Sifu é o esplendor imperfeito do combate freeflow

A geração que cresceu nos anos 2000 não foi tão impactada por filmes de artes marciais protagonizados por grandes atores, como Jackie Chan e Bruce Lee, mas isso não muda o fato de que sempre que alguém vê uma boa cena de kung fu, os olhos brilham com toda a técnica e a agressividade envolvidas.

Então, quando olhamos para os video games, esse brilho raramente ocorre. Seria a complexidade dos movimentos? A dificuldade de replicar a física? A desenvolvedora indie francesa Sloclap chegou ao mercado com objetivo de mudar esse pensamento, lançando em 2017 o título Absolver. O resultado foi positivo, mas ainda não perfeito, faltava um certo “tchan”.

Depois de muitos anos e muita captura de movimento, Sifu é finalmente anunciado. As piadas com o nome deixamos para vocês, pois viemos falar se realmente a Sloclap acertou nesse jogo, que promete ser um dos melhores de ação em muito tempo.

Quando Pai Mei e Bruce Lee se encontram

Sifu conta a história de um jovem, que pode ser homem ou mulher, em busca de vingança das 5 pessoas responsáveis por assassinar seu pai, o mestre de um dojo de kung fu. Depois de 8 anos se preparando, finalmente chega a hora de acabar com cada um deles.

A premissa, ainda que pouco original, é interessante, mas só serve de fundo para toda a porradaria estilizada que Sifu apresenta. A trama até tenta se desenvolver aqui e ali, mas o que importa mesmo é o soco na boca e o chute na canela, algo que a desenvolvedora francesa Sloclap fez muitíssimo bem.

Só vocês quatro? É melhor chamarem reforçoSó vocês quatro? É melhor chamarem reforço.Fonte:  Voxel 

O combate é fluído, mas faz que cada golpe seja sentido por meio de uma pequena tremida de tela. Montar combos diferentes e úteis é fácil, esmurrando botões em ordens diferentes, mas também é possível usar combinações complexas que vão acabar com quase todos no caminho. O motivo de usar o “quase” na frase anterior é porque em poucas oportunidades o gamer terá toda a liberdade e todo o tempo do mundo para performar as técnicas mais avançadas do kung fu— já que em grande parte do tempo estará rodeado por diversos inimigos.

Em cada uma das cinco fases extremamente lineares, multidões vão impedir a progressão, com todos atacando simultaneamente. Inicialmente, levamos porrada de tudo quanto é canto, sem saber de onde vinham, até que finalmente montamos estratégias de combate, que consistiam em afunilar e raramente estar de costas para mais de um inimigo.

Quando eles avançam, golpear antes é uma opção pouco recomendada, já que o jogo se baseia muito em tempo e padrões, então um bloqueio e uma esquiva dão aberturas para contra-ataques ou respiros.

Tanto o protagonista quanto os adversários têm uma barra de vida e uma de estrutura, com essa segunda sendo essencial de dominar para chegar ao final do game.

O motivo é encher a barra de estrutura do inimigo mais rápido do que esgotar a saúde dele e, quando em sua totalidade, é possível desferir um golpe poderoso que derrota o oponente de uma só vez. Demorou um tempo para nós efetivamente entendermos sua importância, o que estagnou o nosso progresso por longas horas. Bloquear e esquivar são tão importantes quanto bater, em alguns casos até mais relevante.

Vem tranquilo!Vem tranquilo!Fonte:  Voxel 

Assim como a quantidade, o tipo de inimigo também implica na dificuldade do combate. Os “minions” normais tem uma versão um pouco mais forte, mas eles podem ser derrotados após algumas bordoadas. Já os gordões, chutadoras e musculosos, como carinhosamente apelidamos (porque eles não têm nomes), são mais complexos, fortes e necessitam de mais atenção. Apanhar deles pode ser uma complicação, mesmo com uma boa quantidade de vida. Para eles especificamente, golpes com foco são a "melhor pedida", já que o dano é maior, acelerando o processo.

Esses golpes são realizados após uma pequena barra de foco se encher, por meio de bloqueios e porradas. Eles aumentam a estrutura e diminuem a vida dos adversários. Eu sempre fiz questão de guardá-lo para facilitar nos confrontos contra adversários mais fortes ou mesmo contra os chefões, já que a estrutura deles é significativamente maior do que dos outros que enfrentamos.

Não importa o quanto você bate, mas sim o quanto aguenta apanhar e continuarNão importa o quanto se bate, mas sim o quanto aguenta apanhar e continuar.Fonte:  Voxel 

Além da porradaria com as mãos nuas, é possível usar diversas armas brancas para acabar com quem estiver no caminho. Bastões, tacos de beisebol, facas e até tijolos estão espalhados pelo cenário e é extremamente recomendável usufruir deles. Achamos a faca, a partir da fase 3, uma das menos interessantes por seu curto alcance e por afetar mais a vida do que a estrutura, mas ainda é um item útil, principalmente para arremessar nos adversários. Enquanto isso, as outras armas foram uma "mão na roda" contra oponentes fáceis e difíceis.

Dá para dizer que Sifu tem um dos melhores combates do tipo freeflow que já vimos. Variedade bem grande de golpes, suavidade nos movimentos, necessidade de um pensamento estratégico e de ações rápidas fazem ele ser perfeito dentro da ideia de um jogo de artes marciais.

“Eu não consigo enxergar” e outros contos

Porém, nem tudo são flores quando falamos no combate. A câmera é um dos maiores problemas do jogo sem a menor sombra de dúvidas. Ela costuma dar uma pequena afastada quando há muitos adversários, deixando toda a cena mais visível, mas também costuma esconder inimigos e impossibilitar a visualização de algumas paredes, o que complica na hora de esquivar.

Mesmo encostando na mesa, ela ainda não apareceu completamenteMesmo encostando na mesa, ela ainda não apareceu completamenteFonte:  Voxel 

Perdemos a conta das vezes que a vida estava por um triz e faltava pouco para derrotar o adversário, mas a câmera travou em uma posição que nos fez levar um golpe fatal e atrapalhou toda a nossa estratégia.

Não só isso, mas como grande parte da jogabilidade é esmurrar botões, é fácil ficar cansado após poucas horas — já que não há muita variedade no que se faz, principalmente pela quantidade bem grande de vezes que será necessário jogar novamente as fases.

Alguns bugs também foram presentes, mas atrapalharam pouco a jogatina. Os mais comuns foram um de áudio que tira a voz dos personagens por alguns segundos e outro que fez itens no cenário tremer. Mesmo que tenha ocorrido poucas vezes, adversários ficavam presos em um ponto, continuando a atacar, mas sem conseguir sair do lugar. Vale ressaltar que a versão jogada não tinha o patch de day one, que provavelmente corrigirá esses e outros bugs pequenos.

Vai pra onde com esse banquinho?Vai para onde com esse banquinho?Fonte:  Voxel 

Qual é a minha idade mesmo?

Ainda que o combate seja o maior charme de Sifu, ele não é o maior diferencial. O jogador começa com 20 anos de idade e tem até os 70 para acabar com os 5 malfeitores. Sempre que é morto por um adversário, um contador exponencial começa, adicionando inicialmente 1 ano à sua idade. Se for derrotado novamente, serão 2 anos e assim sucessivamente. Caso passe dos 70 anos e morra, é fim de jogo. Para diminuir a contagem, o jogador precisa derrotar alguns inimigos específicos ou zerar tudo em um dos totens de upgrades espalhados pelo mapa. Essa mecânica lembra um pouco Deathloop, da Arkane Studios, mas tem muita originalidade envolvida.

Imagens de pura dor e sofrimentoImagens de pura dor e sofrimento.Fonte:  Voxel 

O envelhecimento diminui a saúde, aumenta o dano, proíbe o desbloqueio de novas habilidades e dificulta muito a jogatina por uma questão simples: o jogador começa a fase com a idade mais nova do que chegou nela.

Se o jogador derrotar o chefão do 1° nível com 56 anos, ele vai começar o 2° nível com 56 anos e o contador de mortes exatamente como terminou no nível anterior, o que o deixa bem mais perto da derrota. Se a situação estiver ruim em fases mais avançadas, felizmente não é necessário recomeçar do zero, somente voltar em alguma que o gamer achar possível terminar mais novo.

Ao avançar em uma fase, atalhos são desbloqueados para as próximas tentativas por meio de chaves e cartões, cortando longas e chatas batalhas ou até dando caminho direto ao chefão. Isso evita que o cabelo fique branco, já que pequenos erros podem custar anos para o nosso vingador.

Mesmo velhinho, ele ainda desce o sarrafoMesmo velhinho, ele ainda desce o sarrafo.Fonte:  Voxel 

Juntando esses "corta caminhos" com a brilhante mecânica de idade, sentimos que fomos convidados a jogar novamente as fases para ficar mais jovem e ter mais chances nos níveis avançados.

O game também incentiva a ser mais corajoso, já que enfrentar adversários opcionais fortes para diminuir o contador é arriscado, mas vale a pena. Se a mobilidade fosse afetada, isso poderia criar uma real complicação para os jogadores, o que felizmente não acontece.

Como curiosidade, vale ressaltar que essa mecânica é um furo de roteiro dentro da trama, já que, mesmo com com 40 anos, os vilões tratam o protagonista como se ele tivesse 20, mas isso não tira nem um pouco a genialidade do game.

Quando o controle explode na parede

Demoramos para abordar esse aspecto, mas não teria como não falar: Sifu é difícil. A famosa frase “git gud” dos jogos soulslike se aplica aqui com esplendor, já que o jogador vai apanhar muito até finalmente entender o timing de cada adversário, seus padrões e quando eles vão dar abertura para bater. Isso provavelmente afastará jogadores mais casuais ou aqueles que não lidam bem com frustração.

O problema mesmo é no final da segunda fase, que tem um pico gigante de dificuldade. Antes de enfrentar o chefão, chamado O Lutador, temos que passar por dois desafios, sendo que o segundo é muito difícil, colocando o jogador em desvantagem antes de finalmente chegar ao seu objetivo.

Como se não bastasse, o 2° dos 5 bosses é um dos mais difíceis de todos da campanha. A gente deve ter passado aproximadamente 9 horas só nessa fase, pois ou morria de forma ridícula, ou terminava com mais de 60 anos, sendo praticamente impossível progredir.

Eu nem consigo explicar o meu ódio por este homemNem conseguimos explicar o nosso ódio por esse homem.Fonte:  Voxel 

Definitivamente a Sloclap errou "na mão" com essa fase. A única forma que conseguimos efetivamente derrotar o chefão foi defendendo, correndo e usando o golpe de foco. Pode ser que muitos tenham mais facilidade nessa fase, assim como tivemos na primeira enquanto outros estavam passavam sufoco, mas já é um aviso de que quem decidir se aventurar: vai sofrer bastante.

Vale ressaltar que a dificuldade não é de forma alguma um ponto negativo, já que é um dos charmes do título, fazendo-nos aprimorar nossas habilidades e evoluir os reflexos para enfrentar diferentes tipos de oponente ao longo da campanha. A crítica é para o pico de dificuldade desbalanceado em relação à aventura toda, já que a curva de aprendizado não é exponencial e há poucos momentos tão desafiadores quanto o segundo nível.

Beleza, caos e performance

A gente não poderia encerrar sem falar do quão lindo Sifu é. Cada uma das cinco fases apresenta visuais e trilhas sonoras diferentes, imergindo mais o jogador no mundo daquele chefão, seja um clube noturno, seja um cartel de drogas, seja um prédio corporativo. O destaque vai especialmente para a terceira fase, em que estamos em uma exposição de arte que faz os olhos brilharem do começo ao fim por causa das cores, dos estilos e das interações possíveis.

Essa imagem é como uma poesia visualEssa imagem é como uma poesia visual.Fonte:  Voxel 

Já os menus, assim como no já citado Deathloop, são meio caóticos. No começo, ficávamos com medo de jogar de novo alguma fase ou voltar para uma área, pois as mensagens de confirmação que apareciam não eram muito claras. Com o tempo, a gente se acostuma, mas não sem "quebrar a cabeça".

Por fim, o desempenho dele no PC, que foi bom, mas esperávamos mais. Jogando em 1080 p na configuração Alta com uma NVIDIA RTX 2060, ele ficou estável a 60 FPS, mas apresentou queda de quadros em transições de cenários. Considerando que a desenvolvedora recomenda uma GeForce GTX 970 ou uma Radeon R9 390X, a gente realmente esperava um pouco mais.

Cada porta aberta é uma engasgada pela placa de vídeoCada porta aberta é uma "engasgada" da placa de vídeo.Fonte:  Voxel 

Veredito

Sifu é um dos melhores jogos de ação. Com combate divertido junto à criativa mecânica de envelhecimento faz que ele seja um título essencial para os fãs de artes marciais, cultura chinesa e ação desenfreada. Porém, a alta dificuldade dele, principalmente no começo da campanha, pode complicar a vida de diversos jogadores, assim como a câmera problemática. Foram 20 horas de muito divertimento, mas com algumas frustrações que serão lembradas.

Sifu foi gentilmente cedido pela Sloclap para a realização desta análise.

O combate freeflow chegou ao seu ápice ao ser exposto ao kung fu de Pai Mei. Sifu é uma imperfeita obra que trata das artes marciais como elas merecem: respeito e admiração.

Nota Voxel: 85

Pontos positivos

  • Combate fluido e cheio de opções.
  • Mecânica de envelhecimento extremamente criativa.
  • Convidativo a novas tentativas para melhorar o desempenho.
  • Visuais lindos e diferentes entre as cinco fases.
  • Variedade de adversários.

Pontos negativos

  • Câmera mais atrapalha do que ajuda.
  • Problema de balanceamento na dificuldade.
  • Bug de som e personagens travados.
  • Menus confusos.
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Pontos Positivos
  • Combate fluido e cheio de opções
  • Mecânica de envelhecimento extremamente criativa
  • Convidativo a novas tentativas para melhorar o desempenho
  • Visuais lindos e diferentes entre as cinco fases
  • Variedade de adversários
Pontos Negativos
  • Câmera mais atrapalha que ajuda
  • Problema de balanceamento na dificuldade
  • Bugs de som e personagens travados
  • Menus confusos