Left Alive: o primeiro candidato a pior jogo de 2019
Ah, Left Alive, você me enganou. Você chegou com o design de personagem de Yoji Shinkawa, uma história de guerra, stealth, mechas, decisões. Por tudo que prometia, parecia que seria um novo Metal Gear “espiritual”. O resultado, no entanto, não chegou nem perto.
Pode ser que eu esteja me adiantando em entregar o ouro logo no começo da análise, mas eu preciso alertar o leitor desavisado o quanto antes: Left Alive passou de um dos jogos mais aguardados, para um dos piores que eu joguei nos últimos anos. E eu confesso, não tive estômago para terminar o game: a jornada até perto da metade foi o suficiente para perceber que não existe milagre que possa transformá-lo em um bom jogo.
Três que era melhor se fosse um
O jogo se passa no ano 2127, durante a invasão da cidade de Novo Slava. A história é contada pelo ponto de vista de três personagens diferentes: Mikhail, um piloto novato de Wanzer que é o único sobrevivente do seu pelotão, Olga, uma policial de Novo Slava e Leonid, ex-membro do grupo pela independência de Novo Slava, condenado à morte pelo (suposto) assassinato do seu líder.
O jogo é dividido em capítulos, e cada um acompanha um dos personagens. Apesar da história fraca e cheia de clichês (como o inimigo apontar a arma pra você e desistir de te matar assim que recebe uma ligação – o que aconteceu em mais de uma missão), eu fiquei animada quando vi que, em um dos capítulos, o caminho de dois dos personagens iria se cruzar. Achei que era ali que a narrativa ia me surpreender!
Infelizmente o encontro foi tudo o que eu não esperava: Olga ajudou Mikhail a proteger uma criança sobrevivente, mas ele foi grosso e mal-agradecido, o que não condiz com sua personalidade nas missões em que era o protagonista. A interação acabou com um bate-boca infantil e cada um seguindo o seu caminho. A cereja no bolo foi quando a criança que eles estavam protegendo fugiu e a história seguiu como se nada tivesse acontecido, mandando Olga investigar alguns arquivos ao invés de procurar a sobrevivente.
Falando de jogabilidade, os três personagens são iguais, com pequenas diferenças nos itens que podem criar. A movimentação, jogabilidade, armas: é tudo a mesma coisa. No final das contas, foi um desperdício gastar tempo com três personagens. Seria muito melhor se o desenvolvimento fosse focado em apenas um deles, com uma história mais densa e caprichada.
Tecnicamente fraco
Quando vi que a versão de PC pedia uma GTX1070 e 16GB de RAM, imaginei que o jogo seria maravilhoso, independentemente da plataforma. Infelizmente, ele não tem nada de impressionante no visual e a recomendação da GTX1070 é, com certeza, por má otimização. Jogos como Resident Evil 2 Remake e Devil May Cry 5 são infinitamente mais bonitos e exigem menos do hardware.
Jogando no PlayStation 4 Pro tive problemas de queda de quadros no modo de alta resolução, por isso optei por jogar no modo estabilidade, sem quedas perceptíveis. A qualidade de imagem e texturas não mudou muito entre os dois modos.
A parte técnica deficiente não ajuda em nada na história ou nos personagens. A dublagem (em inglês) nem é tão péssima, mas sem o apoio das expressões faciais fica difícil levar a coisa a sério. A atriz pode estar dando tudo de si na atuação, mas o personagem com expressão de boneco de cera não colabora para transmitir emoção.
A maior deficiência no visual do jogo são as texturas. Elas demoram para carregar e, quando carregam, são bem fracas. Mas o grave mesmo é como isso impacta a jogabilidade. Imagina a situação: cenário de guerra, você sozinha tendo que calcular cada passo para não ser visto pelo inimigo. Em uma área cercada, você vê uma passagem logo na sua frente que pode ajudar muito a cortar caminho – mas tem que ser preciso para ninguém te ver, no exato momento que um inimigo olha para o outro lado.
Quando você chega na passagem, a surpresa: não era uma passagem, era só a textura da grade que não tinha carregado.
ié ié, pegadinha do malandro
Outro problema grave do jogo é a inteligência artificial, que honestamente nem deveria carregar a palavra “inteligência”. Já criamos o termo “burrice artificial”? É basicamente isso – a IA é idiota, e não ajuda em nada o jogador a se sentir esperto por ter criado uma estratégia vencedora. Ela é tão tonta, o comportamento tão imprevisível que é quase impossível criar uma estratégia para sobrepuja-la. Em um jogo que se propõe a ser estratégico, não é isso que o jogador quer.
Em dado momento, precisei passar pelos esgotos, tomado de inimigos. Para alguns a tática “colocar uma mina e atraí-los” funcionou, para outros, não. Não foi raro, em um combate, um inimigo passar correndo do meu lado só para tomar cover em uma barreira atrás de mim. Ou um inimigo desistir de me atacar, quando eu estava claramente em desvantagem, e correr para se proteger.
Alguém avisa o inimigo que tomar cover ao contrário não adianta?
Tomar cover perto da IA também era imprevisível. Às vezes, mesmo escondida atrás de uma barreira, ela me via, às vezes não. Em outras situações, com dois inimigos em barreiras a minha frente, joguei uma granada que atingiu um deles. O que eles fizeram? Absolutamente nada.
Jogabilidade desengonçada no chão, mas divertida no mecha
Apesar de se propor a ser stealth, o jogo não tem nenhuma mecânica de stealth. Parece tão absurdo que em mais de uma ocasião eu resolvi parar e investigar o menu e inventário do jogo para ver se eu tinha deixado alguma coisa passar – mas não, é isso mesmo. O mínimo que eu esperava era um ataque sorrateiro, mas nem isso. O único jeito de matar um inimigo de costas para você é bater nele do mesmo jeito que faria com um inimigo que já te viu.
O dano do jogo também faz pouco sentido. Matar um inimigo com uma arma de fogo é uma tarefa demorada, você precisa descarregar mais de um pente de balas e o inimigo não perde a postura quando é metralhado. Já com um cano ou uma pá, bastam duas porradas para derrubar o inimigo e uma finalização com ele no chão.
O combate no geral é meio desengonçado. Em muitas situações o inimigo entrava em um “combo” de me dar porrada com a arma, eu cair no chão (por mais tempo que o necessário), ele me dar um pisão (e eu continuar no chão sem poder me mexer), ele me dar outro pisão (e eu ainda sem poder fazer nada, nem usar itens nem atacar) e eu morrer sem ter tido a mínima chance de me defender ou de contra-atacar. Bem frustrante.
Left Alive tem um grande foco em crafting, e ele é extremamente incentivado. Você pode construir itens como minas, explosivos, sensor de inimigos, torreta e cura. No começo pode parecer confuso o que você pode fazer e quais itens tem à disposição, mas depois de gastar um tempinho ajustando, organizando e estudando o sistema fica fácil de entender e usar. Considerando a situação geral do jogo, eu diria que o crafting é até bem estruturado.
Durante a jornada seus três protagonistas são acompanhados por uma inteligência artificial chamada Koshka. A princípio ela parece legal, mas basta ter um inimigo perto de você para ela começar com a frase
“caution, the enemy is approaching” (cuidado, o inimigo está chegando perto)
Parece útil, não é? As vezes sim, mas na maioria das vezes é só insuportável. Não importa se o inimigo está na sua frente, virando a esquina ou do lado de fora do prédio, ela vai repetir essa frase incansavelmente, sem parar, até o inimigo sair de um “círculo” imaginário em volta do protagonista. As vezes dá vontade de matar o inimigo só para ela calar a boca.
Os Wanzers, mechas do jogo, são a única parte legal do game – mas não sem defeitos. O grande problema foi a curva de aprendizado. O Wanzer tem recursos de esquiva, movimentação variada e algumas armas diferentes: os comandos são complexos e até um pouco intimidadores quando aparecem na tela pela primeira vez. E o jogo avisa: você não está invencível dentro de um Wanzer, coisa que aprendi na prática.
A parte um pouco frustrante foi quando logo no primeiro combate ele me colocou de cara contra outro Wanzer, antes mesmo que eu pudesse pegar o jeito da coisa. Depois de morrer muitas vezes nos corredores estreitos da cidade, finalmente aprendi a usar a esquiva e a equilibrar o uso das diferentes armas, e quando dei de cara com o segundo Wanzer já consegui entender o que estava fazendo.
Estrutura de missões sofrível
Left Alive não é um jogo fácil: seja pelos seus inúmeros problemas ou intencionalmente, o jogo te coloca em uma situação de extrema vulnerabilidade (a vítima em uma cidade sitiada pelo inimigo) e tarefas simples como andar de A até B são penosas e até mesmo cansativas.
Em certos capítulos eu me senti como no filme “Feitiço do Tempo”, descobrindo por tentativa e erro qual caminho era possível. Os checkpoints são praticamente inexistentes e tem poucas estações de salvamento pelo mapa, o que acaba te obrigando a repetir o mesmo caminho inúmeras vezes.
Apesar de te dar a ilusão de que existem diversas possibilidades de chegar no mesmo lugar, o mapa do jogo é mais engessado do que parece e te força a seguir um roteiro pré-definido, o que diminui e muito as oportunidades estratégicas. Não ter um mini mapa na tela também deixa tudo mais difícil.
Diante de todas essas dificuldades (propositais ou não), o protagonista e o jogador precisam de um motivo forte para sentirem que passar por tudo aquilo vale a pena. E, infelizmente, o jogo peca muito nessa parte. O roteiro das missões é preguiçoso e usa artifícios rasos para movimentar o protagonista.
Em um capítulo, minha primeira missão era encontrar armas abandonadas pelos inimigos, para “me proteger melhor”, segundo a Koshka – a questão é que eu já tinha uma pistola na mão, e não faria muito sentido eu me arriscar para conseguir mais armas. Com um pouco de esforço dos roteiristas, era possível criar uma motivação mais convincente.
Nessa mesma missão o protagonista se encontrou por acaso com uma ex-companheira de resistência. Depois de discutirem dentro de um lugar relativamente seguro, ela diz que tem algo muito importante para revelar. Ao invés de falar ali mesmo, pede para que ele a encontre “no bar onde costumávamos ir”, que, adivinha, fica do outro lado da cidade! Por que ela não me falou ali mesmo? Ela sabe que a cidade está dominada pelo inimigo?
Uma exceção à regra são as missões de sobreviventes. Durante suas andanças sem sentido a Koshka vai te indicar a localização de alguns civis que não conseguiram escapar, e te dá a opção de ajudá-los a chegar até a entrada de um bunker subterrâneo.
Sobreviventes resgatados do fuzilamento
Alguns sobreviventes te recebem com arrogância, outros estão na frente de um pelotão de fuzilamento e exigem que você seja rápido e outros você precisa escolher bem as palavras para convencê-los a não desistir de tudo. Também é sua tarefa deixar o caminho até o bunker seguro.
Progressão de personagem? Só no NewGame+
A escolha do sistema de progressão de personagem é no mínimo curiosa, e considera que o game é bom o suficiente para ser jogado diversas vezes. Ao invés de acumular experiência durante a sua jogatina para aprimorar seus personagens, o jogo te dá pontos que liberam melhorias a cada New Game+ que você começa.
Ou seja, para dar mais dano com a arma ou diminuir a chance de sangramento (entre outros), você precisa terminar os 14 capítulos e usar os pontos acumulados para “comprar” os upgrades. Segundo o manual do game, você vai ter que terminar o jogo várias vezes para comprar todos os aprimoramentos. Sem tempo, irmão.
Vale a pena?
Não! Left Alive se propunha a fazer muitas coisas, mas não consegue entregar quase nada. Beira o inacreditável que uma empresa com o peso da Square Enix tenha aprovado The Quiet Man em 2018 e Left Alive em 2019, jogos fracos em praticamente todos os aspectos.
*Left Alive foi cedido pela assessoria da Square Enix
Categorias
- Combate com Wanzer é divertido
- Personagens fracos e história cheia de clichês
- Missões mal escritas e pouco recompensadoras
- Problemas gráficos graves que prejudicam o gameplay
- Inteligência artificial burra
- Combate desengonçado e pouco satisfatório
- Sistema de progressão que te obriga a jogar o game várias vezes
Nota do Voxel