O parque de diversões que estava faltando no Xbox One
Anunciado como uma das grandes promessas da biblioteca de exclusivos do Xbox One, Sunset Overdrive nasceu do talento da Insomniac, conhecida por franquias de peso como Ratchet & Clank e Resistance. O título foi apresentado junto com o Xbox One na E3 2013 e, desde então, trouxe muitas expectativas aos donos do console. E será que a desenvolvedora conseguiu atender aos anseios dos fãs? A resposta é positiva, e os jogadores de Xbox One podem se gabar à vontade de um belo exclusivo que têm em mãos.
O histórico que a Insomniac tem com games caricatos é farto. Uma das principais características da desenvolvedora é saber dar vida aos personagens de suas obras justamente pela utilização abusiva – no bom sentido – de paletas muito coloridas. O tom que isso dá aos jogos do estúdio tem nuances positivas, que mexem com a indústria e trazem um sabor hilário a um mercado que, hoje, é tão sério e industrialista.
A proposta de Sunset Overdrive se destaca por trazer uma mistura de ação descerebrada e personagens carismáticos num mundo aberto colorido e recheado de atividades para fazer. Sejam bem-vindos a Sunset City, onde um novíssimo energético, o Overcharge, acabou de chegar ao mercado com promessas de ser a melhor bebida do mundo. Até que todos que a experimentam começam a se transformar em mutantes asquerosos e você, num dia corriqueiro de trabalho, deve fugir dessa loucura e se virar nesse mundo que está de cabeça para baixo.
O apocalipse da zoeira
O formato cômico que a Insomniac se preocupou em imprimir em Sunset Overdrive é certamente a sua maior marca. Sem jamais se levar a sério, o jogo utiliza aquele humor escrachado e descompromissado de séries como Psychonauts – mas sem a genialidade de Tim Schafer, é claro – ou mesmo Monkey Island, com muita metalinguagem e piadinhas sobre os comportamentos que um jogo de video game tem.
O primeiro aspecto denso que você vai reparar em Sunset Overdrive é a sua base em RPG. Após ter contextualizado o jogador num mundo virado e em ressaca pós-apocalíptica, o game, logo de cara, oferece uma série de opções para personalizar seu avatar pessoal. Os rostos, o sexo e o biotipo são pré-definidos em desenhos bastante caricatos e com traços hilários. É possível escolher todas as peças de roupa: camisetas, chapéus, luvas, óculos escuros, sapatos, sandálias e jaquetas estilosas estão à disposição para você deixar o seu personagem como quiser. O jogo aproveita alguns dos conceitos implementados por Dead Rising e permite que os jogadores enfeitem o avatar com máscaras e fantasias cômicas.
Após ter decorado o personagem à sua maneira e encarado os tutoriais iniciais, o mundo de jogo começa a apresentar seu propósito e, pouco a pouco, insere o jogador no meio daquela bagunça. Sunset Overdrive se preocupa em dar um panorama do apocalipse absolutamente diferente daquilo a que estamos acostumados. Aqui, nada deve ser levado a sério, e é justamente nesse ponto que está a graça do jogo – graça exagerada, aliás, pois a equipe se preocupou demais em inserir piadas o tempo todo.
O gracejo sadio e ao mesmo tempo excessivo
A Insomniac bebeu diretamente da fonte de Saints Row nesse sentido. Ter um título que consiga mesclar diversão sem compromisso com mecânicas robustas é um desafio cumprido com maestria em Sunset Overdrive. Sem preocupações em explicar como o jogador tem habilidades importadas diretamente de inFamous, a equipe preconizou a locomoção flexível em vez de utilizar veículos.
Deslizar por praticamente qualquer superfície e esgueirar-se ao longo de cabos fartamente espalhados pela cidade nunca foi tão agradável. A falta de qualquer explicação para isso é deliberada, o que é ótimo e se encaixa à proposta maluca de jogo. Abrace a zoeira e ela te abraçará, eis a filosofia de Saints Row, Sunset Overdrive e outros jogos que mexem com o humor de forma escrachada. Tudo isso, de certa forma, serve para apetecer a diversão.
Mas isso também não significa que o jogo tenha que empurrar piadas rasas para cima do jogador o tempo inteiro. Sunset Overdrive não consegue se levar a sério um minuto sequer, e as piadas, pouco inspiradas, não culminam nem em “risadas educadas” por parte do jogador – afinal de contas, não é necessário rir para aquele parente ou amigo piadista, pois se trata de um jogo de video game. Portanto, você pode poupar suas covinhas faciais.
Tudo bem que a zoeira é um estilo de vida e representa uma forma mais descontraída de burlar regras. O game da Insomniac é impecável nesse sentido, mas peca quando quer contar piadas metalinguísticas que, em vez de engraçadas, são boçais. Falas como “Nossa, estou num jogo de video game! Portanto, tenho três vidas, não é?” ou “Ei, cara, a moça do tutorial está falando, dá um tempo e vá se fod**!” soam rasas e não arrancam risadas nem dos HUE HUE BR. Sabe aquele comediante que força sempre as mesmas piadas diante da plateia? É basicamente por aí.
Seja no português ou no inglês, o jogo tem anedotas que se esforçam em arrancar risadas através do óbvio ou de sacadas que não têm criatividade. E isso pode cansar um pouco. É como se o jogo reforçasse o objetivo de ser engraçado a todo momento ou se autoafirmasse dessa forma insistentemente, e isso quase sempre não fica natural. As piadas clichês e a metalinguagem são até agradáveis e enaltecem o aspecto hilário do jogo, mas, por diversos momentos, seria melhor que os personagens ficassem calados do que dizer baboseiras repetitivas e previsíveis.
Há vida inteligente, divertida e cheia de inspirações por aqui
Até existem algumas sacadas inteligentes em Sunset Overdrive. Easter eggs de filmes como “O Chamado”, “A Múmia” e “Indiana Jones” estão ali, escondidos, e aparecem em momentos oportunos para dar vida mais inteligente ao jogo – cujo caráter descerebrado é exageradamente acentuado. Mas a zoeira não tem limites, então vamos abraçar a ideia.
Por falar em inspiração, boas influências não faltam em Sunset Overdrive. Infamous é uma franquia que certamente emprestou algumas de suas fórmulas ao título da Insomniac, a começar pela habilidade inexplicável que o jogador tem de deslizar por praticamente qualquer superfície, utilizar cabos para se locomover com mais rapidez, colchões, toldos ou mesmo carros que servem como molas, além das maluquices que estão ali sem obrigação alguma de apresentar justificativas que sejam racionais. A ficção criada pela desenvolvedora tem o claro objetivo de ser uma comédia agradável, ainda que existam várias ressalvas para isso (supracitadas).
Que mapa imenso!
O mapa, dividido em três áreas, é gigantesco e traz muitas atividades secundárias. Além das missões principais e dos objetivos paralelos, há uma enorme variedade de itens colecionáveis para coletar e desafios opcionais para cumprir. Alguns desses itens podem ser usados como moedas para comprar os Amps, que são upgrades para as armas malucas do arsenal. É possível aprimorar suas parafernálias e comprar armas novas com o Jack Duas-Caras, o mercador de Sunset Overdrive.
Apesar de cada objetivo oferecer diversão na medida certa, as missões, com o tempo, correm o risco de cair na repetição da mesma fórmula, estruturalmente falando, que é a do “deslize-e-atire”, sem jamais permitir que o jogador fique parado por muito tempo. Por mais que você esteja no topo de um prédio, basta ficar numa posição estática por 15 ou 20 segundos, admirando as belíssimas renderizações que ocorrem aos fundos enquanto toda a ação está rolando diante de você, que alguma aberração dá um jeito de te alcançar. O game obriga o jogador a estar em movimento o tempo todo.
Os inimigos, aliás, esbanjam a criatividade que a Insomniac se preocupou em imprimir. As ilustrações estão incríveis e remetem a grandes obras dos quadrinhos – inspirações na Marvel ou na DC não faltaram aqui. A apresentação dos personagens é inteiramente feita dessa forma “caricata”: todos eles têm jeitos e trejeitos de um produto vindo de HQs, e isso é ótimo para a proposta cartunesca do game. O arsenal segue a mesma premissa e traz armas tão bizarras que, fora da ficção, iriam parar num museu impressionista.
Uma longa estrada extra: o multiplayer
O caráter multiplayer de Sunset Overdrive foi uma das principais cartas na manga da Insomniac e da Microsoft. A build que o BJ jogou na E3 deste ano, por exemplo, trouxe somente um dos modos online do título (sem nem mostrar a campanha). Marketing aplaudido de pé e correspondido: o jogo cumpre o seu papel com maestria, como se já não bastasse a longa e competente campanha.
O modo “Esquadrão do Caos”, por exemplo, traz missões cooperativas para até oito pessoas. Os objetivos não se resumem a apenas disparar raios e gosmas de ácidos de maneira desenfreada: aqui, é possível também encarar desafios de tempo, travessia, coleta de itens e mais.
O brilho fica mesmo por conta do modo “Defesa Noturna”, em que as fases seguem o modelo “derrote-as-hordas”, quando ondas de inimigos brotam na tela e pioram a cada rodada. A série Gears of War foi importante para consagrar esse conceito, amplamente utilizado por diversas modalidades multiplayer de qualquer jogo de ação que se preze.
O melhor exclusivo do Xbox One até aqui
Queridos leitores e prezados frequentadores do BJ: dar uma nota a um jogo é sempre um desafio. Aplicar um valor numérico a toda uma experiência é algo subjetivo e que não precisa ser levado ao pé da letra. Não damos nota a um quadro, a um tênis novo, a uma roupa recém-comprada, a um hardware. Da mesma forma, não é preciso se apegar a um número para ter o veredito final sobre um jogo.
Se Sunset Overdrive foi um 88 para mim, pode ser um 90 para você, um 100 para ele, um 80 para outro. E eu jamais crucifico isso! O que posso dizer é que o game vale cada centavo e que se trata do melhor exclusivo do Xbox One até aqui. Enquanto a Sony adia vários títulos do seu catálogo de exclusivos, a Microsoft amplia seu espaço e, com Sunset Overdrive, entrega aos jogadores uma experiência riquíssima em conteúdo. Aqui, temos uma combinação de diversão descompromissada, impensada, aliada a ótimas mecânicas do gênero. É o parque de diversões que o Xbox One estava precisando, ainda que existam as ressalvas supracitadas.
No humilde ponto de vista deste redator que vos escreve, o jogo da Insomniac ainda não é o título definitivo do Xbox One. Esse jogo pode se chamar Quantum Break. Lembremos também de Halo 5 e outros, é claro, mas estou falando aqui de franquias novas, e Sunset Overdrive, nesse rol, tem um lindo horizonte pela frente.
Vejam bem: eu dei 88, que é uma ótima nota, mas é absolutamente palpável que um jogo desse calibre ganhe 90, 95 ou até 100 em outras visões. Sabemos que existe uma tendência em criticar, apedrejar ou xingar o site por ele eventualmente não ter dado a nota alta que muitos esperavam. O que se pede é que a participação de todos seja amigável, produtiva e tenha críticas construtivas para uma discussão saudável. Argumentos do tipo “análise lixo” só porque o jogo ficou abaixo dos 90 não mostram a maturidade que esse mercado precisa.
Em suma, Sunset Overdrive é tudo aquilo que os jogadores esperavam e oferece diversão na medida certa aos donos de Xbox One. O mercado quer e precisa respirar esse fôlego cômico às vezes, com propostas que não se preocupam em apresentar seriedade e deliberadamente abraçam a zoeira. É o velho “está no inferno, abraça o capeta”. A fórmula funciona.
Categorias
- Hilário e divertido: um tributo à zoeira
- Visual lindo, que usa e abusa do poder do Xbox One
- Mundo aberto com zilhões de coisas para fazer
- Personagens carismáticos
- Armas e upgrades num arsenal completo
- Piadas forçadas, que não conseguem ter graça, pouco convincentes
- Estrutura de missões que correm o risco de cair na repetição
Nota do Voxel