Need for Speed Payback: um passo para frente, dois para trás
Quando o reboot do Need for Speed, lá em 2015, eu fiquei bastante satisfeito com o trabalho da Ghost Games. Uma das coisas que mais me tiravam do sério quando a Criterion estava no comando era que ela fazia muita questão de colocar uma pitada generosa de Burnout na franquia e os novos responsáveis pareciam mais sensatos em relação a isso.
A história era rasa? Era, mas funcionava e, mais importante, comunicava muito bem com o resto do jogo. A jogabilidade era arcade na medida certa e a mecânica de customização é uma das melhores entre os games de corrida da atualidade. Uma base sólida para um novo jogo, certo? Pois bem: Need for Speed Payback vem para provar que a cada passo para frente que a série dá, dois passos para trás seguem de forma imediata.
Na tentativa desesperada de tentar fazer algo mais ambicioso, a Ghost Game quis colocar uma história relevante em Payback. Se a ideia era fazer um jogo claramente inspirado em Velozes e Furiosos, o resultado final foi algo mais próximo de um filme muito do farofa.
Apesar de ser um grande problema por si só, visto que o jogo se apoia bastante na história e nos seus protagonistas extremamente irritantes, durante a jogatina ele ainda é divertido. Só que aí você vê problemas graves de bugs gráficos, com texturas surgindo a todo momento e no jogo todo e um sistema de melhoria de desempenho dos carros que, de certa forma, força você à recorrer às microtransações caso não queira ficar repetindo corridas para conseguir as famigeradas speed cards.
É assim que é Need for Speed Payback: um jogo que poderia ter sido bom e que traz uma proposta ambiciosa, mas que é manchada por falhas graves de execução. Hora de descobrir, então, se ele vale ou não a pena para quem busca um game de corrida mais arcade.
Uma intenção ótima, mas uma execução pobre
Lá em 2011, quando Need for Speed The Run foi lançado, o jogo foi recebido com críticas duras. As pessoas esperavam um Underground 3 ou um Most Wanted 2 pelas mãos da excelente EA Black Box, mas, no lugar, receberam um game de corrida com foco grande na história e na narrativa, com QTEs e cenas de ação.
Ainda assim, a proposta e a intenção de inovar ressonaram e, cá estamos em 2017, com um novo Need for Speed com foco em uma história mais elaborada – a diferença é que, desta vez, o passo pode ter sido maior do que a perna.
Os três protagonistas, da esquerda para a direita: Mac, Tyler e Jess, com o preparador Rav de costas
A história do Payback é genuinamente ruim: dos três protagonistas controláveis – Tyler, Mac e Jess –, somente a moça é realmente interessante. Os outros dois marmanjos parecem mais dois adolescentes mimados e prepotentes que, apesar de estarem envolvidos em uma trama de roubos de carros que valem milhões, se comportam como dois moleques.
Aliás, quase tudo nesse novo Need for Speed é uma de uma farofa sem tamanho: ao mesmo tempo que tenta ser mais ambicioso, o próprio jogo não faz qualquer esforço para ser levado a sério e, dada a trama rasa e mal elaborada, as mecânicas e o contexto parecem não conversar.
De forma bem resumida, a história é que o trio se envolveu em um roubo que deu errado ao serem passados para trás por uma integrante d’A Casa, uma organização criminosa encabeçada pelo Colecionador e que manipula, entre muitas coisas, as corridas ilegais na região.
Os jovens se juntam ao preparador Rav para conseguirem sua vingança (daí o nome do jogo) contra os mafiosos e isso acontece através da participação no Outlaw Rush, a corrida que conta com a participação dos melhores corredores do mundo.
Para chegar até a competição, você precisa derrotar os diferentes grupos que participam das corridas ilegais e seus respectivos chefes.
O ponto aqui é que, além de Jess, um dos únicos personagens que fazem com que a trama não seja um completo fracasso é Marcus Weir, o apostador, que traz um humor ácido à trama e foi muito bem construído.
Isso me faz pensar que se a Ghost tivesse deixado toda a galhofagem de Tyler e Mac falando a todo momento sobre o quanto são bons e sensacionais e tivesse focado somente em uma história mais densa e séria envolvendo Jess e Weir, Payback teria um potencial muito maior de ser um ótimo título.
Os diálogos são extremamente forçados e parece que o jogo tem uma necessidade de narrar absolutamente tudo que está acontecendo, seja através das falas dos personagens ou através da Curadora, a suposta DJ da rádio do game. Chega a ser desnecessário e muitas vezes tira o foco do gameplay.
Ao todo, a campanha passa de 17 horas se você precisar fazer um grindzinho básico para conseguir progredir (falo sobre isso em detalhes logo mais). Além da história, você tem uma série de atividades espalhadas por Fortune Valley que, graças ao tradicional sistema de leaderboard, pode manter você entretido por mais tempo.
A diversão está na essência
Apesar dos problemas com a narrativa, na essência Need for Speed Payback consegue divertir: as corridas, apesar não serem muito difíceis, acabam envolvendo o jogador. A direção foi refinada e agora os controles estão mais precisos e os veículos passam uma boa sensação de peso.
De qualquer forma, vale sempre lembrar que, por se tratar de um jogo com uma pegada mais arcade, Payback não tem grandes compromissos com físicas complexas de direção ou comportamento dos carros.
As perseguições, apesar de só acontecerem em missões pré-determinadas e seguirem um script, empolgam bastante e são bastante desafiadoras graças ao comportamento da IA, que é bastante agressivo às vezes.
Uma das novidades muito bem-vindas foram as corridas de rally que, ainda que bastante simples, ajudou a fazer com que o mapa do game ficasse mais aberto e permitindo uma exploração que vai além das faixas de asfalto.
Sim, o mundo de Fortune Valley, baseado na região de Las Vegas, é maior do que o visto em Need for Speed 2015, mas o fato de ele permitir que você possa explorar terrenos fora da estrada passa uma impressão de que ele ficou muito mais massivo.
As variações de ambientes são satisfatórias, entre as grandes highways que atravessam o deserto, passando pela a região montanhosa com suas estradas sinuosas perfeitas para o drift, até chegar na cidade de Silver Rock.
Fortune Valley e suas diferentes áreas
Embora tudo seja visualmente bem feito, é aqui vem mais um tropeço de Need for Speed Payback...
Pop-ins de textura... Pop-ins de textura a todo momento
Graficamente é possível dizer que o novo NFS é muito bom, mas, mais uma vez, um bom trabalho é manchado por falhas. Os veículos são bem modelados e, via de regra, todos os ambientes foram bem construídos na parte visual.
Só tem um probleminha: nos consoles, principalmente, o jogo sofre com pop-ins de textura que fazem diversos elementos a sua volta se transformarem ou surgirem diante dos seus olhos. Carros que começam quadrados e com textura chapada vão ganhando forma em cutscenes, elementos brotam no horizonte, o asfalto muda constantemente de cor e forma, faixas aparecem e desaparecem... É um horror, porque realmente impacta a experiência.
Sim, é uma screenshot. Sim, essa aberração vai aparecer em movimento na videoanálise.
Em um dado momento, nem mesmo o mundo havia sido carregado direito pra mim e os carros apareceram flutuando. Já em outra situação, durante uma perseguição, os blindados da polícia eram simplesmente invisíveis pra mim, o que tornava impossível desviar deles, e iam “montando” peça a peça até acertarem em cheio o meu carro.
É frustrante porque esse tipo de coisa acontece ao longo de todo o jogo e, se não bastasse, o NFS Payback ainda sofre com quedas de frame significativas quando há muitos elementos na tela.
Quando tudo carrega certinho, no entanto, é possível perceber que se trata de um jogo bonito. Graças ao tempo dinâmico, ver o sol nascendo ou se pondo no horizonte enquanto você cruza a estrada é um espetáculo à parte – mesmo com Mac e Tyler soltando suas linhas diálogo desnecessárias toda vez que isso acontece.
A customização continua sendo o ponto alto de NFS
Como eu disse anteriormente, a customização de NFS 2015 ainda é uma das melhores que já vi em jogos de corrida de todos os subgêneros na atualidade, senão a melhor. Por sorte, ela se mantém sólida em boa parte em Payback, mas passou por umas mudanças também.
O principal é que agora, para desbloquear algumas peças de customização cosmética, você precisa cumprir alguns requisitos específicos, como passar por X áreas de drift ou andar em uma velocidade específica por algum tempo – algo diferente do sistema de níveis que existia originalmente.
Não precisa se assustar: os requisitos são relativamente simples de atender. Além disso, na medida do possível, eles incentivam você a explorar um pouco mais do mapa e participar das atividades paralelas, o que acaba sendo bem legal.
Outro aspecto que mudou é que, diferente do que acontecia em NFS 2015, você agora precisa definir qual será a categoria do seu carro entre as cinco existentes: corrida, drift, arrancada (drag), rally ou perseguição.
Essa definição vai impactar diretamente no processo de customização do veículo, já que algumas peças específicas poderão ser alteradas.
Algumas variáveis que podiam ser modificadas, como o quanto as rodas ficam para fora, ou o “rake” (inclinação) do veículo, não aparecem mais. Ainda assim, o jogo não sofre com essas ausências.
Além de criar seu veículo, o jogo também incorporou a restauração de veículos abandonados. Numa pegada inspirada por concorrentes, toda vez que você derrota um líder dos grupos rivais você recebe dicas de onde encontrar os veículos.
É preciso coletar o chassi e outras quatro peças específicas para ter uma base na qual você poderá trabalhar para transformar o carro em uma obra prima sobre rodas.
Outra novidade de NFS Payback são os itens cosméticos especiais que podem ser adquiridos através das remessas, que nada mais são do que loot boxes que você ganha através do cumprimento de desafios ou comprando em microtransações. Neons, fumaças coloridas, fogo de nitro coloridos, buzinas, tudo isso pode ser conseguido fora do gameplay de rotina.
Falando nas remessas...
Se o gameplay e a customização seguram a onda e evitam que Need for Speed Payback seja um desastre, outro aspecto que joga contra o sucesso do game é o sistema de melhorias de performance dos carros – algo que impacta diretamente seu progresso.
Agora você não compra uma peça específica que vai melhorar o desempenho do veículo: você precisa adquirir as chamadas “speed cards”, que são cartas que correspondem a alguma parte do carro (bloco, escape, turbo). Elas têm um nível e podem contar com até três atributos diferentes que são gerados de forma randômica.
Essas speed cards são adquiridas de uma forma bem questionável ao fim dos eventos: você pode escolher entre três cartas marcadas com um ponto de interrogação – o que me faz pensar que seria muito mais fácil me dar um diabo de uma carta randômica de uma vez, já que, na prática, não é possível diferenciar qualquer característica entre as opções que são disponibilizadas.
Por se tratar de um sistema de RNG (random number generator), pode ser que você pegue uma carta muito boa e que vai melhorar seu carro de fato, ou pegar um lixo que não fará a menor diferença pra você.
Se esse for o caso, você pode recorrer às lojas espalhadas pelo mapa para comprar cartas com a moeda do jogo – mas essas também são geradas de forma randômica e sofrem alterações de forma periódica.
Isso significa, na prática, que você não tem uma forma garantida de progredir no jogo e depende da boa vontade da programação para conseguir speed cards que vão colocar o seu carro em um nível aceitável para competir nas corridas mais ao fim da história.
Não ganhou cartas boas e não tinha nada de bom na loja? Não se preocupe: com uma outra moeda paralela, você pode fabricar uma (de forma randômica também). Essa moeda paralela pode ser adquirida através das remessas, que são basicamente loot boxes, e, como você pode imaginar, podem ser compradas com dinheiro real através das microtransações.
Agora basta juntar as peças: seu progresso no jogo depende de um sistema completamente randômico, mas que pode ser “agilizado” através de microtransações. Então ou você pode escolher pagar para ter uma chance maior de conseguir peças ou vai se ver estagnado, tendo que repetir corridas e torcendo pra conseguir uma peça decente.
É esse grind desnecessário que evidencia, mesmo que de forma sutil, como a Ghost Games e a EA montaram a estrutura de forma a incentivar o uso da microtransação no game.
Embora não seja impossível progredir, fica claro que é uma tarefa muito mais onerosa do que para aqueles que decidirem gastar uma graninha em loot boxes para ganhar as cartinhas que podem ser transformadas em speed cards. Esse problema fica bastante acentuado na porção final da campanha.
Essa não é uma crítica ao sistema de microtransações em si, a partir do momento em que isso gera um impacto direto na progressão do game, ele se torna um ponto que é, no mínimo, questionável.
O último pilar que sustenta o Payback: o som
Na parte sonora, os sons dos motores e demais efeitos de som de Need for Speed Payback não são espetaculares, mas cumprem muito bem seu papel.
No entanto, o grande destaque fica para a trilha sonora que, como de costume na franquia, foi escolhida à dedo. Embora não seja possível escolher o estilo que você quer ouvir especificamente, as músicas transitam entre o rap, passando pelo rock com uma pegada mais indie e contemplando também o eletrônico.
Os brasileiros do Haikaiss emplacaram a “Raplord” e outros nomes como Nothing But Thieves, Royal Blood, Queens of the Stone Age, RAT BOY e Run The Jewels também marcam presença e ditam boa parte do ritmo da jogatina. Para quem usa Spotify, as músicas estão disponíveis em uma playlist dedicada ao game.
Nem descartável, nem a primeira opção
Colocando tudo que Need for Speed Payback oferece em uma balança, fica bem claro que algumas decisões cobraram seu preço na qualidade final do produto. Se Need for Speed 2015 havia sido um passo para frente, apesar dos pesares, o novo título da Ghost Games acaba sendo dois para trás.
Glitches gráficos que impactam bastante a experiência, uma história extremamente forçada e personagens fracos tiram bastante o brilho da jogabilidade que é envolvente, dos momentos mais empolgantes e divertidos do jogo e também da qualidade visual que fica comprometida pelos problemas.
O sistema de melhorias, com as speed cards e todo o esquema de microtransações que tornam o progresso do jogo refém da sorte e de números gerados de forma randômica, também tem um impacto significativo para o jogador.
A impressão que fica é que a Ghost Games quis dar um passo maior do que a perna e esqueceu que, assim como fizeram em 2015, o menos, de vez em quando, pode significar mais.
No entanto, se você ignorar todo o enredo e os problemas gráficos e se focar no gameplay, é plenamente possível se divertir com Need for Speed Payback. O game, nem de longe, é descartável – mas, também, nem de longe é a primeira opção de jogo de corrida arcade para os usuários, seja na plataforma que for.
Categorias
- Jogabilidade é sólida pra um jogo arcade
- Customização dos carros continua sendo um dos pontos altos
- Trilha sonora escolhida a dedo compõe bem o ambiente
- Gameplay é empolgante e divertido, desde que você ignore o contexto
- Quando tudo carrega certinho, os gráficos são bons
- História rasa e ruim, com personagens fracos e diálogos irritantes
- Quedas de frames frequentes
- Pop-ins de textura são parte do jogo
- Sistema de melhoria de performance é randômico e pode ser um problema na progressão...
- ... O que se torna uma forma de incentivar as microtransações presentes no jogo
Nota do Voxel