Pokémon Brilliant Diamond/Shining Pearl são ensaios de grandes remakes
A tradição mais uma vez foi honrada: um novo Pokémon não pode ser lançado sem que haja uma discussão ferrenha nas redes sociais acerca da qualidade do jogo. Embora algumas críticas tenham fundamento, o hate que se fomenta na internet acaba sendo um fator determinante para desmotivar os jogadores que veem os títulos da franquia como uma válvula de escape, uma forma de revisitar o passado e desfrutar da nostalgia.
É claro que todos nós estamos cientes de que a The Pokémon Company precisa doar mais vontade e ambição às suas produções, talvez até se reinventar, mas não podemos desprestigiar a empresa e dar de ombros ao peso que seus lançamentos têm para a indústria. Afinal, sempre há novidades de Pokémon no radar para estimular o nosso hype, seja nos games ou em qualquer outro meio do entretenimento. Você piscou e olha só: Pokémon Legends: Arceus, o RPG produzido pela Game Freak, já está virando a esquina. Conteúdo de Pokémon é o que não falta hoje em dia, estamos sempre bem servidos.
A história do hate na internet se repetiu em Brilliant Diamond & Shining Pearl, remakes de Pokémon Diamond & Pokémon Pearl, os primeiros da série principal lançados para o Nintendo DS, responsáveis por introduzir a quarta geração de monstrinhos de bolso no longínquo ano de 2006. Desta vez, porém, a adoção de um novo padrão gráfico tornou-se o principal alvo de críticas — e como comentei acima, as reclamações publicadas nas redes sociais às vezes têm fundamento. Confira o que achamos dos dois games:
Quando se mexe em time que está ganhando…
Se você se interessou por esta análise, é bem provável que já conheça a premissa básica, mas vamos lá: o objetivo no jogo é, de forma bem resumida, tornar-se um mestre Pokémon. Para isso, é preciso capturar todos os monstrinhos e vencer os oito líderes de ginásio, bem como os poderosos membros da Elite Four. Pronto, você já tem todas as informações necessárias para iniciar a jornada caso não esteja familiarizado com a vida de treinador — o que eu acho difícil a essa altura do campeonato, com a franquia completando seus 25 anos.
Fonte: Voxel
Como a Game Freak está dedicando seus recursos ao desenvolvimento de Pokémon Legends: Arceus, o trabalho de refazer Diamond & Pearl ficou a cargo do ILCA Inc. (acrônimo em inglês de "I Love Computer Art"), uma desenvolvedora japonesa relativamente nova no mercado, fundada em 2010.
A desconfiança da comunidade se deu pelo fato de que o ILCA sempre atuou como um estúdio de suporte, ainda que tenha sido um braço de apoio importante em projetos de alto calibre, como NieR: Automata e Dragon Quest XI: Echoes of an Elusive Age. A empresa, aliás, desenvolveu Pokémon Home, o aplicativo para Nintendo Switch e dispositivos móveis que permite armazenar os Pokémon de diferentes jogos em um único lugar — só que estamos falando de um serviço, e não de algo jogável projetado do zero.
Fonte: Voxel
Por se tratar de um remake, a tarefa do ILCA era basicamente adaptar Diamond & Pearl ao 3D sem que os dois games perdessem a essência. Ao invés de seguir a estética adotada pela Game Freak em Pokémon: Let's Go, Pikachu! & Pokémon: Let's Go, Eevee! — a meu ver, os Pokémon mais bonitos do Nintendo Switch —, o estúdio optou por implementar uma versão do universo Pokémon no estilo chibi, cujos traços são marcados por personagens cabeçudos.
Mesmo tendo sido supervisionado por Junichi Masuda, responsável por muitos dos games de Pokémon, inclusive Diamond & Pearl, posso afirmar de antemão que o projeto não está à altura das obras originais. Não há como negar, porém, que os personagens com cabeça de balão carregam um charme bem particular.
Fonte: Voxel
Como um grande fã de Pokémon, eu poderia tentar encontrar mil desculpas para defender o estilo de arte de Brilliant Diamond & Shining Pearl, mas vou ser honesto e direto ao ponto: o meu problema com o visual é a falta de ambição, de não querer ir além do básico, que se contenta em reproduzir uma versão genérica e “pasteurizada” de Sinnoh. Os remakes são como um almoço rebuscado que carece de tempero: você até reconhece o sabor, a qualidade dos condimentos, mas sente falta dos ingredientes que costumam surpreender o paladar.
Insossa e sem brilho, a região de Sinnoh não oferece cenários convidativos à exploração, ao menos não visualmente, e satura os olhos com modelos 3D que se repetem à exaustão e uma paleta de cores quentes que, na prática, parece um tanto desbotada. No game original, Sinnoh parecia um lugar mais reconfortante.
Fonte: Voxel
O tom “opaco” da aventura fica ainda mais evidente quando se está jogando na TV, com o Switch conectado ao dock. No modo portátil, no entanto, especialmente no Switch OLED, console utilizado para produzirmos esta análise, as cores ganham um pouco mais de vida, mas nada que nos faça mudar de ideia.
Em contrapartida, hei de registrar o ótimo trabalho dos desenvolvedores em aprimorar folhagens e vegetação, agora mais densas e volumosas, além de terem adicionado texturas melhores e um sistema de iluminação competente, concebido para destacar sombras e favorecer a sensação de profundidade. As animações também não ficam para trás e presenteiam os jogadores com personagens que reagem às ações dos bichos durante as batalhas.
Fonte: Voxel
Com relação aos modelos dos Pokémon, nota-se que não houve a mesma atenção de Let's Go, Pikachu! & Let's Go, Eevee! e Sword & Shield. Ainda que os monstrinhos estejam bem representados, eles não estão com o mesmo capricho das criaturas dos últimos games — pelo menos essa é a percepção que eu tive depois de me aventurar por dezenas de horas em uma Sinnoh repaginada.
Adições pontuais à jornada que todos conhecem de cor e salteado
Brilliant Diamond & Shining Pearl são os mesmos jogos de 2006, sem tirar nem pôr: duas grandes aventuras de colecionar monstros com combate de RPG por turnos. Na verdade, pequenas mudanças foram aplicadas em elementos de qualidade de vida, como a inclusão de um Exp. Share permanente, que faz com que todos os Pokémon do grupo recebam pontos de experiência após os confrontos, assim como um sistema mais robusto de personalização de treinador e a possibilidade de usar HMs diretamente pelo dispositivo Pokétch, eliminando a exigência de atribuí-los aos monstrinhos.
Fonte: Voxel
Para quem não sabe, os Hidden Moves são movimentos especiais utilizados para interagir com elementos específicos do cenário, liberando atalhos e desbloqueando partes até então inacessíveis do mundo. Resgatando a memória dos meus 13 anos, lembro como se fosse hoje de pegar um Pokémon “coringa” do grupo para enchê-lo de Hidden Moves, tornando-o totalmente inútil às batalhas. Quem nunca precisou abrir mão de um dos seis monstrinhos da party nos primeiros games, não é mesmo?
Todas essas melhorias são muito bem-vindas a quem está começando, só que deixaram um jogo que já era fácil ainda mais fácil. No caso do Exp. Share, por exemplo, precisaríamos ter ao menos a opção de desativá-lo. Pode parecer um detalhe pequeno e até irrelevante, mas tenho certeza de que você vai concordar com o que eu estou dizendo logo que ficar à frente dos adversários no terceiro ginásio. Parando para pensar agora, eu colocaria tranquilamente Brilliant Diamond & Shining Pearl no topo da lista de títulos mais acessíveis da série principal — assim, sem hesitar. Se isso é um ponto positivo? Depende do que você busca em uma experiência Pokémon.
Fonte: Voxel
Aos que ficaram desapontados com a lista de Sword & Shield, os remakes de Diamond & Pearl permitem que os treinadores destravem a National Pokédex, ou seja, os bichos das três primeiras fases, tão logo os 151 Pokémon da quarta geração forem descobertos. Portanto, são quase 500 monstrinhos a serem capturados, isso sem contar as versões shiny no pós-jogo.
Além de promoverem ajustes pontuais que prezam por ritmo e acessibilidade, os remakes oferecem uma versão robustecida das clássicas dungeons opcionais. Intitulada de Grand Underground e acessível a qualquer momento a partir do Explorer Kit, trata-se de uma área subterrânea de Sinnoh, interconectada pelos túneis da região, que concede itens raros e acessórios especiais, também abrigando criaturas únicas que só podem ser capturadas nas cavernas.
Fonte: Voxel
Diferentemente das rotas, no Grand Underground você consegue enxergar os monstrinhos perambulando pelo mapa, tal como a Wild Area de Pokémon Sword & Shield, algo que facilita bastante o preenchimento da Pokédex. Vejo os aperfeiçoamentos do The Underground como o grande chamariz, sendo uma adição bem-vinda a treinadores novatos e experientes, uma ótima forma de se desconectar do “loop” padrão: rota, cidade e ginásio. O mais bacana é que você pode optar por explorar as cavernas sozinho ou na companhia de um outro jogador pelos modos multiplayer online ou local.
Pokébugs e Pokéglitches
Até por terem uma estrutura muito simples, os games da franquia Pokémon sempre foram estáveis o bastante em termos de desempenho. Brilliant Diamond & Shining Pearl, contudo, são exceções à regra e apresentam notáveis deslizes técnicos em relação à performance, seja no modo portátil ou no dock.
Fonte: Voxel
Há quedas frequentes de fps, glitches e bugs grotescos, incluindo falhas que podem impedir o progresso. Recomendo, inclusive, que você deixe a opção de salvamento automático desabilitada para não ter erro. Treinadores grampeados em paredes ou trancafiados em partes supostamente inalcançáveis do mapa são apenas alguns dos imprevistos que podem acontecer ao longo da jornada. Não sou um especialista em desenvolvimento de jogos, longe disso, mas prevejo um trabalho árduo do ILCA para aparar todas essas arestas.
Veredito
Meu tempo em Pokémon Brilliant Diamond & Pokémon Shining Pearl pode ser resumido como uma montanha-russa de emoções: tive momentos divertidíssimos de pura nostalgia, de reviver trechos inesquecíveis ao lado dos meus Pokémon prediletos, assim como me decepcionei com escolhas questionáveis de design, que acabaram tornando Sinnoh um lugar mais genérico e não tão convidativo quanto sua versão de 2006.
De modo geral, os remakes cumprem bem o papel de reintroduzir duas impecáveis aventuras, só não espere o mesmo impacto de outrora nem crie expectativas para desfrutar de conteúdo verdadeiramente inédito. Em suma, temos títulos excelentes que, como remakes, são só bons — nada mais que isso.
Pokémon Brilliant Diamond & Pokémon Shining Pearl foram gentilmente cedidos pela Nintendo para a realização desta análise
“Percorrendo caminhos questionáveis no visual, Pokémon Brilliant Diamond & Pokémon Shining Pearl são só ensaios de grandes remakes”
- Mudanças pontuais em alguns sistemas, favorecendo ritmo e prezando pela fluidez da experiência
- Ótimas adições de conteúdo às dungeons de Sinnoh, incluindo um componente multiplayer
- Os personagens cabeçudos têm seu charme, tal como certos elementos visuais introduzidos nos remakes
- Nostalgia garantida, com conteúdo generoso no pós-game
- Decisões questionáveis de design deixam a região de Sinnoh mais genérica e esquecível que sua versão de 2006
- Alguns facilitadores podem não satisfazer quem é experiente na franquia
- Bugs, glitches e problemas de desempenho além dos que estamos acostumados em jogos Pokémon
Nota do Voxel