Overwatch 2 toma decisões certas, mas ainda precisa convencer o povo
É difícil encontrar uma obra tão polarizadora quanto Overwatch 2, e isso só deve se acentuar ainda mais agora que finalmente a nova versão do hero shooter está entre nós! Dessa vez em formato free to play com direto a novas regras, formas de monetização, heróis, mapas e, acima de tudo, com muita coisa para provar aos jogadores.
Pergunte a diferentes pessoas o que elas acham da franquia e da forma como ela foi conduzida e você ouvirá as mais diversas respostas, tanto positivas como negativas. Se você usa bastante as redes sociais, deve ter notado ainda que Overwatch passou até por uma gigantesca reescrita histórica: se em 2016 a nova IP da Blizzard era a queridinha absoluta do público e crítica, os anos seguintes não foram gentis com a marca...
Aos poucos, o senso comum foi começando a pintar o game como um injusto vencedor do The Game Awards e não como o pioneiro gênero que até hoje dita tendências (basta olhar para os heróis de Valorant). Também não ajuda em nada que a Blizzard tenha passado pela maior crise de sua história pouco depois do anúncio da sequência, conforme o estúdio era investigado pela justiça norte-americana por seríssimas acusações sobre assédio em seu ambiente de trabalho tóxico — ainda que o time de Overwatch não estivesse envolvido diretamente nessas denúncias, vale frisar.
Seja lá onde for que você se posiciona nesses debates todos, acredito que é bastante improvável que essa análise e até o próprio conteúdo de Overwatch 2 sejam suficientes para te convencer a reavaliar as coisas. Quem tem birra com o jogo vai precisar de muitos meses — ou quem sabe anos? — de propaganda boca a boca positiva e gerenciamento de excelência no live game antes de cogitar mudar de ideia. E quem curte esse universo certamente vai amá-lo mais ainda com a chegada de tantas novidades.
A nova página de perfil de jogador reúne todas as suas informações de forma mais eleganteFonte: Reprodução / Thomas Schulze
O fato é que não é possível agradar a todos e até por isso eu não vou sequer tentar fazer isso por aqui. Para fins de transparência, o meu perfil é de alguém que jogou cerca de 4.000 horas do primeiro Overwatch entre diferentes contas, treinou com times semiprofissionais e ama o lore do game. Mas também vou me esforçar para contemplar o máximo de ângulos e pontos de vista possíveis ao longo da análise completa a seguir, só que focando especialmente em quem entende e/ou verdadeiramente quer saber mais sobre o jogo!
A sequência era mesmo necessária?
Vamos começar, então, lidando logo um dos principais elefantes na sala: Overwatch 2 faz ou não por merecer o numeral que agora serve de sufixo ao seu título? A meu ver, mesmo com a forma extremamente problemática como o anúncio do projeto foi feito, a despeito de todos os memes sobre “mesmo jogo 2” que circulam por aí, e ainda que eu ache esse tema por si só meio exagerado... diria que qualquer um minimamente honesto e que jogasse por horas e conhecimento de causa diria que a resposta é: “sim”.
Na superfície, a primeira coisa que você vai notar é uma bela recauchutada geral nos gráficos, que agora estão mais coerentes com a nova geração de hardwares e, claro, o fato de que as partidas não são mais disputadas entre times de 6v6, mas sim de 5v5, com os tanks passando a trabalhar sozinhos para proteger e comandar os seus colegas de time. Por vários fatores, isso já ajuda a tornar o gameplay muito mais ativo e movimentado, punindo os jogadores mais passivos e covardes.
Já no primeiro round que jogar, você notará como a UI foi drasticamente aprimorada também, trazendo não apenas gratas mudanças estéticas, mas sim apresentando informações mais claras e relevantes durante as partidas, além de estatísticas temáticas direcionadas a cada personagem. Com mais alguns jogos, você passará a notar as milhares de falas novas dos heróis e as suas muitas variações de interações entre si.
Como o carisma dos heróis sempre foi um dos pontos mais fortes da franquia, esse ponto acaba importando bastante. De forma bem humorada, e mantendo o altíssimo padrão de qualidade esperado das localizações da Blizzard, é um deleite ouvir a Kiriko chamando a sua amiga de Pharah-chan, por exemplo, ou a D.va elogiando o BOB da Ashe. O som das armas também foi totalmente retrabalhado para ficar mais imersivo e realista, ecoando de forma bem fiel dependendo do cenário em que se passa o combate.
Você também notará rápido o esforço que foi feito no rebalanceamento do game, que ao mesmo tempo retrabalhou totalmente alguns de seus personagens menos divertidos, como a Orisa (desculpa, fãs da velha Orisa, mas eu ainda sou um pouco traumatizado pelas milhares de horas estudando VODs sobre posicionamento de double shields com ela e Sigma), lhe conferindo um kit de habilidades mais versátil.
Também é evidente a tentativa de tirar um pouco do peso dos hardcounters, ainda que isso me pareça um trabalho em andamento, ainda que seja difícil julgar isso com precisão antes do modo ranked ser liberado. Bem ou mal, no jogo livre, o único disponível para teste, é tudo muito mais casual. Seja como for, acima de tudo, o time fez Overwatch voltar a se parecer com um jogo de tiro de verdade e não com aquele festival de atirar em escudos que dominou os últimos anos do game original.
E claro, talvez um dos temas mais relevantes até agora entre as novidades, temos também a remoção das controversas lootboxes e a adaptação de todo o ecossistema para uma estrutura mais adequada aos demais jogos como serviço ao vivo que hoje dominam o mercado, adicionando um Passe de Batalha que libera recompensas grátis e pagas conforme você joga. Os mimos também foram aprimorados e agora você tem até chaveirinhos para prender nas armas, além de mais formas de customizar o seu perfil, tipo como acontece nos melhores jogos de luta.
Isoladas, todas essas pequenas coisas talvez não sejam nada demais. Mas somadas, elas formam um conjunto bastante coeso e revigorante. Só que ainda assim trata-se de uma venda complicada, já que é difícil apreciar essas coisas apenas vendo um vídeo de gameplay, em que quase tudo isso passa batido. Quem não é mais ligado na cena ou só jogou o primeiro game lá em 2016 dificilmente vai ser persuadido de que as coisas mudaram para valer vendo o Genji destruir o time rival com a boa e velha nanoblade, então isso nos leva aos...
Problemas de comunicação
A jornada para testar Overwatch 2 nos últimos meses não foi a ideal e muito disso se deve a algumas decisões controversas que vieram diretamente da matriz. Por exemplo, desde as fases alpha e beta até o período de teste antecipado do produto final, não foi possível jogar no servidor Sul Americano, apenas no NA. Ou seja, competir com o ping acima de 100 era rotineiro. Além disso, pouquíssimos influenciadores e jornalistas brasileiros tiveram a chance de participar do teste, ainda que felizmente o Voxel tenha sido contemplado, e por isso agradecemos muito à assessoria nacional da Blizzard!
A questão aqui é que o descaso com o mercado brasileiro e sul-americano em geral liga alguns sinais de alerta, especialmente se levarmos em conta que nos últimos anos vimos a empresa desligar quase que completamente o cenário competitivo oficial do game. Nos foi prometido que o servidor SA estará ativo para o lançamento do jogo, o que é o mínimo do mímimo que se deve fazer mesmo, mas seria legal também ver iniciativas rolando pela volta da Open Division e um carinho pela Contenders, ajudando a formar novos talentos para o competitivo de Overwatch 2. Ou a ideia é seguir alienando o nosso continente do resto do mundo?
Outras controvérsias em potencial também carecem de esclarecimento e teremos que esperar um pouco mais para ver. A fim de evitar a toxicidade e o flood de contas smurf, o que certamente é uma meta válida e elogiável, o time optou por habilitar uma validação de contas por telefone e a gravação constante de vozes. Me chame de paranóico, mas ter uma empresa multibilionária pegando ainda mais dados meus não é exatamente a coisa que mais me deixa feliz no mundo.
Outro ponto com potencial de gerar reclamações é o fato de que na transição entre ser um jogo pago para free to play, agora as novas contas precisarão jogar para habilitar antigos personagens manualmente. Ainda que isso não vá impactar em absolutamente nada quem está vindo do primeiro jogo, já que todo o seu progresso, skins e personagens migram automaticamente, inclusive fundindo o progresso de suas contas em diferentes plataformas, não há como saber o quanto isso será bom ou problemático para novatos.
Mapas antigos, como Junkertown, estão de volta. Mas as estrelas são mesmo os novos mapas, todos maravilhososFonte: Reprodução / Thomas Schulze
Por um lado, isso pode impedir as pessoas de testarem e especializarem em diferentes heróis no começo de sua jornada, mas quem sabe isso também não pode acabar servindo também como uma motivação de tutorial mais orgânico enquanto o jogador marcha aos poucos para vencer as dezenas de partidas necessárias até liberar os outros mapas? Se isso vai piorar ou melhorar o ambiente do game, é algo que vamos ter que esperar mais um pouco para ver.
Uma linda volta ao mundo
Para dar uma agitada nas coisas e ajudar a dar um pouco mais de cara nova às partidas, Overwatch 2 também aposta as suas fichas em um modo inédito de jogo, o Push. Se você já jogou Splatoon, uma boa forma de entendê-lo é pensar na escolta de torre em que você precisa levar o objeto o mais longe possível no território rival, vencendo instantaneamente caso você o leve até a base.
Aqui, ao invés da torre temos um simpático robôzinho com um jeito bem engraçado de caminhar, o que ele só faz quando apenas um time está ao seu redor fazendo contato, mais ou menos na lógica de uma escolta de payload nos outros modos. Com pouco mais de uma dezena de encontros por lá, sinto que é meu modo menos favorito até agora, mas pode ser apenas a nostalgia falando mais alto. Veremos.
O que certamente me alegrou foi passear pelos incríveis novos mapas que foram adicionados ao jogo. Sem medo de soar hiperbólico, eles são alguns dos melhores mapas multiplayer que já vi em qualquer FPS, seja pelo design das rotas e possibilidades de abordagem, seja pelo cuidado com os detalhes espalhados por todo lado.
Sou natural do Rio de Janeiro e a versão futurista do cenário que foi adicionada em Overwatch 2 chegou a me emocionar, pois era como passear em casa ao lado dos personagens. Equipes foram aos países registrar a sua arquitetura e gravar os seus sons, e o resultado é apaixonante em cada casa, pedaço do chão ou pintura nas paredes. Dá para se divertir no jogo mesmo que você não dispare um tiro sequer e fique apenas passeando em um modo customizado para contemplar os cenários. É bom nesse nível!
Os desafios de dar um veredito
Dito tudo isso, aqui no Voxel nós ainda trabalhamos com um sistema de notas, e confesso que nunca me senti tão desafiado a cravar um veredito como nesta análise. Especialmente porque, a meu ver, jogos como serviço ao vivo não devem ser avaliados no dia de seu lançamento, mas sim bons meses ou anos depois, quando já é possível ter uma ideia mais clara dos seus erros e acertos.
Os desafios são uma forma de liberar o conteúdo sem gastar dinheiro, mas o quão bom ou abusivo será o grinding, só o tempo pode dizerFonte: Reprodução / Thomas Schulze
Mas me permito fazer algumas previsões já agora: provavelmente o primeiro mês de vida do Overwatch 2 verá uma série de memes e críticas em peso circulando por aí, já que a birra com a Blizzard ainda é muito forte por todos os fatores supracitados. Depois de um pico de interesse no lançamento, é bem provável que só os mais hardcore continuem jogando e, a partir dali, aí sim devemos ter um feedback mais qualificado para levar em conta.
Só então poderemos julgar se os velhos tempos realmente ficaram para trás ou não. Porque o gameplay de Overwatch e de seus heróis sempre foi excelente e extremamente polido, o que atrapalhava mais era a demora da Blizzard para arrumar o meta após acidentes de percurso como a adição da Brigitte, que gerou o meta GOATS com três tanks e três suportes, ou mesmo na problemática adição do Sigma, que rendeu um longo meta de dois escudos ao mesmo tempo, tornando o FPS um tedioso passatempo de atirar em barreiras sem parar.
Em entrevistas com o novo diretor Aaron Keller, ele se comprometeu comigo que esses dias tenebrosos já ficaram para trás, e que agora os novos heróis adicionados ao game são banidos do competitivo na sua temporada de estreia até a comunidade testar exaustivamente as possibilidades, e mesmo que o pior cenário aconteça e algo quebre demais o jogo acidentalmente, o time se prontifica a sanar isso rapidamente. São promessas vindas direto da maior fonte possível, mas é sempre melhor esperar para ver se elas se concretizam para valer, ou não. Infelizmente não tenho bola de cristal para cravar isso agora.
Além disso, ainda não temos nem o prometido modo PvE com uma campanha completa que pode vir ou não a ser um dos principais chamarizes do jogo no futuro! Então que tipo de nota seria justa para o momento? Avaliar o jogo pelo que ele pode vir a ser no melhor cenário? Punir o título pelo seu passado e ignorar o presente? Dar um voto de boa fé ou manter o ceticismo? Talvez fazer o simples seja o melhor, então…
Vale a pena?
Quando você pensa nos jogos de tiro em primeira pessoa online grátis, sejam eles clones diretos de Overwatch como Paladins, ou apenas inspirados em seus heróis como Apex Legends, não há competição real: a variedade de personagens carismáticos e design sublime dos mapas repletos de extras e segredos divertidos é simplesmente fora de série e absolutamente ninguém chega aos pés do game da Blizzard.
O que Overwatch 2 faz de certo, e são muitas coisas, nos lembra dos melhores momentos da companhia e o potencial de diversão só esbarra… bom, nas próprias cagadas que a Blizzard também tende a fazer. Mas até elas acontecerem, se é que vão mesmo, eu prefiro ver o futuro com o mesmo otimismo que os seus personagem pregam. Jogue, experimente e divirta-se, afinal… o mundo sempre precisa de heróis!
Overwatch 2 foi gentilmente cedido pela Blizzard para a realização desta análise.
Categorias
- Personagens divertidos e carismáticos
- Partidas mais movimentadas e eletrizantes
- Design de som fora de série
- Mapas lindos e repletos de segredinhos
- Muita variedade de gameplay
- O prometido modo PvE ainda vai demorar
- Microtransações com potencial de polêmica
Nota do Voxel