Longe do impacto de Amnesia, mas um belo acréscimo ao gênero
Enquanto o gênero terror passa por metamorfose, algumas propostas se apresentam majestosamente para entrar na onda da mudança. Muitas trazem fórmulas que inovam as mecânicas em cima daquilo que já foi estabelecido e outras buscam se consagrar ao “imitar” e aplicar muito bem tudo o que já existe.
Os fãs de Amnesia: The Dark Descent, o aclamado horror psicológico lançado em 2010, têm um novo motivo para reviver a atmosfera macabra criada pelo jogo. Não com a mesma forma, não com o mesmo impacto, mas com uma proposta parecida – inclusive do ponto de vista filosófico. A desenvolvedora Frictional traz agora SOMA, o irmão mais velho de Amnesia, com uma experiência psicológica que não chega a assustar tanto, mas cumpre seu papel com competência.
A perspectiva em primeira pessoa e a temática de ficção científica se unem a uma história cheia de suspense e de reviravoltas. Aqui, o conceito não é exatamente sobrevivência. Trata-se de uma jornada submersa rumo ao desconhecido e ao pitoresco em que o protagonista deve achar respostas para escapar de uma macabra central de pesquisas que fez muita gente de cobaia, inclusive ele próprio. Imagine a Rapture, de BioShock, só que menos populada e no futuro. SOMA é isso.
O aspecto psicológico em detrimento da carnificina
Assim como seu antecessor, SOMA preza pelo aspecto psicológico para construir a atmosfera de jogo. A ideia não é exatamente nova e tem sido amplamente utilizada pela indústria. Depois de Amnesia, alguns títulos chacoalharam o mercado. Nomes como Alien: Isolation, Outlast, Daylight, P.T. (RIP Silent Hills) e, indo mais além, Dead Space, só para citar alguns, claramente servem como inspiração para SOMA. Há um pouco de tudo isso aqui, para bem ou para mal, mas também há identidade própria.
Você é Simon Jarrett, um sujeito comum que sofre um acidente de carro e fica com sequelas no cérebro. O seu médico indica um especialista que tem um suposto tratamento definitivo para o problema neurológico. Ao chegar lá, o protagonista – a essa altura uma vítima – senta numa cadeira, tem os pulsos presos a ela e, então, é submetido a algum tipo de experimento macabro. Quando o personagem acorda, o local está completamente destruído.
Essa fórmula é um tanto previsível, por assim dizer, mas ainda funciona. O gênero terror, apesar de ter constatado belas inovações, também passa por um certo desgaste no meio dessa metamorfose. Acordar no meio do nada sem saber o que aconteceu constrói um mistério que, embora clichê, consegue sustentar a curiosidade do jogador até o final.
Em sua busca por respostas, Simon encontra anotações e arquivos de áudio que ajudam a criar a narrativa e explicar a história por trás de Pathos-2, uma central de pesquisas submersa no oceano. É assim que o personagem descobre estar no futuro, depois de 2100, e submerso, sem fazer ideia do que aconteceu e por quê ele está ali. Quando ele foi consultar o tal “especialista”, estava em 2015. A partir daí, uma velha temática da ficção científica é abordada, mas de forma inteligente: a inteligência artificial.
O inteligente uso da ficção científica para abordar temas filosóficos ainda funciona
SOMA utiliza elementos do horror psicológico para ajudar a construir a atmosfera de jogo. Ao longo da aventura, o protagonista encontra uma série de pistas e objetos com os quais pode interagir para avançar, como chaves de acesso e crachás de identificação. Os objetivos costumam se repetir e nem sempre motivam o jogador. O que pode sustentar você até o final é a curiosidade em saber o desfecho da trama, que parece um romance distópico de Stephen King.
Nesse sentido, SOMA faz um inteligente uso da ficção científica para abordar diversos temas da sociedade, muitos deles com cunho filosófico, numa linha de pensamento parecida com a de Ken Levine, pai de BioShock e System Shock (fortemente filosóficos também). Diversos tópicos da sociedade são inteligentemente abordados: cultura, ciência, inteligência artificial e até mesmo autodescoberta. É curioso, para não dizer grotesco, encontrar robôs que interagem com você como se fossem humanos.
Enquanto explora a submersa estação de pesquisa, Simon se depara com robôs e humanoides que se comportam como pessoas comuns e parecem não ter noção de sua forma. Alguns desses monstros te perseguem, mas não causam pavor.
O conceito de inteligência artificial foi muito explorado pela ficção científica, mas o jogo faz um uso inteligente dessa ideia. Eventualmente você vai estar diante de situações que envolvam filosofia sobre a relação entre máquinas e humanos, e esses são os momentos mais brilhantes de SOMA. Pena que são pouco frequentes e dificilmente assustam. A tensão gerada pelo silêncio traz algum suspense, mas não jogue com as mesmas expectativas que você teve em Amnesia, Outlast ou Alien Isolation.
Gameplay: ritmo lento e sustos ocasionais
Assim como a maioria dos jogos da Frictional, SOMA alterna seu gameplay entre puzzles, exploração e stealth, praticamente sem combate. O ritmo disso tudo, no entanto, tende a ser sonolento. Os puzzles, por exemplo, exigem que você ande em círculos e correm o risco de se tornar maçantes.
Apesar da interação com os objetos, não há necessariamente itens colecionáveis que podem ser encontrados. Portanto, não há tanto incentivo para a exploração – até porque, como quaisquer mapas estão ausentes do menu, você corre o risco de se perder e, assim, acaba optando por seguir a linha reta.
O enredo é, definitivamente, o maior estímulo para continuar jogando. Aqui, há um tempero muito forte de Rapture, só que com um apelo futurista e mais ficção científica em cima dos tópicos supracitados. Além disso, há aquela curiosidade “novelística” em saber o que aconteceu e como o protagonista vai escapar daquele local inóspito. A atuação dos dubladores está impecável, com muito conteúdo em voz e bastante material em texto.
As situações mais tensas envolvem claustrofobia ou alguma criatura robótica grotesca te perseguindo. Contudo, não se engane: elas dificilmente assustam. A tensão gerada pelo silêncio e pela atmosfera é o melhor suspense que você vai encontrar aqui. Claro que isso varia de acordo com cada jogador, mas cabe novamente ressaltar: jogue sem muito hype.
Vale a pena?
É uma experiência que vale ser testada sim. A forma mais segura de jogar SOMA é com as expectativas moderadas. Conforme mencionado, não espere o mesmo impacto de Amnesia ou algo na pegada de Outlast e Alien: Isolation.
Há características desses jogos, sim, mas o maior mérito de SOMA é construir sua própria atmosfera, ter sua própria identidade e saber utilizar a ficção científica inteligentemente ao abordar temas comuns da sociedade. O que é um 80 para mim pode ser um 90 ou um 100 para você. Notas são sempre relativas.
O ritmo parado, por sua vez, pode afastar alguns. Os sustos demoram a vir e, quando vêm, têm pouca intensidade. O horror psicológico foi amplamente utilizado de anos para cá. Portanto, SOMA não passa ao jogador aquele gostinho de inovação, apesar de se esforçar para isso.
A curiosidade em saber o desfecho da história, por outro lado, é o maior estímulo para sustentar a aventura até o final, além da atmosfera, que é muito bem construída. SOMA se apoia em vários conceitos para tentar trazer o que restou de Amnesia e conseguir sua própria identidade – nem que, para isso, seja necessário se perder um pouco no caminho.
Categorias
- Atmosfera submersa macabra
- História envolvente e cheia de boas referências
- Uso inteligente da ficção científica
- Identidade própria que aborda vários temas da sociedade, com ênfase na inteligência artificial
- Ritmo lento, que demora para engrenar
- Puzzles maçantes e pouco estimulantes
- Sustos ocasionais que dificilmente fazem você pular da cadeira
Nota do Voxel