Interessante, variado e cheio de mistérios, mas ainda longe do ideal
Desenvolver um jogo de detetive sem cair na armadilha de criar um simples título de ação abarrotado de puzzles e enigmas forçados é algo que por si só já seria bastante difícil para a maioria das empresas. Considerando o peso que a figura de Sherlock Holmes tem para os fãs de mistérios e toda a atenção que o personagem vem ganhado no cinema e em seriados televisivos, o trabalho da Frogwares era esperado com grandes expectativas.
Em 2014, a desenvolvedora conseguiu chegar a uma resposta interessante para esse desafio, com Sherlock Holmes: Crimes & Punishments. No título, a empresa aplicou um sistema por meio do qual os jogadores ficam responsáveis não somente por encontrar todas as pistas dos casos investigados, mas também juntar os fatos descobertos e chegar a uma conclusão que faça sentido, de forma que cai sobre eles o peso de garantir que estão acusando o suspeito correto.
No mais recente título da série, The Devil’s Daughter, a Frogwares aplica esse mesmo conceito a cinco casos distintos envolvendo todas as peculiaridades do famoso detetive britânico. Mas será que essa estrutura consegue prender a atenção dos jogadores? Será que as capacidades intuitivas e imaginativas quase sobrenaturais de Sherlock conseguem ser representadas com qualidade no jogo, mas sem deixar os desafios fáceis demais? É o que veremos a seguir.
Londres em boa forma
Visualmente falando, não há dúvidas de que The Devil’s Daughter é o melhor jogo já feito para o famoso detetive. Ainda que alguns ambientes, como o apartamento de Sherlock em Baker Street e a Scotland Yard, pareçam familiares para quem acompanha a franquia, os gráficos certamente foram retrabalhados para oferecer mais detalhes e, nesse sentido, não ficam devendo muito aos games AAA dos últimos anos.
Diferentemente dos títulos anteriores, o novo permite que você simplesmente saia andando pelas ruas de Londres e aprecie tudo o que acontece na cidade. Os ambientes realmente passam uma sensação de vida, com personagens conversando entre si e executando seus afazeres sem dar qualquer atenção aos jogadores. A sensação geral é agradável e poderia ajudar a prender os jogadores, mas alguns problemas acabam interferindo.
O jogo acaba perdendo boa parte do seu impacto visual por conta de frequentes quedas na taxa de quadros por segundo, que ocorrem especialmente em momentos de ação. Além disso, ele também sofre bastante com a presença do chamado pop-in, um fenômeno que faz com que alguns elementos do jogo só sejam carregados depois dos demais e, por isso, surjam magicamente na tela quando o game já está rolando.
Esse último aspecto é mais perceptível quando utilizamos um dos pontos de viagem rápida para ir de um cenário para o outro – algo que se torna frequente já no primeiro caso, que exige constantes idas e vindas entre vários locais. Isso, aliás, nos força a tratar de um dos aspectos mais incômodos de The Devil’s Daughter: as telas de loading.
Detetives precisam ser pacientes
Por mais que o novo jogo de Sherlock ofereça uma cidade viva e bela para que possamos explorar de forma relativamente livre, a falta do que fazer fora dos ambientes ligados ao caso investigado logo levam os jogadores a depender do sistema de viagem rápida para ir e voltar entre os vários cenários. Cada transição, no entanto, é acompanhada de uma tela de carregamento de alguns minutos, algo que se torna extremamente cansativo e exige paciência.
Durante esse loading, o jogo nos dá a opção de explorar a pasta de evidências para estudar melhor as pistas encontradas e abrir a interface de dedução para ligar os fatos descobertos e tirar conclusões. No entanto, esses elementos podem ser acessados a qualquer momento, de forma que você geralmente já vai ter extraído tudo o que poderia das pistas que tem quando o longo carregamento começar – e então simplesmente terá que esperar.
A coisa toda se torna particularmente irritante em ocasiões que poderiam ser resolvidas com uma simples cutscene. No primeiro caso, por exemplo, Sherlock percebe que precisará contar com o olfato de seu mascote canino para seguir os rastros deixados por um homem desaparecido, o que nos força a ir até seu apartamento em Baker Street só para buscar o cachorro e voltar para o ambiente em que estávamos – encarando o loading duas vezes no processo. Ao menos o trabalho resulta em um divertido momento em que podemos controlar o animal.
Algo novo o tempo todo
A situação mencionada acima, na qual o jogador deve guiar o cachorro de Sherlock para seguir um cheiro específico, é apenas um exemplo da enorme quantidade de mini games variados que estão presentes em The Devil’s Daughter. Uma boa dose de novas mecânicas é introduzida em mini games presentes em cada um dos casos, e somente alguns deles voltam a dar as caras em histórias posteriores.
Enquanto isso pode ter um aspecto negativo, já que elementos realmente divertidos acabam aparecendo somente uma vez, a adição constante de novos tipos de ação serve para garantir que o jogo consiga ir do começo ao fim sem jamais passar uma sensação de repetitividade. Ao prosseguir no título, o jogador pode ter a certeza de que sempre terá algo novo para fazer.
Ao mesmo tempo, essa adição constante de novos mini games diminui o impacto negativo que alguns deles poderiam ter se aparecessem com frequência. Seria fácil ficar irritado se a tediosa partida de bocha disputada em certo momento fosse algo frequente no jogo, por exemplo. E caso alguma dessas atividades seja difícil ou chata demais para você, o jogo permite que elas sejam puladas sem qualquer tipo de penalidade para quem quer apenas se focar na história.
Tramas dignas de Sherlock
Com relação ao enredo propriamente dito, The Devil’s Daughter segue a premissa de seu antecessor e chega na forma de cinco casos distintos, que se desenrolam de forma independente uns dos outros. Os mistérios envolvidos nas investigações são tramas realmente dignas de uma história de Sherlock Holmes, envolvendo nobres ingleses corruptos, maldições ancestrais da civilização maia e até mesmo a crescente fama do próprio detetive.
Ligando sutilmente um episódio ao outro, o jogador vai descobrindo mais sobre o verdadeiro pai da filha adotiva de Holmes, Kate, e se vê interferindo diretamente na relação entre os dois enquanto cada um dos casos vai progredindo. Ao mesmo tempo, é preciso encarar a presença da misteriosa nova vizinha do detetive, Alice De Bouvier, e desvendar os motivos reais da sua aproximação.
Em geral, The Devil’s Daughter conta com um roteiro realmente bem escrito e a histórias, tanto de cada um dos casos quanto do arco que une todos eles, são interessantes e cheias de reviravoltas. O próprio Holmes aparece com um estilo menos enfadonho e mais próximo de sua versão cinematográfica, proporcionando até mesmo momentos cômicos enquanto usa truques inteligentes para resolver assassinatos obscuros.
Armas de um investigador de elite
Para resolver cada um dos casos em que se envolve, Sherlock tem que fazer uso de todos os truques ao seu dispor, forçando ao máximo suas enormes capacidades de observação, dedução e imaginação. Em The Devil’s Daughter, a Frogwares conseguiu refinar os pontos fortes presentes em outros games da série e representou muito bem todas as habilidades do icônico detetive.
Ao encontrar um novo cliente ou suspeito, por exemplo, Holmes usa sua visão aguçada e intuição para notar aspectos que poderiam não significar nada para outras pessoas. Dessa forma, por exemplo, ele entende que a presença de remendos bem-feitos na roupa de um garoto é um indício de que ele é bem cuidado por seus pais e que, portanto, a magreza da criança não é fruto de maus tratos, mas sim da pobreza da família.
Essas observações viram pistas, que por sua vez podem ser usadas como argumentos para expor mentiras em interrogatórios, forçando os suspeitos a revelar um pouco mais da verdade. Somando-se a isso, há ainda as evidências obtidas por meio da exploração dos variados e belos ambientes do jogo, que também adicionam novas bases para que Sherlock desenvolva suas teorias a respeito de quem é o culpado do caso.
Lógica inquestionável
Todas as informações obtidas ao longo da investigação dão ao detetive uma grande lista de fatos, cabendo ao jogador juntá-los para formar hipóteses sobre o mistério em questão. Isso tudo é feito por meio do modo de dedução, que simula visualmente o interior da mente de Holmes. Ao juntar dois fatos relacionados, um novo elemento se acende na forma de um neurônio, que pode se juntar a outros para dar origem a novas teorias.
É nesse ponto que a franquia da Frogwares brilha mais, já que muitos dos fatos podem ter mais de uma interpretação e, assim, é possível criar cadeias de raciocínio que podem levar os jogadores a culpar suspeitos diferentes. Dessa forma, o jogo conta com múltiplas possibilidades de final para cada um dos casos, deixando em nossas mãos o dever não apenas de garantir que as evidências foram estudadas com cuidado, mas também de culpar ou absolver o responsável pelo crime em questão.
Enquanto essa liberdade aumenta a sensação de que realmente entramos no papel do famoso detetive britânico e incentiva jogar novamente para ver outros finais, há também um aspecto negativo. Como The Devil’s Daughter não questiona as decisões tomadas, o título não dá aos jogadores a satisfação de saber com certeza que chegaram à resposta correta e realmente desvendaram o mistério em sua totalidade.
Vale a pena?
Considerando todos os aspectos, é possível dizer com segurança que Sherlock Holmes: The Devil’s Daughter consegue manter elementos que deram certo em títulos anteriores da série e melhorar alguns pontos de menor destaque. Ainda assim, nem mesmo os belos gráficos e a semelhança com o estilo mais cinematográfico do famoso detetive conseguem realmente aproximar o jogo de um público mais mainstream.
O game realmente consegue fazer com que você se sinta na pele de um investigador com habilidades sobre-humanas ao mesmo tempo em que não facilita demais as coisas. A favor do título também estão a bela reprodução dos diversos ambientes da Londres vitoriana e a grande quantidade de mini games com mecânicas únicas, o que garante boa dose de diversão e afasta qualquer risco de repetitividade.
No entanto, o título ainda sofre com alguns problemas técnicos, em especial a queda da taxa de quadros e a questão do pop-in, o que quebra parte do impacto de seus belos gráficos. O maior incômodo, de longe, é a presença constante de longos períodos de carregamento, o que só é piorado pela frequente necessidade de viajar entre os vários cenários.
Além disso, as mecânicas em geral ainda não estão no nível de verdadeiros títulos AAA, especialmente nos breves momentos de ação – o que pode afastar a parte do público que não está acostumada com esse tipo de jogatina. Somando todos os pontos levantados, Sherlock Holmes: The Devil’s Daughter surge como um ótimo game para quem é fã do detetive, da franquia de jogos da Frogwares ou dos clássicos mistérios no estilo point-and-click, mas ainda assim não conseguiria agradar a uma parcela mais abrangente de jogadores.
- Gráficos belos e detalhados dão vida à Londres vitoriana
- Grande quantidade de mini games com mecânicas únicas
- O sistema de deduções faz você realmente se sentir na pele do detetive
- Os casos têm tramas e reviravoltas bastante interessantes
- Divertido para quem é fã de Sherlock, histórias de detetives e jogos point-and-click
- A falta de uma "resposta correta" indiscutível diminui a satisfação de resolver os casos
- Telas de loading são constantes e excessivamente longas
- Embora os gráficos sejam belos, o jogo sofre com frequentes quedas de frames e pop-in de elementos e texturas
Nota do Voxel