Brutal e insano como deve ser. Mas o carro está um pouquinho acima do peso
Jogos baseados em franquias do cinema/HQs costumam sofrer de um mal: ter uma qualidade que nunca chega perto daquilo que vemos nas telonas. Mas nomes da cultura pop como Batman e O Senhor dos Anéis provam o contrário e têm representações fidedignas com a saga Arkham e Middle-earth: Shadow of Mordor. São games que nadam contra a maré de adaptações sofríveis e trazem uma exímia apresentação. Mad Max segue um caminho parecido.
Ainda que não tenha o mesmo impacto dos títulos supracitados, o game recebe um imenso conteúdo e conta com o selo da Avalanche, que mostrou seu talento para a indústria por meio do querido Just Cause, a caminho das prateleiras com sua terceira entrada em dezembro deste ano. Mad Max e Just Cause são irmãos de sangue: há semelhanças e diferenças que fazem o jogador mais aguçado perceber que se tratam de obras do mesmo progenitor.
O guerreiro das estradas ainda tem o peso do filme recente, brilhantemente dirigido mais uma vez por George Miller, que também cuidou da trilogia original e é um dos idealizadores de Mad Max. O longa foi sucesso absoluto e mundial nos cinemas. No jogo, a mesma dose de adrenalina está ali, no gameplay e nas cinemáticas, com perseguições alucinantes, pancadaria sanguinária e muita insanidade. Tudo isso num vasto mundo aberto do futuro pós-apocalíptico, em que gasolina e água são os bens mais valiosos.
O apelo a uma velha conhecida abordagem: vingança
O primeiro aspecto mais notável de Mad Max é a sua apresentação cinematográfica. Logo de cara, o jogador é arremessado numa fuga alucinante que termina com o carro de Max destroçado. O protagonista, que prefere seguir sozinho seu caminho nessa terra devastada, encontra Chumbucket, um corcunda personagem que promete ajudar o andarilho solitário a construir uma nova caranga. É assim que surge o Magnum Opus, o objeto de estimação do jogador.
A natureza de Mad Max é sórdida, assim como o passado do protagonista, que faz questão de ser enigmático e apático – mas é justamente daí que nasce seu carisma canastrão, aquele espírito do anti-herói, mais ou menos na linha de Marcus Fenix ou Kratos, só que em menor escala. A história aborda uma velha temática da indústria de entretenimento: vingança. Max vai atrás daqueles que destruíram seu antigo carro, um poderoso V8. Para isso, o destemido solitário monta e utiliza outra caranga com a ajuda de um ser tão nefasto quanto a natureza pútrida do mundo em que estão.
A perspectiva funciona dentro da proposta de jogo. Ao lado de Chumbucket, o guerreiro das estradas inicia uma jornada em busca de peças e recursos que permitam avançar pelo deserto hostil dominado por Scrotus, tirano que saqueia vilas e mata inocentes em troca de combustível e suprimentos. A ideia é alcançar a Vila Gasolina (“Gas Town”, na versão em inglês), quartel-general do vilão e reduto de quantidades homéricas de suprimentos.
A devastada savana australiana: morta, podre e divertida
O deserto é um mundo aberto imenso, com planícies, vilarejos, bases montadas, torres e muita, muita areia. Fallout também pega emprestada essa ambientação. A vastidão desértica, no entanto, pode ser encarada de duas formas, dependendo das preferências do jogador: tédio profundo ou a compreensão de que a natureza de Mad Max é assim, vazia.
Trata-se de um cenário que existe após o fim do mundo, e as estradas do interior da Austrália não são exatamente populosas. As pessoas (vulgo sobreviventes) se comportam de forma primitiva. O futuro pós-guerra nuclear encontra o passado mitológico.
Lutas brutais, armas de fogo em segundo plano e desnecessário botão de pulo
É no gameplay que a experiência mostra o seu primor. Como não poderia deixar de ser, o foco está no combate veicular, mas há muito mais que isso. Max tem uma série de golpes que podem desencadear combos lindos aos olhos, num sistema de luta brutal que segue a fórmula da Warner, a mesma aplicada na saga Arkham e em Shadow of Mordor. Pressione os botões no timing certo para atacar e revidar, receita mágica agora amplamente utilizada em muitos jogos do gênero. Aqui, a mecânica funciona muito bem.
Conforme mencionado, o protagonista pode ganhar uma série de upgrades que são desbloqueados ao coletar sucatas e peças de projeto encontradas no mundo de jogo. Além de socos e chutes, Max pode utilizar armas brancas, sua fiel shotgun de cano duplo e uma novidade: o rifle de precisão, algo praticamente inexistente na mão do personagem dos filmes.
Só que o foco no combate veicular e a atenção dada às lutas corporais deixam a utilização de armas de fogo em segundo plano. A Avalanche fez questão de restringir o uso delas e isso fica nítido desde o começo: a shotgun, por exemplo, tem uma terrível mira manual (Max nem sequer anda enquanto mira), enquanto a sniper só pode ser utilizada a partir do carro do guerreiro.
Essas características reforçam o intuito da desenvolvedora em fazer o jogador utilizar o veículo, os punhos e os pés para descer o sarrafo naquele bando de psicóticos mal-amados. E utilizar essas outras formas para combater esses loucos é algo delicioso.
O pulo, por sua vez, desagrada e não serve para absolutamente nada, pois o personagem não se agarra em beiradas. O comando é lento, desnecessário e está mal mapeado: L2 (PS4) ou LT (Xbox One). Até porque, quando Max se aproxima de algum lugar escalável, outro comando deve ser acionado, o X (PS4) ou o A (Xbox One). Para rolar, basta apertar R1 ou RB. Com tudo isso à disposição, o pulo ficou mal alocado – e é bem insosso.
Magnum Opus: a máquina suprema de sobrevivência
No carro, a experiência pode ou não brilhar. O combate veicular funciona de maneira exemplar, mas o mesmo não pode ser dito sobre o controle do automóvel em si. A física é pesada e pouco responsiva, com um tempo de resposta que parece ter algum atraso nos comandos que o jogador aciona e aquilo que é executado na tela. Na verdade, o fato de a física ser pesada até faz sentido em função de toda e engrenagem que um possante daquele exige. Mas há um certo "input lag" que pode incomodar.
Ao curvar o analógico para os lados esquerdo e direito enquanto Max acelera, por exemplo, há um peso desnecessário que torna difícil se adaptar ao volante. Isso é algo que o tempo conserta, mas pode incomodar.
O carro é moldado conforme o jogador progride na história, coleta sucatas e desbloqueia upgrades, que são instalados no veículo de maneira prática e funcional. As rodas podem ganhar espinhos e soltar fogo, a carcaça pode ser fortalecida, ter pinturas diferentes e muito mais.
Looting, side quests e zilhões de atividades nesse parque de diversões desértico
Há milhões de atividades no mundo aberto de Mad Max. Além das missões principais, há uma infinidade de side quests capazes de ocupar o jogador por mais de 80 horas. É possível encarar corridas, invadir acampamentos de inimigos, destruir pontos de território, encontrar itens escondidos e outras coisas.
No entanto, essa variedade se transforma em rotina depois de algum tempo, o que dá margem para a repetição. Só que tudo é tão divertido e bem apresentado que dificilmente o jogador vai ficar entediado, ainda que exista esse risco. O visual, ressalte-se, é um esplendor que só, com todos os requintes que a estética punk-western manda. Atravessar uma tempestade de areia, quando ela ocorre, chega a dar medo. Os efeitos são espetaculares.
O looting é um aspecto importante de Mad Max. Sempre que invade bases e derrota inimigos, o protagonista encontra sucatas, que são a moeda para adquirir upgrades. A água é necessária para restaurar sua barra de energia. Relíquias históricas e outros colecionáveis também estão espalhados pelo enorme mundo de jogo.
Vale a pena?
Sim, sem a menor dúvida. Mad Max tem aquela apresentação cinematográfica que todos esperam e deve ser visto com um olhar próprio, pois é desvinculado dos filmes. O game foi considerado por muitos como o “Shadow of Mordor de 2015”, mas o impacto é menor porque 2014, convenhamos, foi fraquíssimo de lançamentos, ao contrário deste ano, em que o mercado recebe Bloodborne, The Witcher 3, Batman: Arkham Knight, Metal Gear Solid 5: The Phantom Pain, Rise of the Tomb Raider, Halo 5 e Fallout 4, só para citar alguns. A disputa é acirrada, nem se compara a 2014.
Com mecânicas robustas e já conhecidas pelos jogadores, Mad Max se destaca pela fidelidade à atmosfera de seu mundo, criado por George Miller em 1979 no cinema. Ainda que não traga inovações ao gênero, o jogo tem méritos próprios, com uma imensa variedade de upgrades ao carro, combate brutal e uma história tão insana quanto os personagens dela.
A infinidade de coisas para fazer sofre um ciclo de repetição após algum tempo, mas as lutas fluidas e o arsenal de upgrades sustentam o título até o final tranquilamente. O combate veicular funciona, mas o controle do carro certamente fará alguns jogadores estranharem aquele peso todo - na verdade, parece haver um certo delay nos comandos acionados. Os que estão mais acostumados a simuladores de corrida, e não arcade, talvez se adaptem com mais rapidez.
Legendado em português brasileiro, Mad Max oferece um parque de diversões imenso numa paisagem desoladora, mas com os mesmos brinquedos – só que todos eles são divertidos e insanos na medida certa.
- Carnificina e adrenalina na medida certa
- Atmosfera recriada com bastante autenticidade
- Mundo aberto imenso e recheado de atividades
- Combates mano a mano brutais e viscerais
- Customização completa do carro, com muitos upgrades à disposição
- Controle do carro é adaptativo, pesa e tem baixa responsividade
- Mapeamento atípico de comandos, com botão de pulo sendo completamente descartável
- Atividades ganham ciclo comum após algum tempo e podem dar margem à repetição
Nota do Voxel