Emocionante e memorável: a coletânea mais mágica que um fã poderia ter
Um aviso antes de começar a ler esta análise: o redator que vos escreve é um fã de carteirinha de Kingdom Hearts. Eu amo demais a franquia, talvez até mais do que deveria. Kingdom Hearts 2 é, para mim, um dos melhores jogos já feitos e sem sombra de dúvida lidera o meu top 10 de games, sem chances de mudar de posição.
Eu gostei muito das coletâneas em HD da série e fiquei feliz com a chegada ao PlayStation 4, mas essa especificamente era uma das que eu mais esperava em 2017. Talvez, ele fosse um dos jogos que eu mais aguardava nesse ano, sem brincadeiras. O grande destaque de Kingdom Hearts HD 2.8 Final Chapter Prologue é a adição de dois conteúdos inéditos na franquia, que já vem de um hiato bem grande. Por conta disso, é até difícil definir do que se trata essa análise: não é nem remaster nem um novo jogo grande por si só, mas sim algo atípico na indústria.
Quem é fã de Kingdom Hearts sabe: há anos que a série deixou de ser o fatídico jogo que “mistura Disney e Final Fantasy”. A história, que é complexa, densa, rica e, por muitas vezes, confusa, finalmente está fluindo e desembocando a um fim. Este game traz três obras e duas delas são essenciais para o entendimento do vindouro Kingdom Hearts 3, algo que é naturalmente atrativo aos seguidores da série.
Os títulos são: Kingdom Hearts 0.2 Birth By Sleep – A fragmentary passage, um capítulo inédito estrelando Aqua, Kindom Hearts X Back Cover, um filme dos acontecimentos do jogo de celular e que contam o começo do universo do jogo, e, por último, Kingdom Hearts Dream Drop Distance HD. Para deixar a análise mais fluida e menos confusa do que já será naturalmente, dividirei as críticas a respeito de cada um deles. Confira nosso review completo:
BBS 0.2: uma história madura, melancólica e diferente do que já vimos
De todos os games da franquia até o momento, talvez Kingdom Hearts 0.2 Birth By Sleep – A fragmentary passage seja o que traz a abordagem mais diferente de todas. A narrativa, apesar de seguir os mesmos alicerces de amizades e disputa entre a luz e trevas, é muito mais sombria, madura e melancólica. Esqueça os alívios cômicos entre Sora e Pateta ou a história mais “bobinha”. A temática aqui é dúvida, redenção e solidão.
Birth By Sleep tem uma narrativa mais sombria e envolve temas como redenção, solidão e loucura, algo diferente do que já vimos
Aqua está perdida no Realm of Darkness e mal sabe se passam dias ou anos a cada caminhada. Trata-se de uma jornada solitária, com muitos monólogos e recheada de simbolismos. A protagonista está no escuro, literal e figurativamente. Vemos um desespero dela por não saber o que se passa no mundo da luz, se o seu sacrifício foi em vão (não vou dar spoilers, mas trata-se do final de Birth By Sleep), e cada vez mais apta a ceder à escuridão, tornando-se a própria inimiga quando a loucura bate à porta.
Aqua enfrenta os próprios demônios em uma jornada sombria e com pitadas de insanidade
A história começa diretamente após os acontecimentos de Birth By Sleep e tem o objetivo de amarrar pontas soltas do enredo antes de Kingdom Hearts 3. De forma geral, o game cumpriu esse objetivo com maestria e trouxe trechos ainda mais avançados que o final de Dream Drop Distance, o último da cronologia da série. Do começo ao fim, a enredo é simplesmente soberbo e tive cada vez mais medo de a narrativa chegar ao fim. Para completar, a Square ainda colocou mais mistérios que só serão respondidos no futuro, tudo para aumentar o hype do terceiro game. Fica a dica: assistam às cenas pós-créditos.
O mais bacana aqui é que nada foi reaproveitado do jogo original (Birth By Sleep). Você passará por alguns dos mundos do game, como Enchanted Dominion (Bela Adormecida), Dwarf Woodlands (A Branca de Neve) e Castle of Dreams (Cinderella), mas todos foram refeitos do zero, com ambientes completamente inéditos e level design adaptado à nova jogabilidade. Caso nunca tenha jogado o game anterior e comece por esse ou simplesmente não se lembre, há um texto no menu de história que traz um resumo completo. Não é a melhor forma de sumarizar tanto conteúdo, mas pelo menos existe uma opção.
Apesar de ser excepcional, o maior problema de Birth By Sleep 0.2 é a sua duração: apenas 5 ou 6 horas de campanha (sem extras)
O maior problema aqui não é o enredo, os cenários ou os diálogos, mas sim a duração. Por se tratar do título que mais se aproxima a Kingdom Hearts 3, seja em gameplay, elementos da história ou gráficos da nova geração, era o que eu mais esperava jogar. Eu me diverti, me emocionei e acreditei ser uma das melhores experiências de jogos que tive, mas, infelizmente, ela durou pouco. Kingdom Hearts 0.2 Birth By Sleep – A fragmentary passage conta com apenas 5 horas de jogo, que podem ser estendidas ao procurar todos os extras, mas, ainda assim, trata-se de uma jogatina mais curta que o esperado.
Galeria 1
A jogabilidade mais brilhante da franquia até agora
Uma das coisas que mais me empolgaram foi a jogabilidade de Kingdom Hearts 0.2 Birth By Sleep – A fragmentary passage. Ao mesmo tempo que o sistema clássico de Kingdom Hearts 2 está de volta, com atalhos de magias no botão L1, o sistema de defesa e contra-ataque de Birth By Sleep e os estilos de comandos diferentes presentes tanto em BBS (aqueles que transformavam o tipo de ataque dos personagens, como o Spellweaver) quanto em Dream Drop Distance também marcam presença aqui.
Birth By Sleep 0.2 combina em perfeita harmonia a jogabilidade de BBS, Dream Drop Distance e Kingdom Hearts 2, mas em escala menor
Há uma harmonia entre todos eles, criando um dos combates mais agradáveis, gostosos e responsivos que a franquia já viu. No geral, senti falta de uma variedade maior de estilos comandos (transformações do personagem que traz novos movesets), magias e a carência total dos Reaction Commands – ações especiais com o botão triângulo –, presente em Kingdom Hearts 2.
O combate é simplesmente incrível
Contudo, a falta de diversidade de elementos pode ser justificada por se tratar de um jogo mais curto e que serve apenas como um elo para o vindouro Kingdom Hearts 3. Poderia ser maior, com mais coisas e similar a um título principal da franquia? Sim, mas não é esse o intuito aqui e trata-se apenas de uma sensação de “quero mais” difícil de ser suprida.
A grande adição aqui são as magias, que receberam um upgrade. Em vez de ganhar novos estilos de comandos com diferentes tipos de magias, você obtém uma espécie de ativação do feitiço em potência elevada. Em outras palavras: se você executou uma Firaga, ao completar a barra de comando, terá uma Firaja para gastar sem custo de MP.
Infelizmente, o velho inimigo de Kingdom Hearts também dá a cara de vez em quando aqui (e não estou falando de Xehanort). A câmera continua a se perder em alguns momentos, principalmente em seções de corredores ou em ambientes abertos com itens no meio do cenário, como árvores.
Apesar de ser em momentos raros, a câmera continua com alguns problemas
No geral, é visível que Kingdom Hearts 0.2 Birth By Sleep – A fragmentary passage traz um escopo em escala micro do que veremos em Kingdom Hearts 3, e isso é simplesmente fenomenal. Tudo é perfeitamente bem encaixado, há pequenos puzzles e desafios para cumprir, o combate é magnífico e o level design é soberbo, com interações ainda mais frequentes e caminhos extras para explorar.
As magias são partes importantes do game
Curto, mas com muitos extras
Conforme supracitado, Kingdom Hearts 0.2 Birth By Sleep – A fragmentary passage é curto. Mais curto do que eu e muitos outros esperavam. Porém, isso não significa que haja apenas algumas horas de diversão e a experiência está completa. Assim como nos demais títulos da franquia, existem muitos baús para abrir e itens para colecionar.
Contudo, a nova iteração se destaca em dois pontos distintos, que estão diretamente conectados. Aqua conta com um guarda-roupa que traz 51 itens customizáveis à vestimenta da personagem, mas para coletá-los é preciso completar alguns objetivos. De forma resumida, é como se fosse um sistema de troféus dentro do próprio game, mas com recompensas.
Há dezenas de itens colecionáveis e desafios para cumprir
A grande sacada é que parte desses desafios trazem "quests" secretas ou ações que necessitam mais atenção do jogador para cumpri-las. Mas fique tranquilo: se perder qualquer tipo de conteúdo, há backtracking e o New Game+ funciona perfeitamente.
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Uma pintura viva e colírio para os olhos
Um dos grandes receios que eu tinha era justamente o pulo gráfico da nova geração. Eu amo novas tecnologias e hardware novo, capaz de expandir as possibilidades de uma franquia antiga, mas Kingdom Hearts sempre teve uma direção de arte muito única e distinta, algo que poderia se perder em um motor visual diferente. Felizmente, esse não é o caso. Não inteiramente, pelo menos.
A Unreal Engine 4 é a melhor decisão que a equipe poderia ter feito
Sim, de fato a identidade visual da série mudou, mas para melhor. De uma maneira quase misteriosa, tanto a estilização cartunesca quanto o fotorrealismo proporcionado pela Unreal Engine 4 coexistem em perfeita harmonia. Aqua, Terra e Ven, por exemplo, adquirem estéticas mais sérias e maduras e conseguem ficar lado a lado com personagens como o Mickey sem adquirir contrastes que causam estranheza.
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Contudo, os heróis são apenas detalhes perto dos cenários. Sem forçar a barra e exagerar: os cenários parecem quadros que tomaram vida. Sério, sem exageros mesmo. Se você reparar na direção artística das screenshots abaixo, verá uma composição visual soberba em cada canto de Castle of Dreams ou Dwarf Woodlands.
A composição visual é simplesmente soberba, com detalhes, tonalidades e combinações que parecem quadros vivos
A própria escolha de tonalidades e disposição de elementos na tela casa perfeitamente com a temática melancólica do game. A atmosfera é muito mais sombria, com tons de azul e objetos destruídos, mas é belissimamente equilibrada com lamparinas alaranjadas que trazem conforto. Pode parecer firula e perfumaria barata, mas são detalhes como esse que tornam Kingdom Hearts tão único, tocante e emociante.
Galeria 4
Opiniões e filosofias à parte, Kingdom Hearts 0.2 Birth By Sleep – A fragmentary passage é uma obra muito bem-feita tecnicamente. O jogo roda em até 60 fps, mas tem taxa variável, podendo cair bem abaixo disso (eu joguei no PlayStation 4 Pro, mas verificarei se isso também ocorre na versão convencional). Todavia, o sistema de partículas, os objetos 3D e as texturas são extremamente caprichadas, tornando o game uma verdadeira obra-prima na engine.
Para completar, a sonoplastia se torna a cereja do bolo nas mãos da Square Enix, colocada cuidadosamente e com muito respeito ao conteúdo que já existe. As faixas musicais são soberbas (Dearly Beloved e Enchanted Dominion continuam magníficas no remix), a dublagem é de primeira e efeitos de som combinam todo o conteúdo em uma impressionante experiência audiovisual.
Remasterização feita do jeito certo
Depois de cinco anos, Kingdom Hearts Dream Drop Distance finalmente perdeu a exclusividade com o 3DS e é a chance de os fãs jogarem o game nas telas maiores. Até o momento, o jogo é o link direto a Kingdom Hearts 3, pois é o último da cronologia, sucedendo os eventos após o segundo título diretamente (não se trata de um spin-off com outros personagens), ou seja, uma das obras mais importantes da franquia.
A remasterização do sétimo jogo da franquia é do jeito que a gente espera: modelos 3D de alta qualidade, texturas atualizadas e compatíveis com as telas maiores, 60 frames por segundo completamente estáveis e uma experiência mais fluida e bonita de um dos melhores games de Kingdom Hearts.
O jogo roda a 60 fps constantes, com muita fluidez e resolução bacana para telas maiores
Remasterização de qualidade
Com exceção de algumas texturas levemente abaixo da resolução esperada (veja na galeria abaixo), não há o que reclamar de quesitos visuais do game. Tudo roda muito bem em 60 fps cravados (com exceção das cutscenes, que são reproduzidas a 30 fps), algo que ajuda no combate da nova mecânica Flowmotion, no qual você deve se locomover pelo cenário de forma muito mais ágil e utilizar o momento para atacar, o que é bem inovador no combate consolidado da série.
O único ponto negativo aqui é a adaptação dos comandos touchscreen do original, que não são bem traduzidos ao DualShock 4. Alguns comandos, como o Bounce, que requeria a caneta stylus no 3DS, foram bem convertidos com ações simples. No entanto, tudo que envolve os Dream Eaters (inimigos e companheiros do game) é simplesmente horrendo. Fazer carinho nas criaturas e participar dos mini games é horrível, pois requer o analógico e o touchpad da forma mais malfeita possível. Os problemas do jogo original continuam, como a intercalação constante entre personagens e o entediante modo Dive para habilitar novos mundos.
Galeria 5
Dream Drop Distance é um dos melhores games da série e a remasterização está ainda mais caprichada
No geral, Dream Drop Distance é uma grande adição à coletânea, pois traz uma continuação direta da história com os protagonistas que mais importam: Sora e Riku. Contudo, se comparado com outros games grandes das compilações passadas (KH 1 e KH 2), a remasterização é muito menor e menos rica em conteúdo (apesar de ser de alta qualidade). Além disso, trata-se de um port de um portátil ao console e, apesar de bem-feito, a tradução da experiência não é a mesma, ou seja, não é comparável a um título completo da franquia principal.
O filme que liga os últimos pontos soltos
Kingdom Hearts X Back Cover (não é “X”, mas sim a letra grega “chi”) é, talvez, a experiência menos aguardada da coletânea, mas pode acreditar: trata-se do conto do início de todo o universo da franquia Kingdom Hearts, algo essencial para amarrar as pontas soltas deixadas pelos últimos games da série.
O longa-metragem em forma de cutscenes “in-game” (não é um jogo de verdade, mas foi produzido na Unreal Engine 4) serve para explicar a história do game de celular, Kingdom Hearts X Unchained, que infelizmente não está disponível no Brasil e tem certa dificuldade em narrar os fatos mais importantes.
Galeria 6
Na trama de um pouco mais de uma hora de duração, seguimos a história de sete personagens importantíssimos para a história da franquia: o Mestre dos Mestres, um personagem enigmático capaz de ver o futuro e que colocou em curso todos os outros acontecimentos dos jogos posteriores, e os seus seis discípulos, cada um incumbido de uma tarefa distinta.
De forma geral, trata-se dos acontecimentos que decorreram na Keyblade War, a guerra que deu um fim à luz de Kingdom Hearts e envelopou o mundo em escuridão, segmentando o universo enorme em diversos outros mundos menores da forma como conhecemos atualmente.
A história do filme é perfeita para recontar as origens da franquia Kingdom Hearts
Sem dúvidas, foi o item da coletânea que mais me surpreendeu. Trata-se de uma experiência curta, mas que traz muitos esclarecimentos a respeito da trama principal e alguns outros mistérios para apimentar os acontecimentos que estão por vir. Toda a direção de arte é muito bem-feita, o progresso do filme é segmentado para ser continuado a qualquer hora e há legendas para acompanhar, mas infelizmente são em inglês.
Kingdom Hearts X Back Cover
O último link para Kingdom Hearts 3, mas dispensável para novatos
No geral, Kingdom Hearts HD 2.8 Final Chapter é um título mais do que indispensável aos fãs da franquia. Só por trazer conteúdo novo e extremamente relevante à trama principal já há algo mais do que suficiente para empolgar e deixar os seguidores da série ansiosos para colocar as mãos no pacote de jogos.
Contudo, é inegável: das três até o momento, ela é a que menos agrega um bom custo-benefício ao jogador e é a mais voltada para o nicho. Sem dúvidas, é uma decisão dúbia trazer os games mais recentes primeiro, já que a “coletânea das coletâneas” (1.5 HD + 2.5 HD) chegará em breve ao PlayStation 4.
Kingdom Hearts Birth By Sleep 0.2 é o título mais aguardado da coletânea (e também o mais curto)
Por trazer um game bem mais curto (apesar de ser inédito e contar com muitos recursos novos) e um título portátil no mesmo pacote, certamente você não sentirá na pele a magnitude total que um Kingdom Hearts de peso oferece, além de ser extremamente confuso para quem não tem a bagagem dos demais títulos.
Porém, é inegável: por mais curto que Kingdom Hearts HD 2.8 Final Chapter seja (e coloque em dúvida o custo-benefício da compilação com menos conteúdo da série), trata-se da mais incrível até agora, tudo por causa da nova trama de Birth By Sleep 0.2 e da junção de duas outras obras importantíssimas do universo de Kingdom Hearts. Se você é fã da franquia, é algo mais do que obrigatório. Caso contrário, é melhor esperar as outras coletâneas e zerar os títulos na ordem correta.
Lembrete: conforme dito no começo desta análise, trata-se de um produto bem atípico na indústria. No mesmo pacote há um jogo inédito, uma remasterização e um filme que resume os acontecimentos de um título para celular. Sou fã assumido da franquia e amo cada um dos games disponíveis até hoje, mas mesmo as nossas maiores admirações contêm falhas. Atribuir um valor numérico a uma experiência tão particular é bem complicado, algo que é ainda mais difícil nesse caso tão diferente. Portanto, vamos promover o debate educado nos comentários.
- Conteúdo inédito da franquia
- Apesar de curto, Birth By Sleep 0.2 beira a perfeição com jogabilidade refinada
- A história amarra quase todas as pontas soltas antes de Kingdom Hearts 3
- Muita personalização e objetivos extras para cumprir
- Direção de arte fantástica, com primor técnico e gráficos soberbos em até 60 fps
- Trilha sonora extremamente caprichada
- Remasterização de Dream Drop Distance é extremamente bem-feita
- A narrativa do filme é muito bem-feita e serve para entender as origens da franquia
- Birth By Sleep 0.2 é mais curto do que esperado
- Algumas texturas de Dream Drop Distance poderiam ser melhores
- Os comandos touchscreen do 3DS não foram bem adaptados ao PS4
Nota do Voxel