Uma aventura de espionagem com toques surreais
Vendido como um adventure humorístico (e um processador de palavras mal-feito), Jazzpunk vai além desse conceito e apresenta uma das aventuras mais surreais a chegar ao PC desde o lançamento de The Stanley Parable. O título apresenta uma espécie de década de 1950 alternativa, na qual você assume o papel de um agente especial que tem a missão de “derrotar o adversário” — uma referência nada discreta à rivalidade entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética.
No entanto, sua missão não é o mais importante neste game em que a exploração de ambientes rapidamente se torna o foco principal da ação. Cada ambiente está recheado de piadas, mini games e referências engraçadas a elementos do passado que, se nem sempre apresentam relação com a trama principal, ao menos servem como uma boa distração e lembram que o título não tem qualquer preocupação em seguir regras estabelecidas pela indústria — o que funciona tanto para o bem quanto para o mal.
Missão lisérgica
Após explorar os ambientes de Jazzpunk, é difícil não notar a aparente aleatoriedade com a qual os eventos do jogo se desenrolam. Em um momento, você está usando um aparelho eletrônico para paralisar pombas (que depois serão transformadas em uma torta), enquanto em outro está reproduzindo uma gravação encontrada dentro de uma caixa de correio que indica a localização de um “pacote secreto” — encontrando um intervalo no meio dessas atividades para ter relações sexuais breves com um robô.
Tudo o que foi descrito no último parágrafo acontece em um período de cinco minutos de jogo, algo que só ajuda a tornar mais espantosa a grande quantidade de material humorístico que os desenvolvedores conseguiram encaixar na aventura. Quando você pensa que já viu todos os trocadilhos e referências a filmes dos anos 80 que eram possíveis, o game cria uma nova situação que vai fazê-lo ao menos dar um sorriso devido à falta de respeito que esse universo tem a qualquer espécie de regra.
Talvez até mesmo por isso é bom o fato de que a aventura completa pode ser finalizada em aproximadamente 3 horas (um pouco mais para os caçadores de conquistas dedicados). Essa duração, que seria relativamente pequena em se tratando de outros títulos, é adequada a Jazzpunk porque assegura que a insistência do jogo em piadas surreais se mantém algo fresco na mente do jogador, e não um conceito que ultrapassa seu limite de validade.
Infelizmente, a curta duração tem como resultado negativo o fato de a trama do título não ganhar um final satisfatório — talvez pela insistência dos desenvolvedores de apostar na solução mais surreal possível. Após cumprir sua missão final, o jogo simplesmente cria uma situação inesperada da qual não é possível escapar, abandonando de vez a pouca coerência que havia apresentado até o momento em que os créditos finais são iniciados.
Humor que nem sempre funciona
Embora muitas das piadas e situações humorísticas que Jazzpunk apresenta sejam reconhecidas universalmente (embora nem sempre sejam sofisticadas, como a “almofada” que simula um humano soltando gases que aparece no começo da história), nem sempre isso acontece — e é justamente aí que reside o perigo de o título parecer simplesmente monótono para muitas pessoas.
Ao apostar em brincadeiras que dependem do conhecimento de referências do passado para funcionar, o título assume o risco de não atingir uma grande fatia do público — especialmente aquela formada por jogadores mais jovens. Embora quem nunca tenha tido que lidar com um CD de instalação da America Online possa reconhecer esse elemento, por exemplo, somente quem sofreu com a era da internet discada é que vai achar engraçada a referência a esse elemento.
Da mesma forma, referências mais sutis, como a barra de energia típica a GoldenEye: 007 (da Rare) e o apito que acompanhava caixas de um cereal norte-americano que permitia realizar ligações gratuitas, simplesmente vão passar despercebidas para muitas pessoas. Ao apostar demais no repertório próprio de cada jogador, Jazzpunk é um título com prazo de validade bastante curto e que não deve se mostrar atrativo a futuras gerações.
Pacote atraente
Enquanto o roteiro de Jazzpunk é marcado por incoerências e mudanças radicais em seu direcionamento, o mesmo não pode ser dito da parte técnica do título. Utilizando a já famosa técnica de gráficos em “cell shading”, o título apresenta personagens que se assemelham a peças de LEGO ou de Playmobil — isso é, se esses brinquedos fossem formados por bonecos sem braços.
Em vez de parecer estranhos, esses personagens se encaixam muito bem à proposta do game e, aliados a um trabalho de voz bem feito, conseguem transmitir a sensação de que estamos lidando com personalidades reais e não meras repetições dos mesmos modelos. Embora haja certas figuras “genéricas”, elas não aparecem em quantidade suficiente para fazer você se irritar com sua presença.
No entanto, o que merece destaque mesmo é a trilha sonora do game, formada por faixas de jazz envolventes que merecem ser escutadas mesmo quando o título não está mais rodando. Quando se leva em consideração a quantidade de jogos que a indústria produz a cada ano, é estranho pensar que o estilo musical não esteja presente em mais produções, já que ele traria um belo alívio ao abuso que vários estúdios estão fazendo do pop, do rock e do hip hop.
A única crítica que deve ser feita nesse sentido está relacionada ao fato de que muitas das faixas estão associadas a áreas específicas do cenário, o que pode gerar certa confusão. Na transição entre duas áreas diferentes, não é difícil perceber a presença de duas músicas sobrepostas, algo que impede apreciá-las da maneira adequada.
Sentimentos mistos
Após finalizar Jazzpunk, saí da experiência com sentimentos mistos em relação ao game. Ao mesmo tempo em que apreciei muitas das referências e brincadeiras mostradas pelo título (o que resultou na vontade de ver mais conteúdos do tipo em outras produções), foi difícil não se sentir esgotado pela aventura. De maneira semelhante a uma metralhadora, o jogo atira piada atrás de piada em sua direção — que erram o alvo tantas vezes quanto o acertam.
Embora seja impossível dizer que o game não é bem-sucedido em criar uma identidade própria, isso vem ao custo de sacrifícios em sua narrativa. A impressão é a de que, na tentativa de reunir o maior número de situações surreais e engraçadas, os roteiristas se esqueceram de costurá-las em uma trama que se mostrasse realmente satisfatória aos jogadores.
Assim, Jazzpunk se mostra um experimento interessante, mas que definitivamente não é adequado a qualquer tipo de pessoa. Caso você tenha nascido em uma época próxima ao início dos anos 90, goste de jazz e aprecie o humor de grupos como Monty Python, vale a pena ao menos experimentar o título. Caso contrário, provavelmente o projeto da Necrophone Games não vai conseguir conquistar sua atenção durante muito tempo.
- Quantidade generosa de referências à cultura pop
- Trilha sonora de alta qualidade
- Aposta em atitudes surreais
- Trama principal tem uma resolução decepcionante
- Piadas dependem muito do repertório do jogador
Nota do Voxel