Bom como Trials, ruim como jogo de plataforma
Quando Trials of the Blood Dragon foi anunciado na E3 2016, um misto de sentimento inusitado com felicidade tomou conta dos corações de quem ama a franquia Trials e a pirotecnia de Blood Dragon, a icônica expansão de Far Cry 3 e um dos melhores conteúdos adicionais de todos os tempos.
Mesclar a fórmula da série de motos com a temática satírica de Blood Dragon pode funcionar de maneira maravilhosa no campo estético. Toda aquela tiração de sarro, todo o espírito frenético de Trials, toda a “manteiga” na física e todo aquele level design que requer imaginação afiada funcionam, mas, quando a coisa vai além disso, o estúdio da Ubisoft responsável pela franquia desbrava terras aparentemente desconhecidas.
Intertextualidade é uma técnica saudável e que deveria ser muito mais aplicada na indústria de video games. É só a gente parar para refletir e ver os easter eggs que fazem qualquer fã marejar os olhos. Watch Dogs escondeu mensagens interessantes de Assassin’s Creed, Uncharted soube se comunicar com The Last of Us e Crash Bandicoot, Overwatch tem de tudo da Blizzard e por aí vai. O brinde aos fãs é uma fartura que só.
Os protagonistas de Trials of the Blood Dragon são filhos de um cara bem conhecido
Será que isso funcionou quando Trials of the Blood Dragon resolveu ousar além do que devia e colocar seções de plataforma ao lado do frenesi típico das motocas? Será que dividir a atenção entre a direção – que sempre foi agradável – das motocicletas nervosas e tiroteios em 2D funcionou? Será que a física foi igualmente respeitada nesses momentos? Vejamos.
Trilha sonora e sacadas fantásticas
Toda a estética oitentista-futurista de Blood Dragon foi trazida para dentro de Trials. Você joga com os filhos de Rex “Power” Colt, ninguém menos que o protagonista da expansão de Far Cry 3. A experiência, totalmente single player, é tão explosiva quanto o shooter, tão frenética quanto Trials e se mostra competente em trazer as características clichês (propositais) da expansão em 30 missões ambientadas desde a Guerra do Vietnã até o espaço e o inferno.
A transição de ambientes é um ponto alto
As sacadinhas são geniais. A história é contada através de quadrinhos que remetem ao bom e velho estilo em storyboard, isto é, quando os fatos são mostrados em tomadas rápidas e sem muitas extensões de diálogo. Esses momentos mais densos também existem, mas são esporádicos – ainda bem, pois qualquer cut-scene longa estragaria o ritmo da diversão almejada.
Há comerciais que piscam na tela sequencialmente, no melhor estilo Arnold Schwarzenegger em “Vingador do Futuro”, e outros clichês bem-vindos. Aliás, Blood Dragon parece ser uma espécie de tributo a esse filme pastelão que se tornou um ícone do cinema. Portanto, as referências ao cultuado sci-fi estão ali, cheias de riquezas, embaladas por uma trilha sonora daquela discoteca à qual nossos pais iam na juventude. O som foi composto pela Power Glove, e novas músicas podem ser destravadas conforme você avança. Na prática, no entanto, nem tudo se traduz da forma que deveria.
A forma pela qual o jogo mostra o enredo é clichê e enfadonha, mas isso é de propósito
Pisando em ovos...
Trials of the Blood Dragon expande a conhecida jogabilidade dos games de moto em estilo plataforma da série Trials a novos horizontes. Para atravessar os sete mundos únicos destrinchados em 30 fases, os jogadores têm, à disposição, veículos que desafiam as leis da gravidade, ferramentas, rifles de plasma, um lançador de CD e um gancho braçal que permite superar quaisquer obstáculos.
Agora, além das manobras em duas rodas, há seções de plataforma, seguindo a cartilha do side-scrolling. Há pulos, tiros, botões para esmagar e precipícios a evitar. Tudo isso é ótimo na intenção, mas ruim na execução. As animações são fracas, engessadas, não há uma física que corresponda ao controle das motocicletas.
Seções de plataforma: esquecíveis
Além disso, os serrilhados ficam absurdamente saltados nesses momentos. Nos trechos com a moto, tudo funciona bem: os gráficos são bonitos, as animações têm fluidez, não há gargalos nem feiúras. Mas, ao descer do veículo e caminhar por terra firme, a coisa se enfeia e fere os olhos. Por quê? Difícil dizer. A anatomia do boneco parece ter vindo de um produto antigo, da geração retrasada, e remete a traços arcaicos semelhantes àqueles vistos em games como Time Commando e Outcast, para os nostálgicos de plantão. Simplesmente não funciona.
O problema é que esses trechos a pé não são tão esporádicos. A maior parte da experiência está concentrada nas motos, respeita essa lei, mas frequentemente quebra o ritmo da diversão nesses tediosos momentos de plataforma. Os saltos parecem pesar uma tonelada e não têm uma colher de sobremesa da manteiga das motos.
Os momentos fora da moto são rápidos, mas bastante frequentes
Gadgets e tanques: humm, mais ou menos...
Além de motos, plataformas e saltos, o jogador assume o controle de um tanque em determinadas fases. Funciona, mas elimina a magia carismática – e, de certa forma, engraçada – do controle das motocicletas. Até mesmo um carrinho de controle remoto pode ser guiado para se infiltrar em tubulações estreitas.
O tanque é pesado e fácil, enquanto as motos são leves e difíceis. Esse contraste também deixa a experiência um pouco desnivelada, por mais que as intenções sejam boas em variar o gameplay.
A ideia do tanque não é ruim, mas falha na execução
Há também o uso de um gancho em determinados pontos. Sim, um gancho carregando uma moto. Isso amplia a dificuldade e requer timing, mas não necessariamente eleva a experiência. Trata-se de um gadget dispensável.
Em outras palavras, o ditado “menos é mais” funcionaria melhor aqui do que pisar em terrenos que, para a franquia Trials, podem ser simplesmente inadequados ou desnecessários – ainda que as tentativas a isso sejam válidas.
Uso do gancho: descartável
Vale como diversão
Trials of the Blood Dragon seria muito melhor se fosse um jogo Trials apenas com a estética de Blood Dragon. A narrativa funciona, a forma caricata de contar a história funciona, a trilha sonora é fantástica e as sacadas são geniais. Se tudo isso estivesse embutido num game com a temática de Blood Dragon, mas SEM inventar firulas, o veredito seria, sem sombra de dúvidas, superior.
Porque foi exatamente nessa adição de coisas novas que o título pecou. Sabe quando um erro não existe, você acha que o corrigiu quando, na verdade, inseriu a falha? Há males que vêm para o bem e vice-versa. E fica a certeza de que isso serviu de lição para a franquia. Importe a estética, mas aposte no "menos é mais".
Há momentos cinematográficos que são colírio aos olhos
Trials of the Blood Dragon é menos do que poderia ser, mas está longe de ser ruim. As partidas motorizadas divertem bastante, há diversas referências culturais fantásticas, que só alguns vão reconhecer, e um belo embasamento na temática sci-fi. Por outro lado, as plataformas e os tiros poderiam ter ficado em Far Cry 3 mesmo...
Categorias
- Diversão descompromissada e descerebrada
- Fórmula Trials intacta nas seções sobre duas rodas
- Temática genial e cheia de boas referências
- Ritmo rompido por seções tediosas de plataforma
- Tudo que funciona na jogabilidade com a motoca deixa de funcionar fora dela
- Animações defasadas nas seções de plataforma
Nota do Voxel