Star Wars Battlefront II sucumbe sob o peso de seu sistema de evolução
Lançado no mesmo ano em que o Episódio VIII de Star Wars chega ao cinema, Star Wars Battlefront II surgiu com a intenção de corrigir os erros que a Electronic Arts havia cometido no jogo anterior. O game não somente prometia trazer conteúdos mais variados, como ganhou um modo campanha single player que apresentava elementos e personagens novos que se integravam ao cânone da série.
Em certo sentido, a desenvolvedora DICE conseguiu cumprir seus objetivos: oferecendo novos modos de jogo e mapas que se aproveitam mais de sua grandiosidade, Battlefront II é um jogo mais divertido que seu antecessor. Da mesma forma, embora curta, a história principal é bem-sucedida em reproduzir o “clima de Star Wars”, mesmo que siga caminhos um tanto previsíveis.
No entanto, os acertos da desenvolvedora acabam ficando de lado quando levamos em consideração o modelo de progressão adotado. Baseado principalmente na insistência e na sorte, o sistema adotado pela empresa acaba diminuindo a qualidade de um jogo que tinha tudo para ser grandioso — e o fato de a Electronic Arts ter desligado suas microtransações só acentua o quanto ele foi feito para ser frustrante e repetitivo.
O fim do Império e o início da Primeira Ordem
A história de Star Wars Battlefront II fecha algumas brechas deixadas pela série cinematográfica, apresentando eventos que mostram o declínio do Império Galáctico e como ocorreram as fundações da Primeira Ordem. Você toma controle de Iden Versio, filha de um Almirante Imperial, que atua como a líder do Esquadrão Inferno, uma força de elite especializada em exterminar as forças rebeldes.
A primeira missão da campanha já mostra que Iden não brinca em serviço: ela se infiltra em uma nave inimiga para impedir que planos secretos sejam revelados, derrota dezenas de soldados e consegue escapar sem nenhum ferimento de forma épica. Essa sensação de que estamos lidando com uma soldada durona permanece durante toda a campanha e é fácil gostar da personagem conforme ela evoluiu e mostra suas diferentes facetas.
Sem entrar em spoilers, considero a campanha um dos pontos altos de Battlefront II — mesmo que algumas reviravoltas pareçam apressadas e o game falhe em situar muito bem o jogador sobre alguns saltos temporais pelos quais a trama passa. O que me decepcionou foi só o fato de que, em pelo menos um terço das missões, o jogo transforma Iden em uma coadjuvante enquanto você controla personagens como Leia e Han Solo.
Não me entenda mal: é legal poder usar essas figuras marcantes da série, mas os momentos em que isso acontece parecem mais um “tutorial” para a maneira como elas atuam na campanha do que algo realmente importante. Ao apelar para o “fanservice”, a DICE perdeu a oportunidade de desenvolver ainda mais os personagens interessantes que são introduzidos com a nova trama.
Mesmo com uma duração contida, a história é boa o suficiente para manter os jogadores entretidos
Deixando uma grande ponta solta (que deve ser fechada através de um DLC gratuito), a trama de Star Wars Battlefront II pode ser finalizada com pouco mais de 5 horas de jogo, oferecendo alguns segredos escondidos para quem deseja jogá-la mais de uma vez. Mesmo com essa duração contida, a história é boa o suficiente para manter os jogadores entretidos — e, se minhas suspeitas estiverem corretas, ela pode conter um pedaço de informação muito importante para o universo Star Wars como um todo.
Multiplayer caótico
Embora a história de Star Wars Battlefront II seja interessante, quem comprar o jogo provavelmente vai passar a maior parte de seu tempo nos modos multiplayer. O game até possui um modo single player adicional na forma do Arcade, em que é possível enfrentar bots com dificuldade crescente em uma grande variedade de condições, mas se engana quem pensa que ele é suficiente para preparar para as batalhas contra adversários reais.
Na prática, me vi completando as missões disponibilizadas mais para acumular os bônus de créditos oferecidos pela Electronic Arts do que por estar me divertindo. No entanto, sabendo que muitas pessoas poderiam usar isso como um meio rápido de destravar novos conteúdos, a empresa limitou a 500 créditos diários o quanto você pode ganhar — um valor bastante baixo, diga-se de passagem.
Na hora de enfrentar outras pessoas, você pode escolher entre os seguintes modos: Ataque, Batalha, Ataque com Caças Estelares, Heróis vs. Vilões e Ataque Galáctico — o último deles sem dúvida o mais popular e abrangente. Na prática, o objetivo geral é sempre o mesmo — derrotar o time adversário ou cumprir uma missão específica a um mapa —, mas as condições variam.
Em Caças Estelares, por exemplo, você só pode usar as naves do jogo (que ganharam um controle mais responsivo em Battlefront II), enquanto Batalha coloca você para cumprir objetivos em mapas mais contidos. Já Heróis vs. Vilões é uma opção mais “galhofa”, deixando de lado qualquer espécie de equilíbrio para permitir que você crie batalhas que envolvem Rey e Luke lutando contra Darth Vader e Darth Maul, entre outros cenários ficcionais à sua escolha.
Mas vamos ao que interessa, o modo Ataque Galáctico: nele, dois lados formados por 20 jogadores competem para cumprir objetivos em fases que incluem cenários como Hoth, Kashyyyk e Tatooine (entre diversos outros), que vão se adaptando conforme a batalha progride — algo que costuma ser ditado pelo lado que precisa capturar um objetivo ou avançar até certo ponto.
Oferecendo quatro classes básicas, Battlefront II atribui pontos conforme seu desempenho em partida — que depende tanto de quantas pessoas você matou até sua contribuição para o objetivo principal. Quanto melhor você jogar, mais rapidamente abre a possibilidade de jogar com unidades espaciais (incluindo espaçonaves) e com heróis que trazem poderes bastante devastadores.
Embora as batalhas premiem as batalhas em grupo, na prática o que vemos é algo muito mais caótico
Embora as batalhas premiem as batalhas em grupo, na prática o que vemos é algo muito mais caótico acontecendo, com cada pessoa preocupada em obter o maior número de abates para sua conta pessoal (algo ligado ao sistema de progressão, sobre o qual tratarei adiante). No entanto, isso não diminui o fato de que é muito legal se ver participando de algumas das maiores batalhas vistas nos filmes.
Se há algo que não pode ser criticado em Star Wars Battlefront II é sua ambientação e apresentação. Cada elemento do universo Star Wars é reproduzido de maneira bastante fiel, com gráficos de alta qualidade e um trabalho sonoro excelente — esse é daqueles jogos que você vai querer jogar com fones de ouvido para aproveitar tudo o que ele tem a oferecer. No entanto, as partes que o jogo acerta acabam sendo diminuídas por um grande problema: seu sistema de progressão.
Sistema de progressão disfuncional
O principal problema de Star Wars Battlefront II é seu sistema de progressão, e nem mesmo a diminuição no custo de heróis ou o desligamento de microtransações faz com que ele se torne melhor. A DICE criou um sistema com complexidades desnecessárias que prioriza a repetição e dá muito espaço à sorte na hora de determinar as vantagens que você obtém ao dedicar seu tempo ao game.
Para começar, há o sistema de nível do jogador, que sobe normalmente conforme você joga. Também há o nível individual de cada classe (os heróis e naves entram nessa categoria), que depende essencialmente das “Star Cards” destravadas para cada uma delas — cada opção possui diferentes níveis de evolução, o que também influencia no número atribuído a cada classe (quanto menor ele é, menos cartas você pode equipar em combate).
Para obter essas cartas, não há opção a não ser comprar as cartas de loot oferecidas pelo título: cada partida oferece uma média de 250 créditos, que são usados para comprar as três variações de pacotes oferecidos pela EA (o mais caro custa 4 mil). Essas moedas também são usadas para destravar os heróis e vilões que podem ser usados em combate: o que significa que, ao investir em um deles, você efetivamente está decidindo não evoluir suas classes durante um tempo.
você nunca sabe exatamente o que vai conseguir
Ao comprar um dos pacotes de cartas, surge a parte mais complicada do game: você nunca sabe exatamente o que vai conseguir. Não interessa se você só joga como especialista ou com a classe pesada: muitas vezes suas Star Cards vão ser para classes não relacionadas e, não raro, para heróis que você sequer destravou.
Os pacotes comprados também revelam quantidades variadas de peças que você pode usar para destravar uma Star Card específica, o que tira um pouco o fator “sorte” da jogada. No entanto, os patamares de evolução determinados pela Electronic Arts fazem com que, ao menos nas horas iniciais de jogo, seja muito mais provável que você tire uma carta evoluída “na sorte” do que evoluindo elas por conta própria.
Cartas especiais e alguns equipamentos também podem ser destravados cumprindo alguns marcos no multiplayer, que geralmente estão relacionados a derrotar uma quantidade específica de inimigos. Isso também contribui para o desequilíbrio das partidas: ao ser recompensado mais por “agir como um Rambo” do que por ajudar nos inimigos, o jogador tem poucas razões para trabalhar em grupo em detrimento de uma quantidade de abates alta.
Esse caráter aleatório, combinado ao fato de que demora muito tempo para acumular os créditos necessários para abrir um único pacote, faz com que Battlefront II logo se torne simplesmente trabalhoso — perfeito para estimular o uso das (até agora bloqueadas) microtransações. E não ajuda nada o fato de que jogadores equipados com Star Cards melhores provavelmente vão te derrotar em campo de batalha — mesmo sem mérito para tanto.
Quando você descarrega seu pente em uma pessoa somente para vê-la se virar e abatê-lo facilmente, há a sensação de que algo injusto está acontecendo. E o game reforça essa sensação com fatos: não raro seu oponente está usando cartas evoluídas que conferem a ele mais vida, uma arma mais poderosa e a oportunidade de ganhar créditos de batalha mais rapidamente.
Na prática, isso não significa necessariamente que o jogador adversário é melhor do que você, mas sim que ele dedicou mais tempo ao game ou teve mais sorte. Quando sua única opção para compensar isso é aceitar que haverá gente que você não consegue vencer justamente (a não ser que abra a carteira para acelerar sua evolução e ficar em termos iguais, algo impossível atualmente), a diversão se esvai diante de uma experiência que claramente está desbalanceada.
Houvesse a opção de participar de partidas em que as Star Cards não estão ativas (ou estão limitadas a seu nível inicial), a sensação de frustração não seria tão constante. No entanto, da forma como as coisas estão, fica claro que a economia de Battlefront II foi criada para destacar suas desigualdades e estimular jogadores a gastar dinheiro extra para ter uma chance de vencer a briga contra quem teve mais tempo e, principalmente, sorte à sua disposição.
Um distúrbio na força
Mesmo com valores de produção muito altos e uma jogabilidade gostosa, Star Wars Battlefront II é um game bastante prejudicado por seu sistema de evolução. Não vou mentir e dizer que não dá para se divertir com o título: a base criada pela DICE é bastante interessante e poucas coisas são tão legais quanto matar vários inimigos em seguida e continuar vivo depois disso.
No entanto, isso não muda o fato de que, após algumas horas de jogo, é fácil ficar com a sensação de que seu esforço não está sendo nem um pouco recompensado. De que adianta trabalhar em grupo, aprender os caminhos de mapas e como flanquear inimigos se eu sei que, mais cedo ou mais tarde, vou ser derrotado por alguém que só deu mais sorte do que eu na hora de obter suas cartas?
Star Wars Battlefront II cumpre muito bem a promessa de ser ainda maior e mais variado do que seu antecessor, isso não há como negar. No entanto, as horas que dediquei a ele deixaram um sabor um tanto amargo na boca, que somente um título que favorece as microtransações no lugar da experiência de jogo é capaz de causar.
após algumas horas de jogo, é fácil ficar com a sensação de que seu esforço não está sendo nem um pouco recompensado
A Electronic Arts parece estar atenta às críticas de fãs (ou aos acionistas da Disney, se podemos acreditar nos relatos) e disposta a mudar como os sistemas do game estão funcionando. No entanto, da forma como as coisas estão atualmente, ainda acho que aqueles que procuram um jogo de guerra com cenários amplos e bonitos vão ter uma experiência muito mais satisfatório ficando com Battlefield 1, mesmo que a ambientação do universo de Star Wars não esteja presente nele.
Categorias
- Valores de produção altíssimos
- História interessante, mesmo que falha em alguns momentos
- Jogabilidade responsiva e gostosa de aprender
- Sistema de evolução que favorece a sorte e microtransações
- Batalhas claramente desequilibradas
- Alguns modos de jogo, como o Ataque, estão praticamente sem jogadores
Nota do Voxel