A fórmula masoquista na temática futurista está bem aqui

A indústria de entretenimento é igual a uma montanha-russa: ora um tema está em alta, ora está em baixa, depois volta a ficar no topo dos assuntos e torna a enjoar novamente. Esse eterno vai e vem faz parte do nosso cotidiano, e a famigerada temática futurista, bem... Taí o Call of Duty: Infinite Warfare com o trailer mais apedrejado da história do YouTube para provar que todos querem voltar às guerras antigas. Sem medo de ser feliz, The Surge chega sob a promessa de ser uma experiência honesta inspirada em Dark Souls, só que coberta por uma camada robótica, futurista e industrial.

Entregue pelas mãos da Deck13 Interactive, a mesma que concebeu Lords of the Fallen, The Surge embute uma série de elementos da fórmula Soulsborne sem deixar de inserir diversas mecânicas originais que buscam trazer diferenciais a uma receita criada pela From Software e que, a essa altura do campeonato, já é amplamente conhecida. Não duvidem: aqui, o horizonte consegue ir muito além do que ser a mera cópia de uma fórmula estabelecida.

O TecMundo Games já havia jogado o game anteriormente a convite da Sony Music Games Brasil, que distribui o título por aqui. Nossas impressões foram surpreendentes, seja pela dose masoquista do combate, pela exploração inteligente ou pelas possibilidades de customização – acredite: dão inveja a Robocop.

Enredo, pra que te quero

A sinopse de The Surge é sucinta e reserva mais informações para quem busca por fora do que pela exposição da história durante a aventura. Em resumo, o que temos é o seguinte: em um futuro distópico, existe uma megacorporação chamada CREO que promete inúmeras soluções aos milhares de problemas que uma sociedade décadas à frente da nossa pode enfrentar.

Por meio de uma tecnologia revolucionária, a entidade usa implantes mecânicos (alguém ouviu Deus Ex?!) para otimizar os volumes da produção industrial e, de quebra, supostamente resolver a vida de deficientes físicos ou pessoas que tenham qualquer problema dessa natureza. Milagre divino? Não exatamente.

É assim que se dá o início da jornada de Warren, um adulto quarentão paraplégico que vai atrás das promessas da CREO. Ao entrar na sala de operação, o homem é mais torturado que paciente de dentista durante o parafusamento das peças em seu corpo. Após a cirurgia, um evento catastrófico deixou o protagonista desmaiado em seu primeiro dia de trabalho. Você acorda equipado com um exoesqueleto em um local destruído pela explosão. Os trabalhadores do lugar estão inconscientes – mas os uniformes deles, também exoesqueletos, parecem reagir por conta própria.

Não há uma opressão psicológica gerada por um visual que é o tempo todo sombrio

Aqui começa sua aventura por um mundo futurista, distópico e hostil, onde qualquer coisa que se movimente pode ser fatal e sua atenção deve ser redobrada – assim como em qualquer jogo Souls. A história puxa a sua atenção de início, mas logo se torna esquecível.

O ingrediente ocidental se faz presente logo de cara: personagens robustos, com bordas e traços mais quadrados, parrudos e carudos se deparam com seres robóticos que destoam completamente da fisionomia e do ecossistema de um NieR: Automata ou um Gundam Wing da vida. O personagem principal parece uma mistura de Marcus Fenix com o Duas-Caras e é tão canastrão quanto.

A apresentação é muito agradável aos olhos, visualmente falando. Não há uma opressão psicológica gerada por um visual que é o tempo todo sombrio, coisa que Bloodborne e Dark Souls fazem com maestria. Aquela atmosfera nefasta cria uma postura diferente em todos nós, ainda que de maneira inconsciente. Em The Surge, essa transição é gradativa: você inicia a aventura sob a luz do sol, com a vastidão do céu azul, e não nebuloso, em complexos industriais que reservam um monte de pequenos segredos escondidos em frestinhas, becos e afins.

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Por que gostamos de apanhar?

Logo de cara, sente-se o gostinho de apanhar, cair e levantar: bastam três ataques certeiros de qualquer inimigo e você morre. A movimentação não é rápida nem lenta, mas sim média, e é difícil alcançar esse ponto de equilíbrio em um título do gênero. A Deck13, que conta com o talento de ex-membros da CD Projekt Red, fez a lição de casa ao aproveitar o aprendizado com Lords of the Fallen para aprimorar aquilo que já sabia fazer.

Seguindo a cartilha da fórmula, você tem uma barra de stamina, aqui traduzida como vigor, que basicamente mede seus movimentos. É preciso ter um balanço entre esquiva e defesa com base no adversário à sua frente. E a regra desse sistema de jogo é clara: jamais subestime um oponente, nem mesmo os robozinhos voadores que são iguais aos minions mais traiçoeiros de Dark Souls. Aliás, perdoem-me pela comparação exaustiva com a franquia da From Software, mas é que ela serviu de alicerce para The Surge e, portanto, é um parâmetro que acaba sendo um tanto inevitável.

O legal é que existe uma sensação de peso na hora de descer o sarrafo. Aqui, aplausos à Deck13. Você é o melhor Conan que Arnold Schwarzenegger poderia conceber, só que todo implantado com peças derrubadas por inimigos que foram dilacerados. Parece que você desce 1 tonelada de ferro em cada pancada aplicada. A mixagem de som ajuda muito – não são raros os momentos em que você se pega falando sozinho “blow”, “plow”, “bluf” e outras onomatopeias, só porque está gostoso demais ouvir aquilo no jogo. E nós tendemos a reproduzir sons dos quais gostamos.

Outro destaque a favor do combate é o fato de você poder mirar nas partes do inimigo que pretende destroçar. Não espere uma riqueza de espécies diferentes; com o tempo, os oponentes se repetem e podem cair na mesmice.

Alguns inimigos são desafiadores, mas não espere uma riqueza de variedade deles; com o tempo, se repetem

Existem pontos fracos, nos quais o dano incidido é maior, e regiões mais resistentes, em que você parece estar batendo em um muro metálico. Trata-se de uma mecânica curiosa que traz um ar diferente a uma fórmula conhecida e, de quebra, dá um baita dinamismo ao combate. Isso também mostra o claro intuito da desenvolvedora em imprimir sua marca registrada à experiência sem ser uma mera cópia descarada de mecanismos existentes.

Um botão de finalização coloca a cereja no bolo preparado com a receita da brutalidade. The Surge é intenso, sanguinário e visceral. Embora seja cadenciado, é aqui que o jogo se aproxima um pouco mais de um hack’n’slash tradicional, nos moldes de um Shadow of Mordor ou God of War, com a pitada cinematográfica que isso merece. Após enfraquecer um inimigo, encher a barra de energia e deixá-lo com um restinho de vida, um ícone é exibido sobre ele. Pressione o comando e assista a uma finalização cruel, que vai transformar ferrugens em miúdos e jorrar sangue na tela. É uma delícia e tem o mesmo sabor da exploração.

Exploração às cegas e mundo interconectado: persista!

O level design é outro aspecto notável nessa jornada futurista, mas não se engane: os cenários se reciclam bastante. A rasa variedade pode fazer seus olhos se cansarem de ver tanta coisa industrial. Assim como em qualquer Dark Souls, o mundo de The Surge é todo interligado e incentiva a exploração, sem mapas nem radares.

Ao chegar ao ponto principal de um objetivo, que jamais é apontado na tela, você geralmente consegue se deslocar para algum beco e abrir uma porta que vai desembocar em um trecho visitado anteriormente, criando a conexão entre um ponto de partida e um destino que, antes, estavam geograficamente separados. Explore sem medo e desconfie de tudo: você sempre pode encontrar um trecho discreto atrás de alguma caixa, e tenha certeza de que há um item repousado ao chão esperando para ser encontrado ali.

Há um montão de segredos escondidos em cada cantinho daqueles complexos industriais com paisagens externas e internas. Aliás, os corredores metálicos, tão escuros quanto uma caverna medieval, reservam bons sustos – com direito àquele violino agudo dos filmes de terror, estridente aos ouvidos e delicado aos seus movimentos. Existem pequenos alarmes falsos que os inimigos emitem para criar emboscadas em situações semelhantes àquelas que vemos em jogos de terror, como Resident Evil 4 e Outlast, em que alguns monstros fingem ser humanos e pedem ajuda ao jogador. Em The Surge, há momentos em que algum trabalhador uniformizado está preso dentro de uma sala e pede seu auxílio. Só que, ao abrir a porta, a vítima é você.

Warren quase se transforma em um Megazord com o tempo, ao acoplar peças metálicas pelo corpo

O looting é tão viciante quanto um Diablo, Destiny, Nioh ou qualquer outra coisa que te incentive a evoluir. Você coleta peças de metal que podem ser encaixadas nas pernas, nos braços, na cabeça e no corpo. Com o tempo, o seu personagem se transforma em um verdadeiro híbrido de máquina e humano. A parte mais gostosa desse processo é que você arranca pedaços dos inimigos para implantar em si próprio – ou usar como arma, se preferir. Há chefes colossais que, apesar de pouco imaginativos, também derrubam armas raras e reservam momentos calorosos de batalha.

Se The Surge é realmente um seguidor de Dark Souls, como alega ser, há um aspecto imprescindível no gameplay: o gerenciamento da experiência acumulada ao matar inimigos. Se você morrer, todos os seus pontos, aqui chamados de sucatas, ficam intactos no chão até serem coletados. Mas existe uma sacada: há um tempo cronometrado para você recuperar o suor estirado ao chão e não deixar seu orgulho ser ferido. Ao matar inimigos nesse trajeto, o contador dá um desconto. Portanto, você não precisar sair correndo igual a um cego em tiroteio; mate cada oponente no caminho, ganhe tempo e resgate suas sagradas sucatas.

O seu exoesqueleto é tão funcional quanto as habilidades que você desbloqueia no decorrer da jornada. Warren quase se transforma em um Megazord com o tempo, ao acoplar peças metálicas pelo corpo. Cada arma tem sua própria proficiência e pode ser aprimorada em estações de upgrade, chamadas de Medcentro, que funcionam como os santuários de Nioh ou as fogueiras de Dark Souls. A partir de certo ponto do jogo, você ganha também o drone, capaz de alvejar os inimigos à longa distância, criar distrações e acionar interruptores inalcançáveis. Ao atingir um ponto de descanso, todos os inimigos renascem. O alívio? Sempre chegar a um Medcentro, é possível depositar a sucata em um baú e deixar lá para que você não fique andando com o bolso cheio. Legal, né?

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Veredito

O marketing de The Surge tem sido tão discreto quanto os alemães. Fundado em 2001, Deck13 é um estúdio do país germânico que se mostrou disposto a absorver as tendências do mercado, especialmente uma fórmula tão complexa e ao mesmo tempo eficiente quanto a de Dark Souls. Talvez eu tenha gostado desse jogo acima da média; curti de forma descompromissada, contemplando o sistema de combate, looteando, subindo de nível, descobrindo coisas novas. Notas são sempre subjetivas, e o que é um 85 para mim pode ser um 70, 90 ou outro valor para você. Portanto, vamos promover o debate educado nos comentários.

Lords of the Fallen impôs um estilo ocidental e apresentou mecânicas decentes, enquanto The Surge tratou de amadurecer esse aprendizado. Apesar de copiar abertamente a receita de bolo de outros jogos e não alcançar o mesmo primor técnico, o título se preocupa em apresentar seus próprios diferenciais e, mais do que isso, é competente ao conseguir entregar essas premissas, com combate sólido, looting decente e a viciante fórmula Souls. As cerca de 40 horas de campanha, que têm textos em português brasileiro, reservam chefes e inimigos de arrancar os cabelos.

A combinação que a experiência traz é imperfeita, mas, em plena época de entressafra de outros lançamentos, definitivamente merece a sua atenção. Se você queria um Dark Souls em uma pegada futurista, eis aqui a terra prometida.

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Pontos Positivos
  • Combate visceral, com peso e estratégia na medida certa
  • Atmosfera que se sustenta bem na temática futurista
  • Inspiração na fórmula Souls funciona
  • Exploração gostosa, estimulante, num mundo interconectado e lotado de segredos
  • O looting diversificado permite várias opções de customização
  • Level design decente
  • Visual bonito respaldado numa apresentação digna
Pontos Negativos
  • Apesar do level design decente, há reciclagem de cenários, estética que se repete
  • Pouca variedade de inimigos, que se repetem com o tempo
  • História esquecível
  • Sensação de "déjà vu" em várias decisões conceituais
  • Ausência de personagens verdadeiramente marcantes