Tanques de guerra potentes, munição pesada, atiradores de elite precisos, headshots certeiros que aumentam a contagem de corpos em tempo real. É bem provável que quando o assunto seja um jogo de guerra, algumas dessas imagens sejam as primeiras que venham a sua cabeça. Queira você ou não, a história é contada do ponto de vista dos vencedores e nos acostumamos às disputas bélicas nos games cujo final é determinado sempre pelo mais forte.

Mas existe um outro lado em uma guerra. Um lado que talvez seja ainda mais cruel do que um tiro à queima roupa disparado por um soldado em outro. Você já se perguntou como é o dia a dia de civis inocentes que precisam lutar com todas as suas forças, muitas vezes sem água, sem comida e sem armas, apenas com o objetivo de se manterem vivos por mais um dia?

O retrato fiel dessas  circunstâncias agoniantes pode ser conferido no game This War of Mine, título da 11 Bit Studios lançado somente para PCs. A companhia é também responsável por jogos como Anomaly Defenders e Anomaly 2, mas parece ter encontrado neste jogo de guerra um dos seus melhores lançamentos até o momento.

Mantenha-se vivo

This War of Mine apresenta o cenário mais sombrio e apocalíptico possível. Basta alguns minutos de jogo para se sentir imerso em um clima depressivo e de poucas perspectivas, muito bem pontuado por uma trilha sonora melancólica e cenários em tons de cinza, sem cores e sem vida, mas com um estilo de traço de arte à lápis simplesmente exuberante.

No game você assume de início o controle de três personagens, ambos com perfis e características distintas, mas com todos com um objetivo em comum: precisam sobreviver. Dentro de um abrigo, ou melhor uma residência completamente destruída, eles precisam encontrar migalhas para não morrer de fome, descobrir ferramentas auxiliares e se revezar em tarefas básicas com o objetivo de prolongar sua existência por mais um dia.

O game segue um estilo point-and-click, sendo as ações em si menos importantes do que as suas tomadas de decisão. São elas que farão toda a diferença à medida que você avança no jogo. Por conta disso, não há uma linearidade na trama e suas decisões influenciam diretamente no desenvolvimento do que acontecerá no dia seguintes.

A mais difícil das decisões

Dentro do abrigo, a divisão de tarefas é algo essencial. Os personagens variam a cada partida, mas o perfil deles é que deve ser observado. Alguns sentem-se mais cansados após algumas tarefas, outros mostram tendências a ter um quadro mais depressivo, o que os torna menos produtivos. Duas noites seguidas sem dormir, por exemplo, para um dos personagens pode fazer com que ele enlouqueça.

Nos primeiros dias tudo parece mais simples: há ainda há mantimentos, que podem ser divididos entre os sobreviventes, há escombros para serem revirados e a esperança está viva entre eles. Contudo, com o passar dos dias, a situação aperta e o cenário se torna mais caótica, fazendo que o jogador tenha que tomar decisões duras. Independente da sua escolha, seus dias não serão mais os mesmos desde então.

Para que você tenha uma ideia, aqui vai uma das tristes situações que você pode enfrentar. Em uma das noites, ao sair do abrigo em busca de outros pontos no mapa, a personagem principal se depara com uma residência onde moram um casal de idosos. Lá ela encontra um remédio essencial para a sobrevivência de um dos seus colegas de abrigo. Porém, levá-lo para o abrigo significa deixar a esposa de um senhor de idade morrer. Basicamente você precisa decidir quem morrerá: seu amigo ou uma senhora desconhecida.

Se você optar por levar o remédio, seu colega vai lhe agradecer, mas os seus níveis de angústia por conta da decisão podem aumentar a ponto de tudo se tornar insuportável. Além disso, nada garante que ele faria o mesmo por você. Em uma situação real, decidir quem vive ou quem morre pode ser o pior dos castigos. Mesmo sobrevivendo, a culpa é um elemento do jogo que pode fazer com que o seu personagem não permaneça vivo por muito tempo.

Nem todos terão piedade

Ser bonzinho também não vai levar você a lugar nenhum. Lembre-se: todos estão lutando pela sua própria vida. Dessa forma, você se deparar ainda com ataques noturnos de pessoas tão famintas e desesperadas como você querendo roubar os seus mantimentos. Ao visitar um supermercado em ruínas, grupos armados podem colocar fim à sua vida, uma vez que você é apenas mais um no mundo e não há comida suficiente para todos.

Depois de duas semanas – o game é situado em turnos de 12 horas, dia e noite, sendo os dias dedicados à vida dentro do abrigo e as noites dedicadas aos postos de guarda e as saídas em busca de armas, remédios e comida – a situação pode ficar insustentável em alguns aspectos. A falta de alimentos ou mesmo de perspectiva afeta diretamente os personagens, que podem revelar um quadro psicológico depressivo irreversível.

Não faça perguntas

Alguns gestos cruéis farão com que você questione a real sentido de uma guerra. Um soldado com provisões suficientes para ele e mais duas pessoas pode se negar e dividir alimentos com você, a menos que você tope fazer alguns favores sexuais para ele. Cada encontro com um estranho é uma incógnita completa. Você não saberá o que esperar, o que será pedido em troca ou qual sentimento mais selvagem do ser humano irá aflorar. Sua vida corre perigo o tempo todo.

Para quem gosta de se ater a detalhes da trama, não há muitas informações ou espaço para perguntas. Você não sabe no meio de qual guerra está e não sabe quem está lutando contra quem. Esqueça também a ideia de querer saber um pouco mais sobre os seus colegas de abrigo. Em meio ao caos você é apenas mais um, lutando contra tudo e contra todos com apenas um objetivo em mente: se manter vivo por mais um dia.

Uma mecânica cansativa

Se por um lado o fator imersivo de This War of Mine é um dos seus pontos mais positivos, uma vez que mesmo sem uma trama linear a ambientação é capaz de deixá-lo angustiado da mesma maneira que os seus personagens ficam, por outro a mecânica de jogo, mais cadenciada e reflexiva pode desagradar alguns jogadores que estejam em busca de um título cujo fator de diversão seja alto.

Entenda, essa não é uma crítica à mecânica de jogo, pois esse aspecto mais reflexivo é justamente a sua proposta. Entretanto, parece um contrassenso dizer que alguém vai “se divertir” com This War of Mine ao mesmo tempo em que precisa tomar decisões tão duras e cruéis. De fato, se você tiver alguma sensibilidade será impossível não se contaminar pelo clima de pessimismo e angústia. Duas horas de jogo são suficientes para fazer com que você sinta que jogou por um tempo bem maior.

Vale a pena?

É impossível se sentir confortável jogando This War of Mine. O título entra para uma seleta lista de jogos que se mostram muito mais necessários do que divertidos. E isso de forma alguma significa que você deva passar longe dele. Pelo contrário. This War of Mine é uma experiência válida e essencial e, porque não dizer, uma grata surpresa.

Seus maiores méritos residem na abordagem, que faz um contraponto direto aos grandes games AAA que exploram o lado mais “divertido” da guerra, onde as munições são infinitas e as mortes se resumem a números em uma estatística ou a troféus conquistados à custa de muito sangue.

Embora o game seja um verdadeiro “soco no estômago”, em muitos sentidos, sua mecânica no estilo point-and-click ainda poderia ser um pouco mais dinâmica sem que a ambientação fosse comprometida. Esperar por certas tarefas, por exemplo, pode se tornar algo cansativo em um jogo que, por si só, já vai exigir bastante do seu controle emocional. Acredite: ficar esgotado depois de algumas horas jogando continuamente será normal no início.

Mas estamos falando de uma guerra e uma guerra não é o lugar para os fracos. Ou ao menos não deveria ser. Portanto, se você é forte o suficiente para encarar no mundo virtual uma batalha que, na vida real, seria capaz de destruí-lo em poucos dias, This War of Mine é o game perfeito. É hora de descobrir que seus conflitos morais podem ser mais devastadores que um headshot certeiro.