.
O parte sonora também é muito boa: o som das motocicletas e os efeitos de som nos diferentes ambientes (reverberando mais nos trechos de mata mais fechada e mais aberto no trecho da montanha), além do som do vento e das pequenas concentrações de espectadores ao longo do trajeto, são bastante agradáveis e contribuem muito com a imersão da experiência.
Falando nisso, a proposta de oferecer a experiência mais imersiva já vista até hoje sobre uma das corridas de moto mais tradicionais da história é cumprida com certo louvor, uma vez que todo o pacote entrega justamente isso: é possível "sentir" um pouco da adrenalina pela qual os pilotos do TT são tão viciados.
O jogo conta também com um modo multiplayer para até oito jogadores, que funciona bem e ajuda a dar uma longevidade um pouquinho maior ao game.
O que TT Isle of Man: Ride on the Edge não faz tão bem
De forma geral, a sensação que se tem é que a Kylotonn aproveitou pouco uma oportunidade de capitalizar em cima de um evento que é riquíssimo em história. Como o TT é bastante desconhecido pelo público geral, usar o modo carreira para contar sua história e ressaltar suas peculiaridades seria um ótimo caminho.
No entanto, o que acontece é que o jogo é objetivo até demais: você entra, escolhe sua moto, configura uma ou outra coisa e corre. Ponto. Não há muito mais a se fazer; sendo assim, a estrutura do jogo como ela está agora se mostra bastante limitada e focada em um nicho muito específico de jogadores.
Outro aspecto que prejudicou bem a minha experiência foi o comportamento inconstante dos controles. Jogos como Ride e MotoGP, da Milestone, contam com controles bem consistentes, e era algo nessa linha que eu estava esperando.
O que se tem, no entanto, são controles imprecisos, e não foram poucas as vezes que tirar o dedo completamente do acelerador na aproximação de uma curva fez com que a moto contrariasse completamente as leis da física e apontasse de repente para um muro ou um morro e eu me arrebentasse. O maior problema é que isso se repete em alguns momentos, mas em outros não.
Considerando que as voltas são extremamente longas e o percurso por si só é bastante complicado, é muito frustrante você se espatifar no finzinho de uma volta que você até então estava conseguindo fazer de forma limpa.
Senti também um pouco a falta de uma trilha sonora mais presente, uma vez que tudo que se vê sobre o TT no YouTube e nos materiais oficiais da corrida real conta com alguma música marcante que transmite bem a pegada frenética da corrida – mas não é algo que impacte significativamente a experiência.
Vale a pena?
Embora TT Isle of Man: Ride on the Edge seja repleto de boas intenções, ele ainda é uma experiência crua demais para aqueles que não têm familiaridade com o Tourist Trophy.
Na verdade, ele é simplista demais até para quem ama a corrida, como eu. É lógico que eu dediquei (e ainda dedico) horas e horas me desafiando a dominar o percurso e tentando completar uma corrida sem cair (já aconteceu uma vez), mas confesso também que é muito, mas MUITO frustrante lidar com os controles do game de vez em quando.
No fim das contas, a recomendação é que, se você é fissurado por motociclismo e ainda não conhece o IoM TT, busque mais sobre ele. Se seu coração for fisgado pela sensação absurda de velocidade, pela adrenalina e pela insanidade do evento, aí vale a pena pegar o game em uma promoção.
Se você ama o Tourist Trophy e, assim como eu, quer ter a experiência de andar na Ilha de Man antes de morrer, mesmo que seja em sua versão virtual, a compra é meio inevitável.
Por outro lado, se nomes como Guy Martin, John McGuinness, Michael Dunlop, Michael Rutter não significam absolutamente nada e você está buscando um título de corrida de motos mais tranquilinho, para ter e jogar de vez em quando, talvez a série Ride seja uma opção mais sensata e que você vai aproveitar mais.
Categorias
- A recriação da Snaefell Mountain Course é impressionante...
- ... Assim como as versões virtuais das motos do evento
- Quando os controles funcionam de forma consistente, a experiência é bem agradável
- A parte sonora faz bem seu papel
- A imersão é um dos pontos altos do game
- Modo carreira é praticamente descartável
- A experiência, apesar de imersiva, é bastante limitada ao TT...
- ... Mas nem de longe capitaliza todo o valor histórico do evento
- Controles são inconsistentes e a física se comporta de forma bizarra de vez em quando
Nota do Voxel