Mutant Year Zero tem personalidade o bastante para compensar seus defeitos
Quando escrevi há algumas semanas sobre Mutant Year Zero: Road to Eden, afirmei que a demonstração do game a que tive acesso era curta demais para dar um veredito sobre ele. Agora, tendo finalizado a aventura, pude confirmar algumas das impressões e perceber que algumas expectativas estavam erradas, para o bem e para o mal.
O título tem como cenário um mundo pós-apocalíptico devastado pela guerra, em que somente um local conhecido como A Arca permanece habitável, dependendo dos recursos presentes em locais devastados para manter seu funcionamento. Os únicos capazes de fazer esse trabalho são os mutantes, criaturas geneticamente modificadas que, muitas vezes, possuem características animalescas.
A aventura começa em uma dessas jornadas, quando você descobre que as criaturas alteradas que moram fora da cidade estão planejando destruí-la. Sua missão a partir desse ponto é impedir que isso aconteça e, quem sabe, alcançar a mítica Eden, que promete ser um lugar de paz e descanso em meio a um mundo destruído.
Mundo inóspito
Com aproximadamente 12 horas de duração, Mutant Year Zero: Road to Eden é um game que não esconde suas inspirações em franquias como Fallout e XCOM. Do primeiro ele tira seu cenário pós-nuclear, com direito a comentários engraçados sobre o passado (fique atento à descrição de certos itens), enquanto do segundo temos o sistema de combate estreado a partir de Enemy Unknown.
Isso não quer dizer que o game não tem seus próprios méritos ou ideais de gameplay, mas nem sempre elas funcionam conforme o desejado. Desde o começo, o jogo ensina que você pode se esgueirar para passar despercebido por inimigos ou criar emboscadas — nas quais é possível usar táticas do estilo “dividir e conquistar”, abatendo adversários usando equipamentos silenciosos.
Essa estratégia é legal, mas tem um prazo de duração bastante limitado. Mutant Year Zero é um game difícil e marcado pela baixa disponibilidade de itens, sendo que as armas mais poderosas não são as silenciosas, mesmo quando elas são evoluídas. Em outras palavras, logo a quantidade de vida dos inimigos logo se torna grande demais a ponto de que uma aproximação furtiva se torna inviável.
Assim, se esconder acaba virando mais questão de decidir qual inimigo eliminar no primeiro turno do que uma opção realmente inteligente. Depois de certo ponto você não tem outra opção a não ser chamar a atenção dos inimigos, então pelo menos há a opção de quando fazer isso — mais ou menos o que acontece em XCOM 2 nas missões em que suas unidades começam escondidas.
Todas as batalhas acontecem em turnos alternados: primeiro você mexe seus personagens, e depois é a hora dos inimigos agirem. Cada protagonista pode fazer dois movimentos, sendo que geralmente disparar uma arma ou acionar alguma mutação pesada encerra sua vez — saber o momento de agir, mudar de cobertura ou até mesmo de sacrificar uma unidade é essencial para vencer as batalhas mais difíceis.
Habilidade e sorte
Mutant Year Zero é um game desafiador, característica que permanece do começo ao fim, independentemente de quão melhores suas armas e habilidades são. Isso acontece tanto devido à introdução frequente de novas unidades inimigas quanto ao fato de que o nível delas sobe conforme a região explorada. Em outras palavras, não é bom ficar fugindo de combates caso você deseje ter poder suficiente para sobreviver.
Ao fim da aventura, senti a impressão de que seu sucesso no jogo depende tanto de sua habilidade quanto de uma boa dose de sorte. As porcentagens de acerto mostradas na tela nem sempre parecem fazer justiça às suas chances reais de acertar um ataque — em uma situação, recarreguei 10 vezes o mesmo save e não consegui acertar em nenhuma delas um tiro que o jogo me disse que tinha 75% de atingir o alvo.
Da mesma forma, aprendi a não confiar nas coberturas medianas: na maioria das vezes, usá-las garantia tanta proteção quanto andar desprotegido. Tudo isso pode não passar de uma percepção superficial e as porcentagens mostradas podem estar corretas, mas, ao fim da aventura, tive a impressão de que os sistemas usados são mais imprecisos que os de XCOM, game que se tornou infame por indicar chances que pareciam não corresponder à realidade.
Evolução necessária
O game possui alguns elementos de RPG bem leves, que se manifestam tanto na personalização dos personagens quanto nos itens que você coleta pelos cenários. Enquanto subir de nível rende pontos que podem ser usados para destravar habilidades (são três tipos de mutação e alguns bônus de vida e movimentação disponíveis), você também pode encontrar artefatos raros que rendem bônus permanentes, como um maior dano das granadas ou uma chance aprimorada de causar dano crítico.
Também há um sistema de equipamentos, que podem ser evoluídos até o nível III e possuem espaços para dois acessórios que podem ser removidos e trocados livremente. As armas não usadas podem ser transformadas em peças, que também são encontradas em número limitado pelos ambientes — então é bom pensar bem antes de investi-las.
Para completar, você também consegue sucata pelos ambientes, que serve como a moeda do jogo: há somente uma loja disponível, que cobra valores bastante salgados. Em geral, os recursos são bastante limitados e fazem você pensar bem antes de agir, sendo o mais valioso os kits médicos que, além de curar dentro e fora de batalha, são a única forma de curar um personagem abatidos.
Particularmente, acredito que essa questão dos equipamentos é a parte mais bem-resolvida de Mutant Year Zero: Road to Eden, sendo condizente tanto com o desafio que o jogo propõe quanto ao universo criado. Só queria mesmo que tivéssemos mais opções de armas silenciosas que fossem viáveis, já que a maneira como o game é construído transforma elas em algo inútil a partir de certo ponto.
Em compensação, o sistema de níveis parece ter sido feito às pressas e não dá uma sensação de que você está evoluindo conforme os números mostrados. Você nunca sabe o quanto de experiência seu personagem vai ganhar, e ele nunca ganha mais pontos de vida ou poder de ataque — o sistema todo só serve para desbloquear habilidades, sendo que só é possível usar uma de cada categoria. O mesmo não acontece com seus adversários, que ficam imediatamente mais resistentes e poderosos conforme o nível indicado.
Problemas técnicos
Para esta análise, joguei Mutant Year Zero no PC e, mesmo depois de uma atualização generosa, o game tem problemas técnicos um tanto graves. Para começar, ele nunca lembra da opção de idioma que você escolheu: ou seja, sempre é preciso mudar isso ao iniciar uma nova partida caso você não queira jogar com a opção correspondente à de seu sistema operacional.
mesmo depois de uma atualização generosa, o game tem problemas técnicos um tanto graves
Além disso, o game costuma “congelar” durante alguns minutos ao tentar acionar a tela de save ou quando você manda seu personagem se movimentar. Nesses casos, o movimento termina com um “teleporte” ou com a figura escolhida andando sem sair do lugar — o que, felizmente, não influencia nos bônus que as coberturas conferem.
Para completar, o game volta e meia “esquecia” que eu estava jogando em português e, em meio a falas, exibia uma legenda em inglês. Nenhum problema enfrentado chegou a causar perda de progresso ou tornou impossível avançar na aventura, mas as ocorrências eram frequentes o bastante para conseguirem ser previsíveis e incômodas.
Gosto agridoce
Apesar dos problemas técnicos e de sentir que Mutant Year Zero: Road to Eden poderia ter um sistema de evolução melhor, gostei do tempo que passei com o game. Mas confesso que a maneira como as coisas terminam foi um tanto decepcionante. Sem entrar em spoilers, posso dizer que a conclusão me deu a impressão de que o pessoal do The Bearded Ladies usou o jogo mais como uma introdução do que como uma aventura feita para fechar um ciclo.
O pior é que o jogo caminha todo o tempo para o que parece ser uma conclusão redondinha, mas aos 90 minutos do segundo tempo joga uma “bola curva” que parece que tudo pelo que você passou era somente o aperitivo para uma sequência. Quando você pensa “agora vai, agora as coisas vão pegar fogo”, o jogo acaba e a tela de crédito começa a subir — o que é frustrante.
Visto como um primeiro esforço de algo maior, Mutant Year Zero traz muitas ideias interessantes e que podem ser muito bem desenvolvidas em uma sequência. Mas como não dá para julgar um game pelo que ele “poderia ter sido”, confesso que sai gostando menos do que eu queria da experiência.
Quem gosta de combates desafiadores e de ficção científica sem dúvida vai encontrar algo a gostar, e a experiência tática é divertida, mesmo que um tanto derivativa. Em compensação, uma história com um final um tanto decepcionante e uma série de bugs frequentes fazem com que o primeiro esforço do The Bearded Ladies não atinja todo o potencial que prometia.
Categorias
- Dificuldade que permanece desafiadora do começo ao final da aventura
- Personagens interessantes e que ajudam a enriquecer o universo criado para o game
- Sistema de combate bastante tático e que exige um bom conhecimento de suas habilidades e dos adversários enfrentados
- Desperdiça algumas ideias boas, como a furtividade, ao não oferecer os elementos necessários para usá-las totalmente
- A história termina de forma anticlimática, dando a impressão de que o game inteiro é uma premissa para uma sequência
- A história termina de forma anticlimática, dando a impressão de que o game inteiro é uma premissa para uma sequência
- O sistema de níveis não condiz muito bem com o poder de seus personagens; equipamentos são mais determinantes na força e resistência deles
Nota do Voxel