Guerra, sangue e lágrimas em uma experiência bastante familiar
Gears of War 4 tem a missão de ser diversas coisas ao mesmo tempo: um recomeço para a franquia nas mãos de um estúdio novo, uma prova de que a série ainda pode ser relevante e o objetivo de ser um campeão de vendas do Xbox One. Além de, claro, ser um game divertido tanto em sua campanha quanto em seu modo multiplayer.
O game consegue ser bem-sucedido em diversos desses fatores, mas não em todos. Já adianto: sim, ele é divertido e agrada quem já gostava dos capítulos anteriores — e o multiplayer continua oferecendo algumas horas de entretenimento sólido. No entanto, é difícil não ficar com a sensação de que a The Coalition decidiu jogar seguro demais e, ao apostar em uma experiência que segue de maneira muito estrita a “cartilha” da série, perdeu a chance de transformar um game bom em uma experiência excelente.
A sensação que fica, especialmente após terminar a campanha, é a de assistir o Episódio VII de Star Wars: algumas horas sem dúvida muito bem gastas, mas que são marcadas por conteúdos e situações estranhamente familiares, quase como uma repetição da mesma peça feita por atores diferentes. Em outras palavras, ainda não há nada por aí como Gears of War — no entanto, o quinto jogo (quarto numerado) ajuda a denotar o quanto sua fórmula necessita de elementos mais frescos.
Um quarto de século depois...
Gears of War 4 tem início 25 anos após o fim das Guerras Locust, durante a qual o planeta Sera foi quase inteiramente destruído. Deixando de lado o uso da emulsão como combustível, o que restou da humanidade se dividiu em duas facções: enquanto a CGO se transformou em um governo militar que protege (e prende) seus cidadãos dentro de cidades muradas, os chamados “Forasteiros” preferem viver por conta própria em locais menos tecnológicos.
Após uma breve introdução que retoma acontecimentos do passado, como a captura do “Martelo de Aurora” durante a Guerra do Pêndulo, somos apresentados ao novo protagonista James Dominic Fenix (ou simplesmente J.D.), filho de Marcus Fenix. Junto a seus amigos Kait Diz e Del Walker, ele invade uma das bases da CGI para conseguir um item com a capacidade de gerar praticamente qualquer material ou armamento.
Durante boa parte dos capítulos iniciais o jogador deve derrotar ondas de robôs conhecidas como “DeeBees”, e é somente ali pelo terceiro capítulo que a verdadeira ameaça do novo game surge. Estranhamente parecida com os Locusts, as criaturas do Enxame exigem que você recrute a ajuda do veteranos Marcus Fenix para descobrir o que está acontecendo, em uma trama cujo final é um tanto decepcionante.
Gears of War sempre foi uma série especializada em deixar ganchos para futuras sequências, mas isso nunca a impediu de ter batalhas finais marcantes ou arcos com um bom fechamento. Infelizmente, não é isso que vemos neste capítulo: a conclusão, que soa mais como uma “vírgula” se encaixaria melhor em um título vendido de forma episódica do que em um game com moldes mais tradicionais como este.
A campanha também peca por nunca desenvolver pontos importantes: você sabe que J.D. deixou a CGO em meio a problemas e que tem um relacionamento difícil com Marcus, mas nunca entende completamente bem o que aconteceu no passado. A pior vítima dessa superficialidade é Del, que parece não ter nenhum relacionamento ou passado que vá além de cumprir o papel de “melhor amigo do protagonista”.
Jogando gostoso
Enquanto no roteiro Gears of War 4 se atrapalha em diversos momentos, mas cumpre seu papel final — ser um game de ação que funciona e garante algumas horas de diversão —, a jogabilidade continua tão afinada quanto no passado. O esquema básico se mantém: buscando proteções em diferentes “murinhos”, o jogador tem que combater hordas de monstros usando equipamentos como carabinas, metralhadoras e granadas.
A fórmula é exatamente aquela que a série vem refinando desde seu capítulo inicial, o que faz com que surja como surpresa o fato de que tudo ainda permanece muito gostoso. Elementos como o peso dos personagens, a velocidade com que eles se movimentam e o resultado visual e sonoro de cada tiro efetuado parecem simplesmente certos — não é nenhuma surpresa que a The Coalition tenha decidido não mexer muito nessa fórmula de sucesso.
As novidades surgem na forma de novos equipamentos, como a escopeta Overkill e o rifle Embar que, embora não mudem de maneira substancial a fórmula, ajudam a trazer novas maneiras de pensar os confrontos. No entanto, ainda é possível recorrer à sua “zona de segurança” e passar o jogo inteiro usando com tranquilidade a clássica combinação entre a Lancer e a Gnasher.
Do ponto de vista mecânico, a maior novidade surge da possibilidade de dar um puxão em inimigos que estão se escondendo em coberturas diretamente opostas àquela em que você está apoiado. Isso faz com que eles fiquem confusos durante alguns segundos, abrindo espaço para a realização de execuções bastante sangrentas.
Outro elemento inédito é a presença pontual de tempestades que mudam a maneira como o campo de batalha se comporta. Ventos fortes influenciam a trajetória de armamentos como a Boomshot e desestimulam o uso de granadas — confie em mim, você não quer atirar uma delas em um inimigo somente para vê-la sendo arrastada na direção de seus companheiros logo em seguida.
Esses momentos também oferecem a oportunidade de usar elementos do cenário para derrotar seus adversários: atirar na barreira certa pode fazer com que um carro ou barris voem em direção a seus oponentes e os destruam rapidamente. Também há momentos em que você deve desviar de raios para progredir, embora eles surjam de maneira bastante pontual.
Todas essas novidades são bem-vindas, mas não ajudam a mudar a sensação de que já testemunhamos a essência do game diversas vezes no passado e que nada mudou desde então. A jogabilidade funciona bem e ainda é gostosa, mas é difícil não sentir falta de certo frescor ou de algo mais inventivo — nem que fosse para errar, seria bom ter visto a The Coalition testando suas chances e apostando em algo que poderia ajudar a elevar ainda mais o nível da série.
Play Anywhere feito do jeito certo
Gears of War 4 marca a primeira vez que o sistema Play Anywhere da Microsoft funciona logo de cara da maneira que os jogadores estavam esperando. Quem optar pela versão PC vai ter em mãos um game que se adapta muito bem a diferentes tipos de hardware (tenham eles GPUS da AMD ou da NVIDIA) e que conta com todas as opções de configuração que um jogador da plataforma espera.
Da mesma forma, basta estar logado em sua conta do Xbox para que o jogo baixe automaticamente dados sobre seu progresso na campanha e seu perfil multiplayer. Para completar, a Microsoft merece elogios ao criar um ambiente online único no qual a versão de console “conversa” sem problemas com a encarnação do jogo nos computadores de mesa.
O game é bastante bonito nas duas plataformas, mas o PC se beneficia de uma quantidade maior de efeitos gráficos e da possibilidade de jogar a campanha sem o limite de 30 quadros por segundo. Independentemente do meio utilizado, as partidas online sempre rolam a 60 FPS, garantindo uma experiência fluída e responsiva para todos os jogadores.
Multiplayer: a alma de Gears
Antes de me estender sobre o modo multiplayer, tenho que ser transparente: minha experiência com a modalidade foi um tanto limitada e não necessariamente reflete as condições do jogo em seu lançamento. Embora tenha jogado todas as modalidades disponíveis, fiz isso em um ambiente controlado e, na maior parte do tempo, em partidas de cunho privado — ou seja, as impressões podem não necessariamente refletir o estado real dos servidores do game.
Dito isso, é fácil se surpreender com a grande quantidade de opções oferecidas pela The Coalition: além dos já conhecidos Team Deathmatch e Rei da Colina, surgem opções como o Corrida de Armas, no qual os equipamentos de cada time mudam de maneira constante e obrigam você a mudar constantemente suas estratégias de ataque.
Também há o inédito “Dodgeball”, no qual cada jogador tem apenas uma vida e, para que você possa reviver um membro de sua equipe, é preciso eliminar um adversário. A modalidade é marcada pelas reviravoltas e só chega ao fim quando um grupo é eliminado completamente, gerando uma boa dose de tensão no processo.
Já o modo que será usado em competições é o Escalation, no qual cada time tem um número limitado de vidas e o tempo de retorno aos campos de batalha aumenta a cada morte. Essa configuração cria a necessidade de trabalhar melhor como uma equipe e definir bem o papel de cada jogador em campo, já que a ausência de somente um membro faz bastante diferença.
Independe da modalidade escolhida, Gear of War 4 peca um pouco pela semelhança excessiva aos jogos anteriores em alguns aspectos. Além de as partidas online ainda tornarem inúteis muitas lições aprendidas na campanha (abusar das coberturas e não valorizar os rolamentos ainda é quase certeza de morte certa), a escopeta Gnasher ainda parece ter um poder de fogo exagerado que a faz se tornar a arma dominante na maioria das partidas.
É difícil avaliar no momento atual qual vai ser o destino dos modos multiplayer de Gears of War 4: o grande número de opções disponíveis, por exemplo, dá a entender que muitas delas devem ser deixadas de lado pela comunidade em questão de pouco tempo. O estado dos servidores da Microsoft vai ter impacto substancial na maneira como a cena é conduzida, tanto quanto devem pesar as questões de balanceamento das modalidades mais competitivas.
Horda 3.0, ou “o modo que você mais vai jogar”
O modo multiplayer mais “apetitoso” de Gears of War 4 sem dúvida é o Horda 3.0, no qual equipes formadas por até cinco jogadores enfrentam 50 ondas de inimigos com dificuldade crescente — a cada 10 níveis, surge uma espécie de subchefe para variar um pouco o ritmo. Embora também seja possível jogar a campanha acompanhado (online ou em tela dividida), é aqui que você e seus amigos provavelmente vão passar a maior parte do tempo.
Usando um item conhecido como “Forjador” (que também aparece no modo história), sua equipe define seu ponto de defesa principal e cria itens variados usando a energia que acumulou durante a batalha. Enquanto classes como Soldier, Heavy e Sniper oferecem diferentes tipos de equipamentos básicos, você deve prestar atenção especial às opções Engineer e Scout.
Enquanto a primeira pode fazer reparos nas fortificações e mecanismos de defesa que você pode construir — além de gastar menos recursos ao estabelecer novas estruturas —, a segunda dobra a quantidade de energia coletada dos inimigos. Independente da opção escolhida é possível equipar qualquer um dos equipamentos encontrados durante sua resistência, o que significa que você nunca está totalmente preso a um único papel.
O Horda 3.0 oferece desafios grandes mesmo na dificuldade normal, dando aos jogadores a chance de “respirar um pouco” após a etapa em que cada chefe surge. Isso garante mais variedade ao ritmo de jogo e evita que o modo se torne especialmente frustrante, algo essencial para uma experiência que tende a consumir horas de sua vida a cada partida realizada.
Cartas e microtransações
Algo que deve gerar polêmicas é a decisão da The Coalition de introduzir um sistema de microtransações que afeta o modo Horda. Usando dinheiro real (ou moedas acumuladas após o fim de partidas), o jogador pode adquirir pacotes de cartas que garantem bônus como uma maior efetividade de granadas até modificações estéticas para suas armas ou a possibilidade de escolher outros heróis.
Embora seja possível destruir muitos desses itens para comprar outros mais interessantes, parece que há certa falta de equilíbrio na maneira como isso acontece. Adquirir novos pacotes não é exatamente um processo frustrante, mas fica claro que os desenvolvedores criaram a estrutura de modo a priorizar transações em que o jogador tem que abrir a carteira para adquirir algum conteúdo extra — algo que os desenvolvedores tendem a ajustar dependente o grau de sucesso do sistema e da quantidade de reclamações recebidas.
Vale a pena?
Gears of War 4 é um jogo muito bom e que vai conseguir diverti-lo durante diversas horas — algo que pode ser dito de toda a franquia, talvez com exceção de Judgement. No entanto, é difícil se livrar da sensação de que estamos jogando um “remake” ligeiramente modificado e não algo totalmente novo.
A campanha, embora divertida, peca por apresentar personagens pouco desenvolvidos e por demorar a engrenar: há algo errado quando a ameaça real só surge após você já ter investido três ou quatro horas em uma experiência que só dura no máximo oito. No entanto, o que mais decepciona é o momento final, que surge de maneira muito súbita e deixa um número excessivo de pontas soltas.
A campanha principal abaixo do esperado é compensada por modos multiplayer robustos e variados, que podem ser considerados em qualquer problema a “alma” da franquia. O maior destaque sem dúvidas é o modo Horda 3.0, que marca um dos raros pontos em que a The Coalition abandonou sua zona de conforto para criar uma experiência que não somente replica momentos anteriores da franquia, mas também consegue aprimorá-los.
Gears of War 4 não é o melhor game da série, mas consegue apresentar qualidades suficientes para merecer a atenção tanto de fãs quanto daqueles que estão sedentos por conteúdo de qualidade no Xbox One e no PC. No entanto, vai ser preciso que a The Coalition faça mais do que “seguir a receita” para que a franquia consiga continuar relevante em seus capítulos futuros e não se torne somente uma repetição constante das mesmas mecânicas e situações.
Categorias
- Jogabilidade excelente
- Modos multiplayer variados
- Gráficos surpreendentemente belos
- Implementa bem o sistema Play Anywhere da Microsoft
- O modo Horda 3.0 é viciante
- Personagens mal desenvolvidos
- História termina de forma muito abrupta
- Aposta demais em padrões utilizados à exaustão nos capítulos anteriores
Nota do Voxel