O dia em que Keiji Inafune quase produziu outro game bom
Keiji Inafune. A essa altura, muitos já conhecem o nome do célebre criador de Mega Man, um dos personagens mais icônicos do mundo dos games. O produtor fez sua fama na Capcom graças aos jogos do robozinho azul, além de ajudar na produção de títulos de séries como Resident Evil e Onimusha. Porém, de uns tempos para cá vem se arriscando em novos projetos em seu estúdio recém-formado, a Comcept.
Um dos primeiros títulos (e pra lá de aguardado por muitos) a nascer graças ao novo estúdio foi Mighty No. 9. Assim que ele foi anunciado, muita gente se alegrou ao imaginar que estaria diante de um game digno da era áurea de Mega Man, mas ele acabou se mostrando uma experiência relativamente medíocre, para infelicidade de um bom número de jogadores.
No meio de todo esse rebuliço, Inafune já tinha seu nome envolvido em um novo projeto: ReCore. Anunciado durante a E3 2015, ele ganhou a atenção do público por apresentar mecânicas que contemplam coletar esferas de oponentes, um companheiro para ajudar em batalha, elementos de plataforma e alguns outros detalhes que tinham de tudo para fazer com que esse se tornasse um título memorável entre os exclusivos da Microsoft.
Admirável mundo novo
Partindo para a experiência pessoal: assim que vi o trailer do jogo durante a E3 do ano passado, fiquei curioso para saber como a mecânica de jogo iria funcionar – afinal, tínhamos a oportunidade de ver Joule, a protagonista do game, obtendo o que parecia ser uma esfera de energia. Entretanto, qual seria a sua utilidade? Que benefícios ela traria? Com o jogo em mãos, tudo fica mais claro.
O seu objetivo na campanha é vagar pelo mundo coletando esferas de tipos variados que são úteis não apenas para auxiliar no desenrolar da história (aqui, Joule é uma das poucas pessoas que estão aptas a lutar para restaurar o equilíbrio e colocar as coisas em ordem), mas também para melhorar os atributos dos companheiros. Para minha felicidade, isso acontece de uma forma bastante parecida com a vista em Pandora’s Tower (RPG exclusivo do Wii e um dos meus títulos favoritos do console).
Em vez de simplesmente descer o sarrafo em qualquer um que se coloque no caminho e esperar que esses itens conhecidos como núcleos apareçam magicamente na sua frente, é preciso atacar os adversários até a sua barra de energia atingir um marcador indicado por duas setas (uma em cima e uma embaixo do medidor de vida do oponente). Quando isso acontece, você tem a oportunidade de obter o núcleo desse inimigo, que tem a coloração exibida no corpo do oponente.
“Ah, mas isso é fácil”, alguns podem imaginar. Realmente, em diversos momentos essa não será uma dor de cabeça, especialmente se você calcular bem o momento de realizar tal ação. Entretanto, é nos confrontos contra os chefes que o bicho pega, especialmente ao observamos aqui uma mecânica vista no RPG para Wii mencionado acima: há um momento específico para coletar o seu núcleo, e ele só é derrotado quando isso acontece. Perder essa oportunidade significa vê-lo recuperar parte da energia e você recomeçar o processo a partir de um determinado ponto.
Para nossa sorte, há alguns detalhes que indicam se vamos conseguir realizar essa tarefa com sucesso ou não: a cor da corda do acessório utilizado pela protagonista. Se ele ganhar uma coloração vermelha, significa que o elo está fraco e você precisa de intervalos entre os movimentos para que tudo se normalize; caso essa marcação seja brilhante, tudo que você pode fazer é lamentar (pois a ligação será quebrada) e realizar o procedimento novamente no momento oportuno.
Ideias já vistas – e que funcionam
Lembro-me que, durante a Brasil Game Show 2016, um dos jogos que me chamou a atenção no estande da Microsoft foi exatamente ReCore – e ele nem precisou de muito para isso, pois com alguns minutos de observação eu pude perceber que o título trazia uma dinâmica muito parecida com a vista em um dos meus títulos favoritos da era Nintendo 64: Jet Force Gemini, jogo de tiro em terceira pessoa que foi desenvolvido pela Rare.
Ao entrar em contato com o título, pude perceber que esse sentimento não era fruto da minha imaginação. Joule realmente pode se deslocar de algumas formas enquanto ataca os oponentes, da mesma maneira que Juno, Vela e Lupus no game para o console da Nintendo. A grande diferença aqui é o fato de que temos apenas quatro tipos de tiros para usar: branco, azul, amarelo e vermelho.
Mais que indicar o elemento que eles representam (tomando como base a ordem acima, neutro, gelo, eletricidade e fogo, respectivamente), elas funcionam como um indicativo de qual equipamento vai ter mais força sobre um determinado inimigo. Com exceção dos chefes, que podem passear livremente por todas as cores, os demais oponentes são representados por uma das colorações mencionadas.
Isso ajuda a conferir um pouco mais de dinamismo aos confrontos (afinal, dificilmente você vai ficar usando o mesmo equipamento todo tempo), especialmente nas batalhas contra os chefes. Aliás, posso dizer que esse é um dos elementos mais divertidos do game, especialmente quando percebe que tais oponentes forçam a trabalhar algumas estratégias variadas para se dar bem.
Perdido em um mar de areia
Ao mesmo tempo em que ReCore se esforça para trazer boas ideias (como as mencionadas acima), ele também tropeça em alguns pontos que poderiam ser facilmente melhorados para oferecer um pacote ainda mais completo para o público. Um deles é o fato de que Joule pode andar na companhia de alguns parceiros, sendo que cada um deles possui um poder especial que ajuda a explorar determinados aspectos do cenário.
De cara, a protagonista tem a companhia de Mack, o cachorro com a habilidade de rastrear e cavar buracos em busca de itens, mas posteriormente ela acaba entrando em contato com outros, como Seth e Vulcan, apenas para citar alguns exemplos. É verdade, eles até ajudam nas batalhas, mas todos possuem a mesma função: atacar ou usar habilidades especiais.
Tendo em vista que algumas habilidades são um pouco diferentes (Seth, por exemplo, pode levar a protagonista por trilhos a lugares mais altos), seria interessante ver algumas dessas técnicas em ação durante os confrontos, pois adicionaria um ritmo diferente ao que é visto nas lutas.
Outro ponto que pode incomodar depois de uns quatro ou cinco calabouços é o fato de que muitas mecânicas acabam se repetindo em diversos deles, sendo a mais comum encontrar pequenos robozinhos para que eles se encaixem em botões que são úteis para liberar o acesso a uma área.
Claro, não podemos negar que isso acaba colaborando um pouco para que os elementos de plataforma sejam utilizados (algo que funciona muito bem e merece elogios), mas de repente a equipe de desenvolvimento poderia variar isso um pouco mais para a mecânica não se tornar tão repetitiva cedo demais (afinal, praticamente todo calabouço possui uma tarefa como essa).
Para não dizer que não falei dos “loads”
E, claro, eis aqui um ponto que infelizmente deve aparecer na nossa análise. Sim, ReCore possui telas de carregamento. Muitas. Várias. E não são coisinhas rápidas de acontecer, pois cada uma delas leva em média dois minutos para terminar – dependendo do seu desespero, esse certamente é um tempo muito longo.
Precisa de exemplos? Então vamos lá: pense que você está lutando contra um chefe e é derrotado por não usar uma estratégia boa. Dois minutos de carregamento. Você decide trocar de investida e percebe que a segunda também não foi muito boa – mais dois minutos de espera. No final, você vai acabar percebendo que uma quantidade considerável de tempo que passa com o jogo vai ser visualizando telas como essa, o que não é nada divertido.
Vale mencionar que testamos o game na versão digital para Xbox One e não tivemos a oportunidade de verificar como a edição para computador se comporta nesse aspecto. Caso tenha feito a “prova dos 9”, sinta-se livre para compartilhar os resultados com os demais leitores na área para comentários.
Vale a pena?
Em linhas gerais, ReCore está longe de ser a maior atrocidade que já vimos para Xbox One ou PC, mas também não possui força para competir com títulos mais tradicionais, como Gears of War, Halo e outros que fizeram história nos consoles da Microsoft.
Se por um lado ele conta com pontos que devem ser melhorados (como a questão dos métodos para avançar em calabouços, uso dos assistentes – aliás, eles podem receber melhorias para ficar mais fortes conforme progride na aventura – e alguns outros detalhes), traz outros que certamente despontam como recursos importantes, como a forma de eliminar os chefes, o sistema de combate e até mesmo as mecânicas de plataforma.
Tenha em mente apenas que este é um game que você provavelmente vai jogar apenas uma vez e depois deixá-lo encostado por um tempo, tendo em vista que ele traz apenas uma campanha para acompanhar (a história é razoável e até consegue prender a atenção, e a dublagem do título ficou satisfatória) – ou seja, nada de multiplayer com os amigos após concluir a aventura principal.
- As mecânicas de combates contra os chefes são divertidas
- Um tiroteio tão dinâmico quanto o visto em Jet Force Gemini, para Nintendo 64
- Os elementos de plataforma funcionam e oferecem boas doses de desafio
- As telas de carregamento irritam depois de um tempo
- Os ajudantes de Joule poderiam ter mais utilidades durante os combates
- Algumas mecânicas dentro dos calabouços são repetitivas
- Ausência de uma modalidade multiplayer
Nota do Voxel