Sea of Solitude é um estudo nada sutil sobre ansiedade e depressão
Parte do selo EA Originals, Sea of Solitude é um game com uma proposta bastante diferente de tudo o que costumamos associar ao nome da Electronic Arts. No lugar de uma produção Triplo A com uma história supostamente grandiosa e recheada de microtransações, temos um conto intimista e essencialmente solitário, feito para durar somente algumas poucas horas.
Nela, somos apresentados a Kay, uma garota com características monstruosas que se encontra em um universo tomado pela água e pela escuridão. Logo de cara, sabemos que ela tem que lidar com conflitos internos complicados, que tomam vida na forma de monstros que barram seu caminho e lembram das limitações e culpa que ela carrega.
Com aproximadamente 4 horas de duração, Sea of Solitude convida você a desbravar esse novo ambiente para entender os problemas de Kay e tentar encontrar uma forma de não se transformar completamente em um monstro. Pelo caminho, o jogador vai encontrar outras figuras que, guiadas por mágoas, rancores e inseguranças que nunca souberam resolver, desempenham um papel importante na jornada de crescimento da protagonista.
Sutil como uma pedrada em uma vidraça
Talvez na tentativa de se tornar mais acessível, Sea of Solitude é um game que não traz nenhuma sutileza em suas metáforas. A “monstruosidade” é apontada logo de cara como uma metáfora para pessoas que se deixaram dominar por sentimentos que a afastam dos demais, ao mesmo tempo em que causam dor interna e a sensação de que não há uma saída daquilo.
Os diálogos também não dão espaço para que o jogador leia nas entrelinhas ou tente entender a partir de ações o que o jogo quer transmitir. Isso resulta em uma experiência que transmite uma mensagem muito clara, mas que, nisso, perde a oportunidade de explorar algumas nuances tão necessárias a questões como depressão e ansiedade — cuja cura não necessariamente possui um caminho único ou respostas fáceis (ninguém deixa de sentir isso simplesmente porque quer).
O resultado disso foi um game que, ao mesmo tempo que conseguiu me transmitir uma mensagem de esperança e deixou claro que não podemos nos responsabilizar totalmente pela felicidade (ou sofrimento alheio), parece que não teve a sensibilidade suficiente para tratar da própria Kay. A solução final me pareceu simplista e previsível, não deixando espaço para sutilezas que poderiam suscitar uma discussão mais aprofundada sobre os temas tratados.
Gameplay simples (que não é o foco)
Sea of Solitude é daqueles games que precisamos analisar mais pelo tema e metáforas do que pela proposta mecânica. Caso contrário, teríamos em mãos somente um título de plataforma simplista e sem grandes desafios, que se perde na repetição de tarefas como encontrar pontos de interesse bem delineados ou pular de plataformas no tempo certo para escapar de inimigos.
O game se foca na exploração de ambientes cujas características mudam junto à evolução da trama e que escondem alguns dois tipos de itens para os “miletadores”. Além de poder espantar gaivotas, Kay encontra diversas mensagens em garrafas que ajudam a enriquecer a trama e mostram que outra pessoa já traçou um caminho semelhante — com resultados que podem ser diferentes daqueles encontrados pela protagonista.
De certa forma, o fato de o game ser curto beneficia seu gameplay que, em última instância, não possui grande complexidade. Particularmente, não me incomodei com a repetição ou com os pequenos problemas de colisão que encontrei, mas senti que as soluções mecânicas para vencer obstáculos ou “purificar” certos elementos poderiam ser mais variadas.
Vale a pena?
Sea of Solitude é imperfeito tanto como jogo quanto como mensagem e metáfora, mas fico feliz que ele exista. Embora não acredite que a desenvolvedora Jo-Mei Games tenha sido bem-sucedida em sua tentativa de falar sobre temas consideráveis sensíveis, é positivo que tais tentativas existam e estejam disponíveis para o público.
Se a maneira como assuntos como ansiedade, depressão e tristeza são tratados de forma nada sutil, o game ao menos consegue trazer a reflexão sobre a maneira como lidamos com isso. Além de mostrar que esses sentimentos nos afetam de maneira individual, o game consegue mostrar que eles podem nos distrair do sofrimento alheio e que, muitas vezes, o compartilhamento de angústias e simplesmente ouvir podem ser o suficiente para crescermos.
Mecanicamente limitado, Sea of Solitude é aquele tipo de game que não necessariamente vale o valor cheio, mas que é uma boa oportunidade para conferir em uma promoção. Caso você goste de jogos artísticos e profundos, até vale dar uma chance para a história de Kay, mas existem títulos com uma pegada semelhante que merecem mais a sua atenção.
Categorias
- Identidade artística belíssima
- Trata bem de alguns temas delicados, embora falte sutileza à sua história
- Tem a coragem de falar sobre assuntos que nem sempre fazem parte de produtos culturais
- Metáforas nada sutis e que são “esfregadas na cara” do jogador
- Colecionáveis que fazem pouca diferença para o jogo além de inchar sua duração
- Gameplay mediano, sem grandes desafios ou ideias originais
Nota do Voxel