South Park: A Fenda que Abunda Força é pura genialidade do nome até o fim
Eu sou um grande fã de South Park. Em certa época da minha vida, eu viciei na série e desde então sou um consumidor assíduo de tudo que envolva o desenho. Com mais de 16 temporadas nas costas (eu vi apenas partes 17, 18, 19 e, agora, 20), ter decorado episódios do começo ao fim e ter amado o primeiro game, The Stick of Truth, o novo South Park: A Fenda que Abunda Força se tornou um dos jogos que mais esperava dessa geração.
Indo direto ao ponto: apesar da desenvolvedora diferente, diversos atrasos de produção e muito tempo sem notícias, o game valeu a espera, mesmo com suas falhas. Com uma história muito divertida, combate refinado, mundo aberto com bastante conteúdo e 100% dublado em português, temos um game que honra a série mais uma vez.
Com grandes poderes, vêm muitas gatinhas e grana
South Park: A Fenda que Abunda Força é uma continuação direta do primeiro game, com a brincadeira de Game of Thrones ainda rolando entre a criançada da cidade. Porém, de uma hora para outra Cartman decide mudar o tema do faz de conta por causa de uma recompensa de 100 dólares oferecida para quem encontrar um gato sumido. Nessa hora, a temática medieval sai de cena e entra o universo de super-heróis.
A história do game é simples e divertida igual a qualquer outro episódio da série South Park. O objetivo é encontrar o bichano velho e ganhar a recompensa para começar a sua franquia de heróis na Netflix, assim como conquistar seguidores no Guaxingram para popularizar a imagem da equipe do Guaxinim e Amigos. Contudo, o desenrolar da trama traz diversos enredos secundários e muitos plot twists muito bons que só acrescentam à qualidade final.
A ideia é fazer uma grande sátira do mundo dos quadrinhos e das franquias de filmes da Marvel e da DC. E nisso, o game acerta muito, colocando diversas piadas de Guerra Civil e zoando diretores da DC, como Zack Snyder. Para quem é fã e acompanha o que está acontecendo nesse cenário, vai encontrar piadas muito bem-feitas.
No geral, South Park: A Fenda que Abunda Força não vai te fazer gargalhar de rir, mas é recheado de diversão do começo ao fim. Há um momento ou outro com sacadas geniais, mas o nível das piadas é bom suficiente para gerar boas risadas. Entretanto, muitas delas foram criadas em referências da série e, caso você não seja um fã assíduo, ainda vai se divertir, mas vai perder parte da diversão – como, por exemplo, a aparição de Toalhinha, que sem a devida história de fundo pode não ser entendido pelos jogadores.
Se você acompanha o desenho há tempos, vai se deliciar com a quantidade de homenagens e easter eggs que existem durante a aventura, como restos do Sapo Clyde na casa de Tolkien, cinto de segurança na privada de uma das residências, a máquina de Margaritaville na casa do Stan, menções à negroplastia, exercitador de antebraço no quarto de Shelly, itens com referências à delfinoplastia e muito, muito mais.
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Humor negro de sobra (mas há potencial desperdiçado)
Quando South Park: A Fenda que Abunda Força não está fazendo piadas com referências ou de heróis, sobram críticas sociais, raciais e temos, no geral, uma grande sátira do pensamento atrasado. Não é incomum ver o game zoando com caipiras que detestam ideologia de gênero, com policiais que são extremamente racistas ou a pedofilia da igreja católica. Sem dúvidas, um grande ponto positivo.
Em uma das sidequests, por exemplo, você deve prender um meliante para a polícia da cidade, com a ordem de “procurar qualquer suspeito”. Ao chegar na casa, o rei do crime é um simples cidadão negro, que se assusta com você, o suposto herói, invadindo sua casa. Em outro caso, ao entrar na delegacia com Tolkien (personagem que é negro), um policial exclama: “Meu Deus, um bandido! E ele tem uma criança de refém!”. Há muitos exemplos como esse e não falta humor ácido para pontuar cada um desses desses esteriótipos de preconceito.
Mas South Park não seria South Park se não houvesse zoeira com absolutamente tudo e todos. Há piadas com problematizações chiques – que o jogo chama de microagressões e até as usa no combate – brincadeiras com a variedade de orientação sexual e muito mais.
Pouco do cenário político atual é explorado e o game prefere se manter em um tom mais seguro de críticas
O jogo satiriza o politicamente correto, mas sem ser preconceituoso. Há uma linha tênue que é respeitada e traz um ótimo humor sem criar polêmicas ou confusões. Isso é ótimo, mas o game acaba deixando passar uma oportunidade de ouro em criticar o cenário político atual e não ousa tanto quanto seu antecessor (tanto que não há censura em nenhum país dessa vez). Em outras palavras: A Fenda que Abunda Força prefere jogar no seguro para não ter problemas comerciais.
Até uma das melhores dublagens já feitas tem problemas
Para fechar, tem a cereja do bolo: South Park: A Fenda que Abunda Força é 100% dublado. As vozes originais da série estão todas aqui, do jeito que você espera: recheadas de palavrões, zoeiras e zero pudor. Espere por muitos, muitos palavrões e nenhuma preocupação de censura. É fácil dizer que temos uma das melhores, se não a melhor, dublagens brasileiras já feitas em um jogo.
Contudo, até os melhores falham. Infelizmente, há alguns problemas de sincronização de lábio e problemas técnicos que podem atrasar diversos segundos do som das vozes. Além disso, alguns personagens têm dubladores diferentes, às vezes na mesma cena. Não é algo comum, mas de vez em quando você vai ver que a voz mudou subitamente. Isso não é culpa do estúdio, mas ainda assim é um problema.
Além disso, parte da localização do jogo peca em alguns aspectos. Apesar de ser dublado e ter legendas, muitos materiais da aventura não foram traduzidos nem apresentam legendas, como é o caso de alguns diários, placas e outros elementos do cenário. Se você não domina o inglês, pode acabar perdendo algumas piadas. Vale lembrar que isso não será descontado da nota da análise, mas é bom ressaltar que a versão tupiniquim tem seus problemas.
Texto sem legendas em português
Muitas coisas para fazer, mas não espere um RPG de 100 horas
E a jogabilidade? Afinal, isso é o que mais importa nessa aventura de mais de 20 horas. Mais uma vez, controlamos o Novato. A grande diferença é que agora ele pode ser personalizado com ainda mais opções, como orientação sexual, identidade de gênero, cor, etnia, religião e muito mais. Algumas dessas escolhas impactam o gameplay, como a cor da pele, que vai gerar alguns comentários racistas vez ou outra e dar uma quantia menor de dinheiro ao jogador. Se você for de gênero neutro, as pessoas te chamarão de Novate. De uma forma geral, isso é pouco aproveitado e apenas usado em cenas pontuais.
Toda a polêmica da dificuldade acabou sendo mais um alarde do que uma promessa, já que pouco do anunciado funciona de verdade
South Park: A Fenda que Abunda Força é um jogo bem diferente de seu antecessor, apesar de manter alguns elementos. Muita coisa foi alterada: algumas para melhor e outras para pior. O mundo aberto está maior e com mais lugares para visitar, oferecendo mais exploração para pegar itens e colecionáveis escondidos, como fotos de yaoi e as memberberries, as uvas da vigésima temporada do desenho. Para ajudar, há diversos pontos de viagem rápida.
Para coletar todo esse conteúdo extra, é preciso conquistar peidos - sim, peidos - que dobram o espaço e tempo e ter outros heróis na sua party, como o Capitão Diabetes, que pode derrubar elementos que exigem força, e o Pipa-Humana para alcançar objetos à distância. Além disso, a cidade se transforma durante a noite, mudando muitas coisas e oferecendo ainda mais conteúdo.
Há dezenas de side quests para fazer, todas com animações e diálogos que as tornam tão boas quanto a história principal. Em uma delas, Randy, pai de Stan, pede para você descobrir quem está riscando o carro da sua esposa durante a noite. O plot twist é que o culpado é ele mesmo, que quando está bêbado fica com raiva de sua mulher e risca o carro. Esse humor, que dublado é melhor ainda, é um dos grandes trunfos do game.
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Combate refinado e muito mais ambicioso
Um dos alicerces de The Stick of Truth era o sistema de lutas por turnos bem similar à RPGs clássico. Dessa vez, muitas coisas mudaram e os combates estão mais táticos e podemos movimentar os personagens pelo mapa, usando habilidades atingem diferentes partes do cenário. Pense em algo similar a Final Fantasy Tactics, mas sem a complexidade de ataques laterais ou de retaguarda.
South Park: A Fenda que Abunda Força não é nenhum XCOM, mas é bem mais divertido e robusto que o anterior. Os summons voltam a ter mais importância e podem dar uma ajuda essencial em batalhas mais difíceis. É uma pena que alguns elementos, como obstáculos que requerem um pensamento mais estratégico, aparecem apenas em algumas poucas batalhas.
A variedade de golpes é outro elemento que mudou – e para melhor. Em vez de ter diversas magias e ataques com barra de mana, agora cada personagem tem uma seleção similar a um MOBA: três skills que podem ser usadas à vontade (algumas poucas tem tempo de recarga) e um ataque especial poderoso (a barra de especial é conjunta, portanto, se utilizar com um herói, o outro fica sem). Todas essas mudanças são muito positivas e é ótimo ver que a Ubisoft simplesmente não repetiu a mesma fórmula em um game três anos mais velho.
No geral, o combate é bem balanceado. Eu joguei na dificuldade mais difícil possível (há dificuldade de cor de pele e a de combate) e tive alguns desafios bem bacanas no caminho que me encorajaram a pensar com mais calma. Durante as lutas, há diversos status negativos e positivos que os personagens podem adquirir, alguns golpes empurram, puxam ou trocam o herói de lugar com o inimigo, e cada chefão tem mecânicas únicas. Para finalizar, o Novato também pode usar os peidos que alteram o tempo e espaço para pular turnos de oponentes ou paralisar o tempo e ganhar ações extras.
Cabe a você pensar e montar melhor estratégia durante toda a jogatina Há personagens tanks, de suporte e por aí vai. como. Balancear a equipe e escolher quais habilidades o seu avatar vai ter é uma parte importante do jogo – além de ser muito bem-feita. No começo, você tem à disposição apenas uma classe para o Novato, mas no decorrer da trama vai liberar todas elas, garantindo todos os golpes à sua disposição para criar o herói que achar melhor.
Para fechar com chave de ouro, é muito legal ver como o combate não é apenas algo solto no meio da campanha. Todas as lutas, sem exceção, possuem linhas de diálogo específicas. Se um garoto xingar o personagem de “viadinho”, por exemplo, você tem a chance de dar um soco no agressor, pois se trata de um termo pejorativo e homofóbico. Por fim, a quebra de ritmo acontece de tempos em tempos para lembrar que tudo não passa de uma brincadeira de criança. Vez ou outra, você precisa esperar alguns segundos para um carro passar na rua e você voltar a brincar, por exemplo. Essa atenção aos detalhes é o que faz do game tão único e imersivo.
Algumas coisas sofreram um retrocesso
Apesar de apresentar um alto nível de qualidade, nem tudo são flores em South Park: A Fenda que Abunda Força. Infelizmente, parte do legado do primeiro ficou para trás e há muito menos elementos de RPG por aqui. Muitas mudanças vieram para o bem, mas outros elementos ficaram simplificados até demais.
O sistema de equipamentos, por exemplo, praticamente não tem importância. As roupas e fantasias são puramente cosméticas e todo o poder do personagem vem de Artefatos, itens que aprimoram os atributos. Você até pode correr atrás de receitas para construir objetos mais poderosos, mas se trata de uma mecânica tão rasa que você nem precisa se dar o trabalho. Durante a progressão do jogo, basta equipar os melhores e você estará nivelado com a dificuldade atual – apenas NÃO BATA em Morgan Freeman se estiver fraco.
Há muita customização no game, mas ela é 100% cosmética. Apenas alguns elementos interferem nos atributos
No geral, há menos itens para usar e menor quantidade de elementos de RPG, simplificando bastante a experiência nesse quesito. Mesmo sendo um ponto negativo, ele dificilmente será sentido pela maioria dos jogadores. Pense que se trata de algo que poderia ser melhor, e não uma mecânica que estraga a experiência.
A cara de um episódio do começo ao fim
South Park: A Fenda que Abunda Força não é um jogo ambicioso graficamente. Neste caso, esse nem é o ponto a ser analisado, já que não é necessário falar de qualidade técnica: tentar qualquer coisa diferente seria uma traição aos fãs da franquia. O elemento que deve ser levado em conta é a fidelidade visual.
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Pode apostar: dificilmente um jogo conseguiu ser tão fiel ao material em que foi inspirado. Do começo ao fim, o game é um episódio perfeito de South Park. O estilo de arte com colagens é maestria pura e ilustra de maneira fiel toda a ambientação da série. O que é tosco continua tosco, e isso é ótimo, do jeito que tem que ser.
South Park: A Fenda que Abunda Força é do jeito que deve ser: um game excelente em parecer tosco
Na maior parte do tempo, South Park: A Fenda que Abunda Força roda em 60 fps sem problemas. As únicas exceções são algumas animações que apresentam uma taxa bem menor, mas isso não é um problema, já que se trata de uma decisão para não causar estranheza visual.
Vale a pena?
South Park: A Fenda que Abunda Força é um jogo excelente e que vai divertir os amantes da franquia do início ao fim. A história é muito boa, as piadas são ótimas, o combate foi aprimorado no ponto certo e há diversas atividades para fazer em South Park, gerando uma jogatina de mais de 20 horas. Para completar, tudo está dublado.
Contudo, o game deixa a desejar em alguns pontos, principalmente quando colocado lado a lado com seu antecessor. Alguns elementos de RPG foram retirados e parte do potencial do jogo não foi aproveitado ao máximo. Apesar dos deslizes, South Park: A Fenda que Abunda Força é um jogo quase tão bom quanto o primeiro e traz uma boa dose de diversão.
Este jogo foi gentilmente cedido pela Ubisoft para a realização da análise.
- História simples, mas extremamente bem-feita e fiel à série de desenho
- O jogo é lotado de referências da franquia
- Piadas e críticas na dose certa durante toda a campanha
- Uma das melhores dublagens brasileiras até hoje
- Apesar de não ser um jogo muito longo, todo o conteúdo extra é de qualidade altíssima
- Exploração aprimorada e puzzles divertidos
- As mecânicas de combate estão muito melhores e oferecem desafios bem melhores
- Elementos visuais quase 100% fiéis, tudo em 60 fps
- Existem alguns problemas na dublagem e nem tudo está traduzido ao português
- Alguns elementos de RPG do primeiro jogo se perderam no caminho
- O game poderia ser um pouco mais ousado e fazer críticas mais sérias ou do cenário global atual
Nota do Voxel