Viciante e visceral, Evil Within 2 é até injustiçado lá fora, mas aqui não
Foi difícil descrever a sensação de jogar The Evil Within quando ele chegou ao mundo em 2014. Eu lembro que classifiquei o jogo como o melhor Resident Evil 4 desde Resident Evil 4, até porque são títulos que nasceram do mesmo criador, o mestre Shinji Mikami. Apesar de injustiçado nas análises de fora, The Evil Within vendeu bem o suficiente para convencer a Bethesda a produzir uma continuação.
Eu juro que não entendo a média desse jogo no Metacritic. E com toda a reverência aos meus colegas gringos, muitíssimo respeitados, mas os parâmetros que o primeiro título seguiu, aplicou e evoluiu… Não há nada parecido por aí. Absolutamente nada. Especialmente a nós, órfãos de Resident Evil 4.
As pontas soltas deixadas pela primeira aventura na história ficam ainda mais abertas na sequência, que traz de volta o ex-detetive Sebastian Castellanos numa busca muito mais pessoal. Sim, você ouviu direito: ele agora é um ex-policial que mergulhou no álcool para tentar desafogar as mágoas pela da morte de Lily, sua filha.
Mas quando o ex-agente descobre que, na verdade, ela está viva, vem ao palco um renegado Sebastian, com espírito de justiceiro, sem vínculos com a lei e num novo alvorecer, disposto a deixar tudo pra trás e embarcar novamente na STEM numa missão de resgate da sua pequena.
Um brucutu de Jack Bauer com Max Payne e Leon S. Kennedy = Sebastian Castellanos
A mudança de personalidade de Sebastian faz com que você rapidamente crie um elo com o personagem e simpatize com a causa dele. Quem jogou Max Payne sabe bem do que estou falando. Antes, você era um herói da pátria a serviço do governo; hoje, bate ponto em bares e se aprofunda numa depressão como quem não tem nada a perder. Os escrúpulos podem vir depois que os fins justificarem os meios.
Observar o comportamento do herói, que na verdade nunca assume essa carapuça, é algo que enriquece a narrativa. Sebastian Castellanos é uma espécie de mistura de Leon S. Kennedy, Chris Redfield e Max Payne, com um ar de Jack Bauer, da série 24 Horas, além de ter suas próprias características, é claro.
Introduzido no primeiro jogo, STEM é um sistema que cria uma realidade paralela, semelhante ao conceito de Matrix, utilizado para realizar experimentos que podem ser aplicados à vida real. Porém, na primeira aventura, você descobre essa dimensão alternativa, controlada pelo vilão Ruvik, só no final. O segundo jogo, por sua vez, te bota no olho do furacão logo de cara. Temos um Sebastian calejado, ainda mais canastrão, de saco cheio, preso num mundo distópico lotado de coisas para fazer.
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Mundo aberto e o meu errôneo preconceito: mordi a língua
O maior salto do game anterior ao atual é a estrutura de jogo. Agora você tem um mundinho aberto à sua disposição, em formato sandbox mesmo. Union é a típica cidadezinha norte-americana, bem ao estilo do que você viu em Alan Wake: há um posto macabro, uma igreja no meio da avenida, lojinhas, um museu, praças, arbustos, o cheiro de grama e a pacatez da vida interiorana. Mas isso, naturalmente, em momentos de outrora. Hoje, tudo está deturpado.
Isso é bom e ruim ao mesmo tempo: ter abandonado a linearidade foi, obviamente, uma escolha deliberada de design. Decerto a equipe da Tango Gameworks bateu a cabeça em reuniões na mesa de rascunhos sobre a abordagem a ser adotada: manter o sistema enraizado do primeiro ou ocidentalizar a experiência e se render ao mundo aberto?
O sentimento claustrofóbico faz parte da atmosfera de terror e está mais pontual aqui – mas não se preocupe: ir a um vagão de trem ensanguentado fará sua imaginação ganhar asas ao lembrar de Resident Evil Zero
A estrutura linear sempre combinou com o gênero de horror. A partir do momento em que esse arranjo se rende ao mundo aberto, a tendência é que, para alguns, a tensão diminua. O sentimento claustrofóbico faz parte da atmosfera do terror e existe de maneira mais pontual aqui – mas não se preocupe: encontrar um vagão de trem ensanguentado fará sua imaginação ganhar asas igual aconteceu em Resident Evil Zero. Do contrário, basta correr pelo asfalto que geralmente você escapa dos enxames de inimigos e fica tudo bem. E tem "jump scare" para você dar uns pulinhos da cadeira e ensaiar seus berros de sustos sim. E só um rápido detalhe: eu amo mundos abertos. Em meu histórico de análises aqui, devorei dezenas deles.
Nesse sentido, o gameplay brilha. A exploração é incentivada desde o começo: você usa um comunicador para rastrear seus destinos e encontrar objetivos secundários. Todos oferecem recompensas valiosas, como munições e componentes de montagem. Sim, The Evil Within 2 evoluiu as mecânicas de crafting e até oferece uma bancada idêntica à que você vê em The Last of Us. É lá que você pode criar munições, itens de cura, incrementar seu arsenal e traçar o que deve coletar para preencher o inventário.
Um stealth apetitoso
Como as áreas são abertas, você pode planejar suas abordagens com mais cautela. Na maior parte das vezes, agir furtivamente é a melhor opção. E há progressos aqui também: agora existe um sistema de cobertura; arbustos que te deixam invisível; mecânicas que melhoram suas habilidades stealth e mais. Não tente bancar o Rambo em lugares infestados, mas tenha em mente que o stealth às vezes não é uma opção – e quando o tiroteio rola solto, o gameplay é tão sólido quanto o do primeiro jogo.
Uma das características mais legais de The Evil Within é que, assim como em Resident Evil 4, há momentos cinematográficos que são inesquecíveis. The Evil Within 2 consegue ensaiar as mesmas coreografias, com direito a batalhas épicas contra chefes grotescos que certamente vão habitar seus pesadelos por um bom tempo. Alguns deles exigem que você se mantenha frio e atravesse na surdina – mas não ache que vai escapar do agarrão enquanto atira desesperado para fugir. Lembra de Dead Space? É bem parecido.
Pra quebrar um pouco a rotina, dá pra brincar num minigame de tiro ao alvo muito divertido – e com direito a recompensas que valem o seu suor
Mais RPG que o primeiro, The Evil Within 2 também oferece uma área de descanso, que é o escritório de Sebastian, onde você pode aproveitar a bancada quando quiser melhorar as armas e usar a velha conhecida cadeira de rodas para fazer upgrades de habilidades ativas e passivas numa árvore de skills bem maior. Na onda de quebrar um pouco a rotina? Lá vai: dá para brincar num minigame de tiro ao alvo muito divertido – e com direito a recompensas que valem o seu suor. Eu já disse que esse jogo é praticamente um sucessor espiritual de Resident Evil 4, certo? Ficou mais arcade também – e de um jeito positivo.
Galeria 2
Assim como em todo mundo aberto, The Evil Within 2 carrega alguns desvios técnicos, como texturas que aparecem e desaparecem e inimigos que ficam bugados dentro de algumas estruturas. Nada que ofusque o brilho da experiência ou que não possa ser corrigido em atualizações futuras, mas que sempre causa um ruído aos olhos.
Dublagem maravilhosa no nosso idioma!
A dublagem em português brasileiro é uma das melhores já vistas em jogos, e sem qualquer censura, cheia de palavrões. Na voz de Sebastian Castellanos temos o brilhante Alexandre Marconato, que já emprestou seu talento ao protagonista de Watch Dogs 2, Marcus Holloway, e a inúmeros outros personagens.
É uma melodia aos ouvidos ouvir "que por*a é essa", "filho da p*ta" (nada de "filho da mãe"), "fod*-se" e diversos outros palavrões que um Sebastian boca-suja profere ao longo da jornada. Desculpem-me se pareço "palavrento" ao desabafar isso, mas é que, céus, vejam a situação do cara: um quase alcoólatra com a carreira de policial perdida, a filha desaparecida e abandonado pela esposa. Num lugar infestado por aberrações que parecem ter nascido nos nove círculos do inferno. Não há espaço para rodeios.
Veredito
The Evil Within 2 expande todos os conceitos implementados pelo primeiro jogo e permite que você, jogador, tenha uma liberdade muito maior para executar as ações. Talvez essa abertura toda faça com que os fãs mais puritanos torçam o nariz, uma vez que a estrutura aberta não exatamente faz parte da cartilha de regras do gênero. E não se preocupe, pois há trechos lineares também.
A continuação não é dirigida por Shinji Mikami, que ficou com a produção executiva, e os efeitos dessa ausência podem ser sentidos: há um terror menos enraizado e mais ocidentalizado. Porém, The Evil Within 2 é igual comida japonesa: você pode estranhar no começo, mas aprende a gostar com o tempo e, quando se acostuma, pode ser que o título entre no pódio dos seus favoritos.
A aventura reserva 15 a 20 horas para quem seguir as missões principais e mais de 30 aos completistas. Não se deixe enganar pelo começo lento: ao término da primeira metade e até o final, a jornada engata a primeira e não bota mais o pé no freio. E é engraçado notar como esse jogo é injustiçado lá fora. Eu já citei isso nesta análise e torno a enaltecer. O mesmo aconteceu com o primeiro game, mas é vida que segue.
A minha torcida? Que a sequência bata as metas comerciais da Bethesda e que a franquia ainda tenha muito pano pra manga. The Evil Within é uma das gemas da atual geração, e The Evil Within 2 reforça ainda mais essa convicção. No mês mais disputado do ano, essa ode ao terror modernizado é uma compra imprescindível e não vai sair da sua memória tão cedo.
Este jogo foi cedido pela Bethesda para a realização da análise
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- Mundo aberto inteligente, sem exagerar em tamanho, gostoso de explorar, com ótimo mix de terror e ação
- Sistema de crafting mais robusto incentiva a coleta de componentes num viciante processo de looting
- A excepcional dublagem em português brasileiro, sem censuras, deixa os personagens ainda mais carismáticos, com destaque a Sebastian Castellanos
- O mundo aberto não prejudicou o terror e há trechos lineares também, especialmente na segunda metade do jogo
- Narrativa decente, com poucos clichês e cheia de reviravoltas
- Gameplay sólido e bem mesclado entre stealth e tiroteios
- Ritmo lento no começo até engrenar
- Bugs ocasionais em colisões poligonais fazem inimigos ficar presos em texturas que aparecem e desaparecem
Nota do Voxel