Project CARS 2: Uma (belíssima) ode ao automobilismo, part deux
Quando falei que 2017 seria um ano sensacional para os fãs de jogos de corrida (não exatamente com essas palavras), eu havia apontado que a briga de cachorros grandes no gênero seria entre Forza Motorsport 7 e Project CARS 2. Acabou que, bem, eu estava errado: o game da Slightly Mad Studios foi o primeiro a revelar suas garras e mostrou que, antes de qualquer coisa, a comparação com o jogo da Turn 10 é injusta.
Não porque um jogo é superior ao outro, mas porque, conceitualmente, são dois games com propostas completamente diferentes. Project CARS é, assim como Carlos Eduardo Ferreira descreveu na análise do primeiro título da franquia, uma ode ao automobilismo – e o segundo game chega para sacramentar essa característica de uma vez por todas.
Não se trata de exaltar o carro enquanto objeto de desejo e sua importância na história, como Gran Turismo fez tantas vezes, nem de colocá-lo como protagonista em um gameplay envolvente e dinâmico como Forza Motorsport. Na verdade, não se trata do carro: se trata do esporte automotor em sua forma mais pura.
Mas, afinal de contas, o que é o Project CARS 2? Um simulador? Um simcade/semi-sim? A resposta mais correta é que ele não é nem um, nem outro
Mas, afinal de contas, o que é o Project CARS 2? Um simulador? Um simcade/semi-sim? A resposta mais correta é que ele não é nem um, nem outro. Pense no rFactor 2, iRacing e Automobilista, na parte de simuladores, em uma ponta de uma linha. Agora pense no Forza Motorsport e no Gran Turismo na outra ponta, como simcades/semi-sims. Project CARS 2 está exatamente no meio termo entre essas duas categorias.
Se ele tem potencial ou não para ser o principal título de corrida do ano, no entanto, é o que vamos descobrir agora.
Amigável na medida certa, mas ainda complexo demais
Uma das mudanças mais drásticas do Project CARS 2 em relação ao seu antecessor é que ele agora tenta ter uma cara menos monstruosa para os jogadores logo no início. Os menus estão mais simples e a navegação é também, não apenas para acesso, mas também para as configurações.
O que antes era uma salada mista de parâmetros e variáveis para se configurar a sensibilidade de direção, por exemplo, agora se resume a sliders e opções que deixam claro qual vai ser o impacto daquela alteração no gameplay do jogo – algo muito bem-vindo para jogadores de todos os níveis.
Essa pegada mais amigável é vista também em diversos outros aspectos do jogo, que vão desde a jogabilidade até mesmo a uma das características mais importantes do game, que é o acerto dos carros – algo que vou falar em mais detalhes logo mais.
Apesar de tentar (e até conseguir) ser mais amigável [que Project CARS 1], ele não é um jogo para qualquer um
O que se vê é um esforço da Slightly Mad Studios em fazer com que a experiência toda do jogador seja muito menos nichada e traumática para quem só busca um bom jogo de corrida e não o “simulador supremo nos consoles”. Isso funciona muito bem na maior parte do tempo, mas basta entrar em uma corrida para que Project CARS 2 revele a sua verdadeira forma: apesar de tentar (e até conseguir) ser mais amigável, ele não é um jogo para qualquer um.
Bem-vindo ao clube dos pilotos virtuais
Aqui vem um dos primeiros paradoxos do novo lançamento da SMS: ele faz de tudo para oferecer uma experiência menos traumática que o jogo anterior, mas lá no fundo ele ainda foi concebido com um foco claro em agradar um público mais hardcore, fãs de simuladores de verdade.
Embora a comparação com Forza Motorsport seja inadequada, como citei anteriormente, ela é meio inevitável para explicitar justamente a diferença conceitual entre os dois games. Isso fica bem claro quando você analisa a lista de carros: a do Project CARS 2 conta com mais de 180 carros, um número bem abaixo dos 750 anunciados no jogo da Microsoft.
No entanto, a seleção feita pelos desenvolvedores foi cirúrgica para os fãs de automobilismo. Ícones do esporte espalhados por 29 categoria estão lá: modelos históricos e atuais da Fórmula 1 e da Indy, os insanos protótipos do Grupo C, do fim da década de 80, ou os monstros turbinados do Grupo 5, além de muitos outros, antigos e bastante atuais, como os GT3 que contam com diversos modelos de 2016/2017.
O foco, portanto, não foi fazer uma lista extensa, mas eficiente, oferecendo uma seleção que permite experiências bastante diversificadas: quer pegar um carro de rallycross e fazer a lama voar por aí? Você pode. Andar a centímetros de outros carros da Indy nos ovais? Também. Reviver as disputas de GT1 em Le Mans, do fim da década de 90? Bastam alguns cliques.
Cansou dos carros de corrida? Não se preocupe, existem diversos modelos esportivos de diferentes eras à sua disposição.
Na parte das pistas, são 60 localidades diferentes, totalizando 130 traçados possíveis, entre circuitos reais e outros criados pela própria equipe da SMS. O resultado final é uma quantidade significativa de combinações possíveis de cenários e corridas diferentes que qualquer entusiasta do automobilismo que se preze pode se esbaldar.
Prazer em pilotar
A evolução da física de Project CARS 2 é um salto astronômico. Seja no volante ou no controle, pilotar os carros no game se tornou uma tarefa que, na falta de um adjetivo melhor, ficou mais... Gostosa.
Isso porque a resposta da maior parte dos veículos está muito mais orgânica e com uma progressão na medida certa – nada de soquinhos, mesmo usando um gamepad, que está surpreendentemente bem adaptado ao game e garante que a turma dos consoles não vai se frustrar com um controle “quadradão”.
Um dos grandes destaques da jogabilidade foi o belíssimo trabalho desenvolvido pela SMS nos modos de pouca aderência: correr de rallycross é uma experiência que pode muito bem concorrer com jogos que são dedicados inteiramente ao subgênero, como é o caso de DiRT 4. Isso é algo que realmente supreendeu.
De qualquer forma, é com um volante nas mãos que Project CARS 2 brilha pra valer, com um force feedback que passa uma ótima sensação e permite que você faça uma leitura bastante precisa do comportamento do veículo na maior parte do tempo. Existe a possibilidade de customizar a forma como o jogo vai entregar os efeitos dos bumps na pista, o ataque às zebras e coisas do tipo – tudo nessa nova abordagem amigável e amplamente explicativa.
Ainda assim, é válido apontar que a jogabilidade não chega a ser tão punitiva como em simuladores como rFactor 2, Automobilista, iRacing e similares. Ela pode ser desafiadora e extremamente agradável para os fãs do gênero, mas fica evidente que há uma certa permissividade, principalmente com as assistências, para permitir que os casuais também possam se divertir.
Ainda assim, é válido apontar que a jogabilidade não chega a ser tão punitiva como em simuladores como rFactor 2, Automobilista, iRacing e similares
Se há alguma comparação a ser feita nesse aspecto, talvez Assetto Corsa seja um dos títulos mais próximos do game da Slightly Mad.
Circuito vivo
Um dos fatores que contribui bastante para esse bom trabalho na jogabilidade é, sem dúvidas, a engine Livetrack 3.0, que opera em um nível quase obsceno de detalhe – e ela a responsável por um dos aspectos de maior destaque em Project CARS 2: o clima, o tempo e a alteração dinâmica das condições da pista.
Isso porque é possível determinar não somente as condições climáticas – com a possibilidade inédita de correr nas pistas sob uma tempestade de neve – e o horário, mas o dia que você escolher que a corrida vai acontecer também vai influenciar na estação do ano e, assim sendo, se o local onde o circuito se encontra estará em um solstício ou equinócio.
Nas partes do circuito em que há maior incidência de sol o asfalto estará mais quente e o comportamento dos pneus será diferente de um outro setor que fica sob as sombras – é nesse nível de detalhe que Project CARS 2 funciona
Em outras palavras: se você escolher correr em julho numa pista no hemisfério norte às 20 horas, é possível que ainda haja sol. No mesmo horário em janeiro, no entanto, pode ser que já esteja bem escuro.
Qual a influência disso? Bem, nas partes do circuito em que há maior incidência de sol, o asfalto estará mais quente e, portanto, o comportamento dos pneus será diferente de um outro setor que fica sob as sombras, por exemplo – é nesse nível de detalhe que Project CARS 2 funciona.
Ao correr na chuva, você percebe que poças vão se formando e ficando cada vez maiores a cada volta e em pontos que, de fato, concentram água. Se a chuva parar, é possível ver o trilho seco surgindo no traçado ideal. No seco, esse mesmo traçado fica mais emborrachado (e mais aderente), enquanto fora dele o que se tem é a concentração de sujeira.
Tudo isso faz com que a experiência oferecida pelo game seja mais completa até mesmo que alguns dos simuladores mais populares, além de trazer uma dinâmica extremamente densa às corridas – mas que possivelmente só interessa para quem realmente é aficionado pela coisa e, mesmo com todo o esforço para ser amigável, mostra a natureza bastante complexa que serve como pilar fundamental para o game.
É sobre ser bonito e soar bem também
Se não bastasse o game ter tido uma melhora bastante significativa na jogabilidade, o visual também recebeu um tapa considerável e fez com que Project CARS 2 tenha dado um passo importante no aspecto visual também.
A modelagem dos carros está excelente, com um ou outro detalhe jogando contra, e a maior parte das pistas acompanha o nível de qualidade – algumas localidades foram “recicladas” do primeiro game, recebendo algumas melhorias visuais, mas fica evidente que não estão no mesmo nível.
Ainda assim, no meio das corridas, Project CARS 2 não chega a ser visualmente impressionante como é o caso dos títulos com os quais ele é comparado com frequência. Não é que ele seja ruim, longe disso, mas não tem aquele fator “wow”.
Além disso, alguns jogadores mais detalhistas vão perceber que alguns dos circuitos virtuais, principalmente os que não foram baseados em escaneamento a laser, estão diferentes de suas contrapartes reais e isso pode incomodar um pouco.
A parte sonora, de forma geral, está bastante satisfatória, principalmente no que diz respeito ao som dos motores e efeitos relacionados a ele. Existem outros, no entanto, como o som dos pneus no limite da aderência e também alguns sons de batidas parecem deslocados, com efeitos de vidros quebrando em veículos que não tem qualquer vidro, como é o caso dos fórmulas.
Em termos de performance, embora as coisas rodem relativamente bem no PC, nos consoles a complexidade do game e sua demanda por processamento cobra seu preço na forma de uma qualidade gráfica levemente inferior e com algumas quedas de frames esporádicas, principalmente em situações mais conturbadas – como no caso de muitos carros na tela, com chuva e muitos efeitos de partículas.
A IA temperamental
Apesar das melhoras significativas em vários aspectos do game, Project CARS 2 não sai ileso – e a grande responsável por isso é a inteligência artificial dos oponentes. Nenhum dos problemas anteriores pode ser considerado sério o suficiente para impactar a experiência, mas o comportamento inconstante da IA é um ponto crítico do game.
Nenhum dos problemas anteriores pode ser considerado sério o suficiente para impactar a experiência, mas o comportamento inconstante da IA é um ponto crítico do game
Em determinados momentos, principalmente nas corridas em circuitos mistos e no rallycross, seus oponentes virtuais podem oferecer uma boa briga e fazer você suar para ganhar posições. Em situações de pouca aderência, como na chuva, por exemplo, a coisa muda de figura dramaticamente: mesmo com a dificuldade no 120 e agressividade em 100, não foi difícil despachar o grid todo sem fazer muito esforço debaixo de um temporal.
A IA é errática também nas corridas em percursos ovais, o que acaba quebrando a imersão em algumas ocasiões.
Falando em imersão...
Tudo em Project CARS 2 respira automobilismo, então é natural que o modo carreira seja sobre você ser um piloto que vai galgando os degraus deste maravilhoso esporte. Você pode escolher em qual categoria vai começar e, a partir daí, segue os passos que desejar – desde que consiga bons resultados, claro.
O jogo continua oferecendo toda a estrutura de fim de semana completo, com sessões de treino prático, classificatórios e a corrida. Isso se traduz em todo o processo de sair dos boxes manualmente (sendo possível controlar seu carro nas paradas dos boxes também), fazer a volta de aquecimento e abrir suas voltas lançadas.
Embora tudo seja muito legal nas primeiras vezes, não demora muito para que logo se torne repetitivo. Mesmo que exista uma opção para fazer uma temporada curta e com a presença de eventos especiais, encontrei bastante dificuldade em investir mais tempo no modo carreira – estava muito mais legal fazer eventos com duração mais longa no modo de corrida rápida, que é altamente customizável e permite que você crie um evento exatamente da forma que você quiser.
Como todo o conteúdo é liberado logo de cara, você não tem uma motivação natural em se dedicar ao modo carreira. Ele está lá para quem quiser ter uma sensação de progresso no game, mas não espere cutscenes diferentonas, um ritmo envolvente ou qualquer coisa parecida: é entrar na corrida, correr, vencer (ou não) e repetir.
Não dando o peixe, mas ensinando a pescar
Lembra o papo sobre a pegada amigável e explicativa a respeito de absolutamente tudo, mas sem abrir mão da complexidade? Talvez uma das partes em que isso fica mais explícito é quando você está prestes a ir para a pista, na hora de mexer no acerto do veículo.
É difícil fugir: o acerto é uma parte fundamental do processo de pilotagem, mas a Slightly Mad sabe que não é todo mundo que entende do assunto
É difícil fugir: o acerto é uma parte fundamental do processo de pilotagem, mas a Slightly Mad sabe que não é todo mundo que entende do assunto. Sendo assim, além de oferecer dois setups para todos os seus carros, ela também introduziu no Project CARS 2 a função “Engenheiro”.
Basicamente, ao acessá-la, você pode escolher entre quatro aspectos do veículo: frenagem, downforce, suspensão e marchas. Dentro dessas categorias, você poderá dizer para o seu engenheiro o que você está sentindo do comportamento do carro e, com base nisso, o jogo vai te sugerir alterações no acerto do veículo.
A questão aqui é que isso é como te entregar uma apostila de física quântica e mandar você elaborar uma tese de doutorado. É uma ajuda? Certamente, mas ainda envolve um conhecimento que não é todo mundo que tem.
Quem não conhece conceitos como understeer, lift-off oversteer ou não consegue entender por que diabos o carro roda quando reduz a marcha, dificilmente vai conseguir encontrar uma ajuda nisso. Por outro lado, quem está familiarizado com os termos, possivelmente vai ver no engenheiro uma mão na roda para resolver detalhes que vão fazer você ir mais rápido. Está longe de ser a solução definitiva, mas pode ser considerada, sim, uma boa ajuda.
Já para a turma que conhece muito de acerto de carro, nenhuma novidade: ainda é possível mexer em muitos, mas muitos parâmetros mesmo. Só de diferencial, por exemplo, são mais de 10, o que mostra mais uma vez que a turma hardcore tem tudo para se sentir em casa.
Um potencial competitivo
Se o game é o famoso “hardcore, pero no mucho”, o que já é o suficiente pra afastar muita gente, e conta com uma IA que, na melhor das hipóteses, é inconstante, onde é que Project CARS 2 realmente brilha? A resposta pode estar em duas letras: AV.
O automobilismo virtual e as competições online estão na mira da SMS e isso não é um segredo. Além de contar com seus próprios eventos de eSports, os desenvolvedores fizeram questão de fazer com que o game seja o mais amigável possível para aqueles que querem organizar campeonatos e usar o título como base.
Onde é que Project CARS 2 realmente brilha? A resposta pode estar em duas letras: AV
O jogo oferece a possibilidade de uso de pinturas customizadas e uma estrutura de transmissão em seus modos off-line que permite que uma pessoa controle a câmera e outra faça uma espécie de direção de prova sem necessariamente ocupar um espaço do grid.
Um passo gigantesco – mas na direção certa?
Para o que se propõe, Project CARS 2 atendeu de forma excelente às expectativas e deu um passo gigantesco na direção certa: climas e tempo dinâmicos, gameplay robusto e grande potencial competitivo fazem com que ele seja, sim, um dos grandes títulos de corrida de 2017 – mesmo que para um público seleto.
No fim das contas, a Slightly Mad Studios nunca escondeu que seu desejo sempre foi fazer um simulador para os entusiastas. Ela nunca escondeu que sua intenção era fazer oferecer não o entretenimento, mas, talvez no mesmo nível de comprometimento que a Codemasters tem com seu F1, uma experiência mais próxima possível do que é ser um piloto – como disse no início da análise, uma verdadeira ode ao automobilismo.
É natural, portanto, que muita gente vai achar Project CARS 2 difícil demais, chato demais, complicado demais e vai achar que o dinamismo e a abordagem mais direto ao ponto, simplista, de títulos como Forza Motorsport 7 é mais palatável – e não há absolutamente nada de errado nisso, por isso não sei nem se a complexidade do game conta como um contra.
O game não chega a ser “crica” o suficiente para ser um simulador, mas também não é tão desapegado para ser chamado de simcade. Ele é uma espécie de “simcade plus”, um terreno que até então só foi arranhado nos consoles através do Assetto Corsa.
O que isso quer dizer? Bom, se o pega entre o Porsche 911 GT1 e a McLaren F1 GTR em Le Mans em 1996 não significa nada pra você, se não dá a mínima pra história do Audi Quattro na Trans-AM no fim da década de 80 e só quer um jogo de corrida maneiro pra ter na sua prateleira, é bem provável que Project CARS 2 não vá ser o seu jogo.
No entanto, se você tem um apresso mínimo pelo esporte automotor, é possível que esse game seja uma das maiores obras primas do gênero nos últimos anos e que, mesmo com suas inconsistências e longe da perfeição absoluta, vai permitir que você sinta um pouquinho do gosto do que é ser um piloto – mesmo que virtual.
Categorias
- O game oferece uma das experiências mais completas do gênero de corrida
- Gráficos e sons, apesar de alguns detalhes, melhoraram muito em relação ao antecessor
- A interface geral evoluiu bastante e está bem mais acessível para jogadores de todos os níveis
- Jogabilidade robusta está entre as melhores na atualidade, tanto no controle quanto no volante
- Estrutura de jogo densa e complexa permite diversas interações diferentes e é altamente customizável
- Lista de veículos focada em qualidade em vez de quantidade
- O jogo, mesmo tentando ser mais amigável, ainda é bastante complexo
- Gráficos apresentam alguns glitches e sons também apresentam algumas falhas pontuais
- IA é errática em diversos momentos
- Modo carreira é repetitivo e pode cansar bem rápido
Nota do Voxel