Imagem de Song of the Deep
Imagem de Song of the Deep

Song of the Deep

Nota do Voxel
83

Eis o belo resultado da fórmula “Metroidvania” nas profundezas do oceano

Quando Song of the Deep foi anunciado, confesso que não entendi direto a proposta concebida pelo novo título da Insomniac. “É um daqueles jogos de exploração sem objetivo?”, pensei. “Um walking simulator subaquático?”, ponderei. Pois bem, mordi a língua: a nova obra da desenvolvedora é uma aventura cheia de inspiração.

A criatividade do estúdio certamente inspirou, inspira e vai muito inspirar gerações de jogadores e de artistas. O portfólio dos caras é invejável: Ratchet & Clank, Sunset Overdrive, Resistance, Spyro the Dragon e tantos outros, inclusive mobile. Franquias bem-sucedidas no mercado, que geralmente conseguem se distanciar dos tiros desenfreados e das tripas esvoaçantes para trazer fórmulas simples – infelizmente preteridas – de aventura.

Song of the Deep nasceu dessa paixão em trazer uma experiência diferente, que nos faça respirar outros ares e que, sobretudo, consiga ser imersiva. O projeto foi inspirado pela filha de Brian Hastings, um dos chefes-criativos da Insomniac, com o intuito de encapsular uma antiga e singela mensagem: seja lá quem for, você carrega, consigo, a habilidade de superar qualquer adversidade se não desistir e tiver perseverança.

“Song of the Deep é um sonho e uma novidade para todos nós da equipe. Sempre quisemos trabalhar num Metroidvania e, desde o começo, pensamos na ambientação submersa, além de uma forma emotiva de transmitir a narrativa. É um trabalho com muita paixão”, revelou Ted Price, CEO da Insomniac, em entrevista ao TecMundo Games.

Insomniac: portfólio de respeito

Será que, numa indústria ditada por mundos abertos e shooters, ainda há espaço para propostas assim? A pergunta é retórica: é exatamente pelo fato de estarmos saturados com todo o resto que, sim, Song of the Deep pode se espreguiçar à vontade por aqui. Aliás, fez muita falta.

O trabalho artesanal e a narrativa fraternal

A história do jogo aposta na boa e velha fórmula dos contos infanto-juvenis que envolvem laços familiares. A partir dessa premissa, é possível desbravar praticamente qualquer gênero – ação, shooter, RPG e até mesmo corrida ou terror – sem pisar tanto em ovos e com a segurança de que o jogador conseguirá se conectar aos personagens e ao enredo, ainda que minimamente.

A trama de Song of the Deep aposta nessa tese, que não tem idade e mescla essa relativa simplicidade a um sólido gameplay. A narrativa conta as desventuras de Merryn, uma jovem garota que espera o pai voltar do trabalho todas as noites, religiosamente, como em qualquer outra rotina familiar. A diferença é que aqui, bem, temos uma ambientação pitoresca, pois qualquer vida no mundo submerso, a essa altura do campeonato, remete a Rapture, de BioShock – e daí o caráter pitoresco do cenário.

Song of the Deep é apresentado como um conto, inclusive na estética

Eis que, numa noite trivial, o chefe da família não regressa. A garotinha tem uma visão de seu criador encurralado nas profundezas do oceano. Com coragem e determinação, Merryn, sem hesitar, parte em busca de seu educador. Para isso, a aventureira reúne peças, constrói um pequeno submarino e embarca numa jornada rumo ao abismo para resgatar o pai.

Ao longo do percurso, a protagonista se depara com seres bizarros – uns bons e outros maus –, faz novas amizades, descobre ruínas e civilizações perdidas e melhora sua caranga aquática para que o veículo possa se explorar ainda melhor o fundo do mar.

A garota tem personalidade. O roteiro mostra aquela “persona” frágil, delicada, mas, ao mesmo tempo, determinada e corajosa, sem apelar muito ao clichê ou a técnicas “piegas” que podem se tornar enjoativas em contos infanto-juvenis. O que temos é uma história singela, objetiva e bem contada, que se propõe a passar uma mensagem fraternal e que, ao mesmo tempo, consegue ser inteligente – sem jamais ser boçal.

Você pode ficar horas divagando pelo oceano – a exploração é favorecida por isso

Submarino: canivete suíço

Parafraseando a emblemática canção "Yellow Submarine", dos Beatles, Song of the Deep resolve alternar a batida fórmula de progressão em side-scrolling para colocar os jogadores no controle de um submarino com eixo multidirecional, respeitando o 2D, é claro, mas transformando a exploração em uma tarefa menos linear.

O submarino, que até tem os tons amarelos cantados no final da década de 1960 pelo quarteto inglês, é muito agradável de se controlar. Com o tempo, o veículo subaquático pode receber upgrades numa generosa árvore de skills, extensa e cheia de ramificações capazes de consumir os jogadores por horas a fio – umas boas 15 ou 20 para os minuciosos e 10 a 12 aos que optarem por seguir uma linha mais reta.

O gameplay não brilha tanto quanto os gráficos pincelados à mão ou o paternal conto infanto-juvenil, mas consegue ser sólido à sua própria maneira. Por apostar demasiadamente na simplicidade, a equipe deve ter ficado receosa em ousar um pouquinho mais. Não que isso seja ruim; há potencial para agradar gregos e troianos aqui. No entanto, os mais hardcore vão sentir falta de uma pimenta nesse molho, que já é cheio de frutos do mar.

Arte conceitual do submarino, que é cheio de parafernálias

Eu senti essa falta. Ao mesmo tempo em que apreciei cada minuto do amanteigado controle do submarino em meio a espécies aquáticas não catalogadas na natureza, fiquei carente de um desafio maior, alguma surpresa escondida nas conchas do oceano, mesmo na dificuldade Hard. Ela não veio, mas não ofuscou minha diversão, assegurada pelo bom e velho “menos é mais” – ainda que a ressalva precise ser apontada.

O submarino mais parece uma bugiganga multifuncional. No começo, você é um aprendiz do Inspetor Bugiganga: destrambelhado e desorientado com o poder que tem nas mãos. Depois, você empunha um verdadeiro canivete suíço capaz de lançar ganchos, liberar cargas de choque, disparar tiros laser e toda a sorte de projéteis que vão proteger Merryn dos perigos do oceano – com direito a memoráveis batalhas contra chefões de grande porte.

A vastidão do oceano ainda tem muito espaço para imaginação

A ambientação inóspita de Song of the Deep cria uma atmosfera interessante durante as explorações. A transição de cenários funciona muito bem: ora você está em áreas verdejantes, cheias de algas, ora entre restos mortais de cadáveres, ora entre plantas coloridas e por aí vai.

A transição de cenários é um dos pontos altos

Em alguns momentos esporádicos, a garota sai do submarino e nada por conta própria, respeitando seus limites e dando espaço para aquela sensação desesperadora de quando Sonic está submerso e o fôlego começa a terminar. Só faltou a musiquinha igualmente apavorante.

Aliás, a ausência desses momentos mais “tensos” também me deixaram um pouco carente. Song of the Deep é muito preocupado em ser fraternal e às vezes exagera um pouquinho na dose. Em alguns momentos, a aventura até belisca um suspense, mas sem sucesso – e aí volta rapidamente à fórmula casual estabelecida desde o começo. Mais uma vez, o quesito “ousadia” fez alguma falta aqui.

A ausência de alguns chacoalhões durante a jornada pelo oceano pode tornar a exploração um pouco monótona – e aí ela se converte em “andança” em vez de se manter como “exploração”. Ainda assim, o gameplay se sustenta bem até o final porque concede, aos veteranos de plantão, a possibilidade de fazer upgrade de tudo, bem como encontrar os itens escondidos. E isso requer tempo.

Há inúmeros itens escondidos na vastidão do oceano, e muitos só são acessados depois que você coleta upgrades

A história também consegue segurar a barra numa boa. Como não há um compromisso com a complexidade, mas sim um storytelling acessível e contado em formato de fábula, o que temos é um vislumbre que desperta a nossa imaginação sobre os confins da vastidão do oceano – algo que Rapture, de BioShock, também promoveu. A estética, por sua vez, é mais inspirada em algo como Child of Light, uma joia poética da Ubisoft.

Selo Insomniac: vale?

Quando uma desenvolvedora deixa sua marca registrada na indústria de video games, é porque, bem, ela tem uma marca registrada: um aspecto em comum, um elemento proeminente, que destaca a empresa perante a concorrência.

Os jogos que a Insomniac assina têm coisas em comum: personagens caricatos, competência em contar história, visual com estilo e personalidade. Ratchet & Clank, Sunset Overdrive, Resistance e Spyro the Dragon, entre outros, estão aí para comprovar a tese.

Song of the Deep tem a cara da Insomniac: caricato e acessível

Com textos em português, Song of the Deep é o mais novo “irmão” dessa família e também atesta a eficácia dessa talentosa equipe para uma fórmula inexplorada pelo estúdio até então: a fórmula Metroidvania, que não é fácil. Requer máxima atenção aos mínimos detalhes. Avançar, coletar upgrades e retroceder para adentrar áreas antes inacessíveis dá aquela sensação gostosa dos tempos áureos de Super Metroid, Symphony of the Night e afins (os “modernos” Metroid Prime e Lords of Shadow também conseguem ser soberbos à sua maneira).

Ainda que a experiência careça de desafios e tenha algumas ressalvas no gameplay, supracitadas nesta análise, Song of the Deep é uma aventura expressiva. É uma porta que dá asas à nossa imaginação da vida que existe lá nas profundezas do oceano, em meio a fauna e flora, cheio de inspiração – um abismo quase celestial.

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Pontos Positivos
  • A bem-vinda fórmula Metroidvania: por que és pouco aproveitada atualmente?
  • Oceano cheio de vida desperta a imaginação sobre o abismo
  • História fraternal, pincelada à mão, contada em formato acessível
  • A exploração é divertida e requer alguma dedicação para quem quiser coletar tudo
Pontos Negativos
  • A ausência de um elemento desafiador
  • A exploração diverte, mas pode se tornar monótona se você não estiver acostumado à fórmula Metroidvania