Pokémon Let's Go brilha na nostalgia, mas oscila entre ideias boas e ruins
Em 2018, os fãs estavam ansiosos: afinal, o Switch está aí há um ano, mas cadê o Pokémon do console híbrido? Em um evento global, depois de muitos vazamentos e rumores em meses de escuridão, finalmente a The Pokémon Company revelou o tão esperado Pokémon Let’s Go Pikachu & Let’s Go Eevee (que acabou não sendo o tão esperado jogo no final das contas).
Por um lado, os fãs teriam o primeiro Pokémon no Switch que é uma reimaginação de Pokémon Yellow, mas por outro ele não é um game principal da franquia e também teve muitos elementos cortados para manter a simplicidade idealizada para atingir novas audiências.
No fim, Pokémon Let’s Go teve um sentimento de montanha-russa, com pontos altos, mascarados pela nostalgia ciclópica de 20 anos de esforço, e baixos, que podem passar batidos a olhos desatentos. Mas será que vale mesmo assim? Confira a nossa análise completa:
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Um choque do trovão de nostalgia
Parando para pensar friamente, Pokémon é uma franquia relativamente recente e surgiu após grandes clássicos dos videogames já terem visto a luz do dia. Mas o sucesso foi (e ainda é) tão estrondoso que a marca é um fenômeno cultural que mais se parece atemporal – mesmo que não seja. E nesse aspecto, o game surfa na crista da onda: a nostalgia é um alicerce extremamente forte e sustenta quase sozinha toda a experiência.
Pokémon Let's Go Pikachu & Eevee é muito divertido e atiça sentimentos poderosos, como o saudosismo e a felicidade de eras de ouro. O jogo reimagina (vou evitar utilizar termos como “remake”, porque essa não é bem a intenção) Pokémon Yellow com um ar mais moderno e com gráficos feitos para a atual geração. Querendo ou não, trazer os 151 pokémons originais invoca uma paixão muito grande até de quem não é o maior fã de carteirinha. Aproveitar (ou seria “re-aproveitar”?) essa experiência hoje é algo realmente divertido e o game tem seu mérito.
Essa experiência saudosista é muito boa para o coração do game, que, somado aos pilares mecânicos tão bem consolidados da série, sustentam todo e qualquer problema ou novidade mal implementada. A verdade é que há um encanto muito bom em sair da cidade de Pallet e refazer os passos de Red, como acordar o Snorlax dorminhoco em uma das rotas ou enfrentar os líderes de ginásio Brock e Misty.
Pode ter certeza que a sua vontade em jogar mais e mais não mora unicamente em avançar por uma história boba, passar por horas e horas de combate simples e fácil ou por menus e interfaces datadas: é para simplesmente reviver esse sentimento da infância que é realmente bem explorado aqui. Nada como montar em algum Pokémon e explorar o mundo de Kanto enquanto repara em cada detalhe bem construído do universo da franquia (quem resiste ver Eevee ou Pikachu dentro da bolsa de um Kangaskhan?).
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É inegável: a aventura é fenomenal, mesmo sem o fator nostalgia em certa escala, e ela compartilha a mesma magia que outros títulos da Nintendo. É uma experiência leve, divertida e com suas camadas de profundidade dentro dos seus próprios parâmetros. Entretanto, Pokémon Let’s Go não é exatamente um game para gregos e troianos.
Um Pokémon na essência, mas focado na captura de criaturas
Como Pokémon Let’s Go aproveita a nostalgia, nada mais certo do que usar praticamente tudo que há de clássico: batalhar contra diversos treinadores, aumentar o nível das suas criaturas (que agora realizado em maior parte com a captura de novos monstrinhos) e coletar as oito insígnias de Kanto. Sim, as batalhas existem! Não precisa se preocupar quanto a isso, pois há material de sobra.
Por mais velha que a fórmula esteja, ela ainda funciona relativamente bem e é legal progredir até a Elite 4, encontrar Red, Blue e Green para batalhar e perseguir as últimas pendências do endgame, como capturar pokémons lendários, pegar megaevoluções das criaturas restantes e muito mais.
Apesar de manter a clássica estrutura, Pokémon Let's Go é muito mais sobre capturar criaturas e completar a Pokédex do que progredir e montar um bom time. Particularmente, sou do time que liga mais para isso do que para quem busca grandes novidades na série. Em outras palavras, mesmo sendo simples, o game me cativou bastante durante as dezenas de horas.
A GameFreak trouxe quase tudo que há de mais recente na franquia (as megaevoluções é um dos exemplos) e mesclou alguns elementos novos, como os doces de Pokémon GO. A novidade pode parecer estranha, mas ela é realmente um avanço que ajuda a melhorar pokémons que não necessariamente têm IVs perfeitos – além de fazer sentido ganhar algo em troca das doações de pokémons para o Professor Carvalho. O que acaba pecando nessa jornada é apenas o desafio.
Cadê o desafio? Um spin-off para iniciantes
Pokémon nunca foi difícil, pelo menos no que condiz na aventura principal. Entretanto a facilidade aqui beira o inacreditável, subestimando a capacidade de até mesmo jogadores novatos, principalmente no começo da aventura. Claramente Pokémon Let’s Go é um spin-off para novas audiências, mas ter um pouco mais de desafio não seria nada ruim.
Assim como em Pokémon Yellow, os jogadores podem ter um Pokémon “favorito”, que aqui é Pikachu ou Eevee dependendo da versão. Essas criaturinhas têm movimentos especiais muito fortes desde o começo e é quase possível passar grande parte da aventura com apenas um dos dois (principalmente no caso de Eevee, que aprende movimentos bem fortes de outros elementos de suas evoluções).
Apesar de muitos jogadores estarem receosos com a falta de batalhas contra animais selvagens, há lutas de monte com outros treinadores. Isso nunca foi um problema. Ele é, na verdade, outro: as lutas são tão fáceis que são quase automáticas, o que mais quebra o ritmo agradável do que ajuda a se divertir. Tirando alguns "coachs", NPCs que têm criaturas mais fortes e estratégias diferentes, e alguns líderes de ginásio, quase tudo pode ser resolvido sem suar a testa.
Como se não bastasse essa facilidade natural, Pokémon Let’s Go ainda traz outros elementos para ajudar o jogador: o Pokémon está paralisado ou queimado? Pikachu ou Eevee podem ajudá-los sem custo de turnos e curá-los dessas anomalias. Essas pequenas facilidades tiram quase toda a dificuldade da experiência. Quer ter mais desafios? Então só criando as próprias regras, como a de utilizar pokémons mais fracos e com movesets mais simples, o que não compensa a falha de design da experiência.
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Além disso, sistemas já consolidados da franquia ficaram de lado, como as Abilities e a possibilidade de pokémons segurar itens, ambos necessários para batalhas mais complexas. Considerando que esse não é o foco do game, dá para relevar diante da proposta, mas é estranho que Pokémon Let’s Go não atenda todas às suas possíveis audiências. Afinal, o que custaria ter isso dentro do jogo?
Algumas mudanças vieram para melhor e precisam ficar
Apesar de Pokémon Let’s Go ter muitas adições, carências e mudanças no mínimo controversas (e muitas ruins), há algumas novidades que podem ser esquisitas em um primeiro momento, mas bem legais quando a ideia decanta dentro da cabeça. Muitos fãs criticaram desde o anúncio e outros ficaram reticentes, mas, de fato, tirar os encontros aleatórios e batalhas contra criaturas selvagens foi uma ótima decisão da GameFreak.
As batalhas talvez sejam as mais indiferentes (e talvez até voltem ao Pokémon de 2019), mas certamente a falta os encontros randômicos foi algo muito benéfico à sério. Ver os pokémons na tela e saber exatamente quais serão capturados são excelentes para montar o seu time e ajudam a deixar a aventura mais fluida, dinâmica e com ritmo constante. Convenhamos: a caverna de Zubats nunca foi legal. Tudo isso somado com a “facilidade” (não é exatamente fácil, mas mais simples) de pegar pokémons com bons IVs e ver os IVs em gráficos cria algo bem mais agradável de jogar.
Capturar os pokémons ao invés de batalhar com eles também é ótimo. Sim, é quase igual Pokémon Go, e sim, é esquisito ter isso em um game de console, mas passou longe de ser um problema (pelo menos no campo das ideias). Ganhar XP com captura de pokémons e combos é muito bom e mal me importei que as batalhas contra treinadores deem pouca experiência. O foco aqui é a captura e as mecânicas são desenvolvidas e orientadas para incentivar isso.
Outra mecânica que praticamente foi consolidada aqui é a de habilidades especiais para o treinador (neste caso, Pikachu ou Eevee) que não ocupam o espaço de um movimento dos Pokémons, como Cut ou Surf. O game realmente tem suas facilidades.
O modo coop é outra adição que vale seu lugar ao sol: ele não muda a forma de jogar, mas é uma novidade interessante que serve bem para ocupar o segundo controle. Até jogar sozinho com os dois controles tem vantagens, já que você ganha mais experiência em capturas duplas (os dois jogadores jogam pokébolas) e até mesmo é possível que o segundo jogador batalhe contra os seus oponentes – mesmo que seja injusto lutas 2 vs. 1, para crianças e iniciantes pode ser divertido.
Os Go Parks também são legais e ajudam a integrar o fenômeno de Pokémon GO ao jogo. Não é nada revolucionário, mas é uma adição divertida que incentiva a jogatina mobile. É interessante como os games são compatíveis e até mesmo os IVs e tamanhos são mantidos. Infelizmente, as trocas só podem ser feitas do celular para o Switch para evitar que pokémons raros sejam facilmente adquiridos no mobile.
Alguns problemas bobos e desnecessários
Se a novidade de capturar pokémons para ganhar experiência é legal, a execução não é tanto (especialmente no modo dock). Pokémon Let’s Go utiliza os Joy-Cons e seus sensores de movimentos para lançar as pokébolas e conquistar as criaturas, mas a tecnologia não é precisa suficiente para uma experiência agradável.
Os arremessos podem ser idênticos todas as vezes, mas a direção da pokébola é sempre um mistério: às vezes vai pra esquerda, às vezes para direita e na maioria vai até o centro da tela. Em alguns casos, jogando com dois controles ao mesmo tempo, na mesma direção e com a mesma força, cada pokébola foi para um lado. Isso realmente atrapalha bastante e o método do modo portátil deveria estar disponível.
Com a telinha do Switch em mãos as coisas ficam mais precisas: basta mirar com o giroscópio e apertar o botão A para lançar a pokébola. O mais estranho é que você também pode fazer a mira com o analógico, ou seja: a solução de usar o controle no modo dock já existe e deveria ser uma opção.
Há outros elementos legais que tem mais boas intenções do que boas execuções (mas no geral são bons). As batalhas online e as trocas, por exemplo, funcionam bem, mas é estranho que a solução seja criar uma sala personalizada com um código tão restrito que dá margem para conexões com pessoas aleatórias. Além disso, por que não ter um sistema de salas para jogar e trocar com pessoas do mundo afora? A solução de ser apenas com amigos e sem integrar o sistema do Switch é muito básica.
Gráficos razoáveis, mas estilo artístico fenomenal
Visualmente, Pokémon Let’s Go Pikachu & Let’s Go Eevee é uma fofura sem tamanho. Certamente, o game não é uma maravilha técnica e digna de se mostrar o poder de fogo do Switch (mais sobre isso em breve), mas ele tem um estilo bem interessante que mantém as pontas firmes.
Na grande maioria dos pontos, ele é uma evolução clara dos jogos de 3DS, retirando o contorno preto dos personagens e criaturas e trazendo um mundo mais rico, vasto e com mais elementos na tela. Um dos pontos que a GameFreak explorou bastante foi na interação com o seu Pokémon (Eevee ou Pikachu), com possibilidade de fazer carinho, ver expressões do fiel companheiro e muito mais.
Cada criatura é muito detalhada e o sistema de personalização é bem legal, o que acaba sendo um extra à la Pokémon GO bem interessante para se perseguir.
Entretanto, os elogios param por aí. Há problemas técnicos básicos, como sombras com baixa qualidade, pequenos problemas de performance aqui e ali, menos liberdade no controle da câmera (algo que vimos bastante em Sun & Moon) e bugs que podem diminuir o desempenho do jogo (incluindo a taxa de fps dos menus) quando você troca do modo dock para o portátil. Pokémon Let’s Go parece uma evolução dos jogos de 3DS, mas não por muito, apesar de seu estilo artístico manter uma ótima experiência.
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O que se destaca mesmo nos quesitos audiovisuais são as músicas remasterizadas. Qualquer fã da franquia Pokémon vai reconhecer qualquer faixa em um instante. Todas as mais clássicas estão presentes e você vai passar tempo cantarolando sem perceber. Sem dúvidas, a trilha sonora clássica reforça muito o elemento nostálgico no qual o game se apoia tanto.
Vale a pena?
Pokémon Let’s Go Pikachu & Let’s Go Eevee são jogos gostosos de jogar e tem um elemento nostálgico que é quase imbatível: poucas obras despertam essa emoção como Pokémon consegue. Mecanicamente ele é mais simples, mas seus alicerces bem-construídos de gerações sustentam a experiência do começo ao fim, mesmo que apoiados à nostalgia, que age como um pilar indestrutível. Contudo, por trás dessa máscara de fofura e pura alegria infantil reside um esqueleto frágil, quase intocado por gerações.
O problema é que a experiência cai um pouco por terra quando o véu da nostalgia é retirado. A própria série tem seus elementos datados, mas Pokémon Let’s Go pode desagradar até os fãs mais fervorosos, pois retira mecânicas já consolidadas e simplifica um jogo que já era simples, removendo alguns elementos que simplesmente não precisavam ser removidos, como Abilities ou a possibilidade dos pokémons segurarem itens nas batalhas.
Como um spin-off, é tolerável que a qualidade não esteja à altura, que novos elementos sejam testados, que o público-alvo seja diferente e que não seja um título voltado ao competitivo. Mas, parando para pensar friamente, se esse jogo existisse de outra forma que não fosse como um título da série Pokémon, a ausência da marca certamente reforçaria com um peso muito maior todos os elementos negativos.
A franquia tem seu legado, claro! E isso é um mérito enorme. Mas a qualidade e diversão parece vir mais da imagem de décadas do que da competência mecânica do próprio game. Pokémon Let’s Go Pikachu & Let’s Go Eevee são divertidos e têm seus méritos, mas mais uma vez estamos nos anos 90: você quer as miniaturas de Pokémon, mas talvez nem queira tomar o guaraná Caçulinha.
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Pokémon Let's Go, Eevee!
Pokémon Let's Go, Pikachu!
*Pokémon Let's Go Pikachu & Let's Go Eevee foi gentilmente cedido pela Nintendo para a realização desta análise.
Categorias
- Uma experiência extremamente nostálgica e com maior foco na captura de pokémons
- A simplicidade é um elemento constante, mas ajuda a criar uma experiência mais leve e divertida
- A remoção dos encontros aleatórios é algo muito bom e que deveria ser seguido em títulos futuros
- O modelo de captura sem batalhas selvagens é controverso, mas é um adição ótima à progressão do jogo
- Muitas modernidades da franquia estão presentes, como megaevoluções e habilidades de treinador
- Estilo artístico muito adorável
- Trilha sonora encantadora e extremamente nostálgica
- Modo online relativamente simples de usar
- Controles de movimento são bem ruins em muitos casos
- Online pouco robusto
- A simplicidade é bem grande: faltam elementos já consolidados na franquia
- Extremamente fácil na maior parte da aventura
- Há problemas técnicos e os gráficos são ruins em alguns casos
Nota do Voxel