Uma renovação digna do nome Final Fantasy
Ter uma década inteira ao seu dispor para preparar o público para a chegada do seu produto deve ser ao mesmo tempo o sonho e o pesadelo de uma equipe de desenvolvimento de jogos. Por um lado, 10 anos é bastante tempo para refinar tudo o que for possível no game e construir o hype dos fãs. Por outro, essa mesma construção de ansiedade pode gerar expectativas altas demais e, por fim, resultar em decepção.
Foi exatamente para essa situação que a Square Enix teve que se preparar com Final Fantasy XV, anunciado originalmente como Final Fantasy Versus XIII na E3 2006. De lá para cá, pudemos acompanhar a transformação do título graças a vários vídeos e demonstrações e é inegável que ele passou por muitas transformações. Mas será que todo o empenho da equipe foi o suficiente para alcançar ou superar tudo o que esperávamos? É o que vamos tentar responder a seguir.
Um espetáculo visual e sonoro
Visualmente falando, Final Fantasy XV é simplesmente lindo. Considerando que estamos falando de um mundo aberto enorme, a quantidade de detalhes e a qualidade de cada um dos ambientes criados pelos desenvolvedores é simplesmente de cair o queixo. Das grandes planícies desérticas e estruturas rochosas em forma de arcos poucos naturais até amplos lagos sob um belíssimo céu noturno, o jogo dá motivo de sobras para você dar aquela paradinha para uma screenshot – ou para uma foto de Prompto.
As estruturas humanas também não ficam de fora e encantam em todas as suas encarnações – e há várias delas. Durante a jornada, você passará por cabanas abandonadas, pequenos vilarejos com pouco mais além de um posto de gasolina, um restaurante e algumas lojas, resorts luxuosos à beira-mar e cidades verdadeiramente enormes, com direito a feiras populares e passeios de gôndola.
O mesmo se aplica às dungeons, extremamente variadas e cada uma com sua própria atmosfera, e aos próprios personagens, incluindo aqui os protagonistas, NPCs, adversários humanos e monstros, dos menores aos mais gigantescos. Tudo isso foi representado com muita criatividade e atenção aos detalhes, contribuindo para a sensação de que o mundo de Eos tem vida própria e muita história para contar.
As coisas ficam ainda mais belas se você tiver uma TV com HDR, já que FFXV tem uma excelente implementação dessa tecnologia. O resultado final é tão bom que muitas vezes nem é necessário ter itens e easter eggs escondidos para que você deseje explorar tudo o que o jogo tem a oferece – e, ainda assim, eles estarão lá se você procurar. Por fim, a trilha sonora composta por Yoko Shimomura é outro espetáculo, embalando todo o game com maestria.
Começo em marcha lenta mesmo
Como falamos em nossa análise em progresso de Final Fantasy XV, o fato do mundo do título ser tão grande faz com que a movimentação seja um desafio. No começo do jogo, quando você ainda não explorou muita coisa, é fácil subestimar as distâncias entre os pontos das missões e acabar se cansando por caminhadas que parecem não ter fim. Basta algumas tentativas para que você logo perceba que o carro do príncipe Noctis, o Regalia, é essencial.
No entanto, a utilização do veículo também apresenta um ponto muito incômodo no início da aventura. A condução em FFXV começa com um modo automático, quando Ignis assume o volante e tudo o que você tem que fazer é assistir enquanto o grupo viaja até seu destino, o que rotineiramente acaba durando de 3 a 5 minutos por vez. E o recurso de viagem rápida só se torna disponível na segunda vez que você for para cada um dos lugares, então prepare-se para muitos períodos ociosos no começo.
Depois de algum tempo, Noctis pode tomar a direção e você passa a poder controlar aceleração e freio e a decidir de fará as curvas para a direita ou esquerda, mas como as estradas praticamente servem como trilhos para o carro mesmo no “manual”, a experiência praticamente não muda. Ao menos é possível personalizar o estilo do seu Regalia, mudando suas cores e até mesmo adicionando adesivos de Noctis e seus amigos no estilo 16 bits de FFVI.
A coisa só muda de figura depois de algumas horas, quando os chocobos são desbloqueados e a exploração do mundo de Eos se torna bem mais divertida. A partir do ponto em que todo o mapa está aberto e todos meios de transporte estão ao seu dispor, vemos que a locomoção em FFXV se torna bem balanceada.
Distâncias grandes, de mais de 1 km, podem ser vencidas com a viagem rápida. Em trajetos médios, com algumas centenas de metros, o ideal é chamar seu amigo penoso e sair correndo livremente. E quando estiver perto, é só desmontar e correr. Mas até essas opções estarem disponíveis, é preciso se prender a outros elementos para manter o interesse.
Entrando para a família
Embora você possa aproveitar os longos passeios de carro para curtir melhor toda a beleza dos cenários de Final Fantasy XV, isso dificilmente seria o suficiente para impedir que você se entediasse durante horas que é preciso jogar até obter os chocobos. Provavelmente pensando nisso, a equipe da Square resolveu aproveitar esses momentos para investir no desenvolvimento do relacionamento entre Noctis, Prompto, Gladiolus e Ignis.
Como se realmente estivessem apenas em uma viagem da “broderagem”, os protagonistas passam boa parte do tempo conversando e caçoando uns dos outros. Os quatro heróis já começam como bons amigos, de forma que é preciso assistir ao anime Brotherhood: Final Fantasy XV ou acompanhar esses papos para que você descubra mais sobre as origens, personalidades, gostos e opiniões de cada um deles.
Mesmo sem assistir ao desenho, o espírito de irmandade que envolve todas as interações entre os personagens faz com que não leve muito tempo até que você se sinta familiar com cada um deles. Depois das 30 horas que levamos para chegar ao final da história, foi possível saber, por exemplo, que Prompto odeia insetos, mas é simplesmente apaixonado por chocobos, não resiste a mulheres bonitas e pensa em um futuro em que atua como fotógrafo profissional.
Esse nível de detalhes também se estende aos outros três membros do grupo, de forma que é quase inevitável se importar com todos eles. Nesse sentido, reitero que a Square Enix acertou em cheio na construção do núcleo central de personagens, que praticamente pode ser considerado uma família da qual cada um de nós se sente parte ao chegar ao final da trama.
A união entre força e cérebro
Até chegar aos finalmentes da história, no entanto, muito chão vai rolar. E boa parte dele não vai ser no ritmo tranquilo de uma viagem de amigos. Seja por conta de uma das inúmeras caçadas ou missões do jogo – side quests ou não –, um encontro casual durante a exploração de cenários e dungeons ou simplesmente porque você resolveu tentar a sorte e sair andando de noite, os combates são outra constante no jogo. E é aqui que o título brilha mais.
Um tutorial extremamente abrangente sobre boa parte das mecânicas é oferecido logo antes de você começar o jogo propriamente dito, de forma que você pode escolher abrir mão de alguns minutos para não ser pego de surpresa pela jogabilidade de ritmo acelerado dos combates. Por mais que os controles das lutas sejam bem fáceis de entender, com um botão de ataque, um de mira, um de defesa e outro de translocação, apertar tudo freneticamente serve apenas como um caminho rápido para a derrota até mesmo para grupos de monstros relativamente fracos.
Durante as batalhas, você deverá ficar atento aos movimentos dos inimigos para saber quando eles pretendem atacar e quando é seguro partir para a ofensiva, ao mesmo tempo em que fica de olho para evitar ser cercado e tomar golpes pelas costas. A situação pode ser um pouco confusa nas suas primeiras lutas contra bandos de adversários – especialmente se estiver em um espaço pequeno onde a câmera não colabora muito –, mas basta um pouco de prática para pegar o espírito da coisa.
Os inimigos possuem fraquezas e resistências bastantes variadas, de forma que você terá que trocar constantemente entre as armas disponíveis no arsenal de Noctis para se manter em vantagem. Cada uma delas tem seu próprio ritmo e peso, o que fornece uma variação que faz com que seja muito difícil enjoar das batalhas.
E se você preferir algo mais pausado do que lutas de ação constante, é possível ir até o menu de opções para ativar o modo estratégico, que faz lembrar um pouco do estilo de FFXII e permite congelar o tempo por alguns instantes durante os combates, analisando a situação e escolhendo como encarar cada alvo para vencer. Ao seu dispor estarão as armas do príncipe, os poderes especiais da linhagem real – sobre os quais não daremos detalhes para evitar spoilers –, as habilidades de seus amigos e as magias do jogo, sobre as quais temos algumas ressalvas.
Precisamos falar sobre as magias
Além dos dons únicos da linhagem real dos Lucii, Noctis tem acesso a poderes mágicos por meio de um sistema de crafting que converte energia coletada em pontos do mapa em itens que podem ser utilizados como granadas mágicas, com dano em área. Os ataques utilizando as magias são visualmente impressionantes e costumam fazer estrago nos inimigos – e nos amigos, se você não tomar cuidado –, mas a falta de variedade é um pouco decepcionante.
É possível que isso não incomode quem está escolhendo FFXV como seu primeiro Final Fantasy, mas quem é fã de longa data da franquia provavelmente não vai gostar de saber que toda a gigantesca lista de poderes mágicos que esteve presente em toda a série aqui se resume basicamente aos elementos de fogo, gelo e trovão. É possível usar itens a mais durante o crafting para adicionar efeitos extras aos golpes de magia, mas em essência eles não mudam. Basicamente, isso significa que magias épicas, como Meteor, Holy, Ultima e Death, e até outras mais simples, como Water, Aero e Gravity, ficam de fora. Sem falar nas White Magics.
Outro elemento escasso são os summons, que em Final Fantasy XV são chamados de Astrals. Por terem a posição de divindades no mundo de Eos, eles aparecem em número muito reduzido ao longo da história. São apenas seis no total, e somente quatro deles podem ser utilizados fora de momentos principais da história. Quando eles aparecem, as animações são sensacionais e a vitória é garantida, mas até as condições para a sua invocação são nebulosas – saiba mais sobre como chamar o poder dos deuses do jogo clicando aqui.
Ok, TecMundo, mas e a história?
Um dos pontos que fez com que essa análise não saísse em uma data mais próxima à do lançamento do game foi o fato de que é sempre essencial termos uma noção completa do que o game oferece antes de dar a nossa opinião – e isso é ainda mais verdadeiro em um título como Final Fantasy XV. Para chegar até o final da história do game, foi necessário investir pouco mais de 30 horas de jogatina, diluídas ao longo de vários dias e deixando muitos conteúdos opcionais para depois.
Como falamos em nossa análise em progresso de FFXV, Durante as primeiras 16 horas de jogo, a impressão que o título passa é a de que a história principal está acontecendo em algum lugar distante de Noctis e seus amigos. Embora seja possível entender o que está acontecendo só por jogar, assistir ao filme Kingsglaive: Final Fantasy XV antes de iniciar a aventura ajuda a minimizar essa sensação e faz com que o significado da aventura dos protagonistas fique maior logo de cara.
Ainda assim, é inegável que o progresso da trama segue em marcha bastante lenta na porção do jogo que se passa em seu mundo aberto. Enquanto exploram Eos em busca de poder para recuperar o trono do reino de Lucis, Noctis e seus amigos tomam algumas decisões que parecem não fazer muito sentido, especialmente no que diz respeito ao seu relacionamento com os inimigos.
A coisa muda bastante de figura na segunda metade do jogo, quando o mundo aberto é deixado para trás e você passa a seguir por vários calabouços e ambientes menores, mas não menos impressionantes. Embora no começo a ameaça do império pareça algo meramente político, é nos últimos capítulos do game que o peso dos acontecimentos da história se revela de verdade, levando a uma sequência de confrontos verdadeiramente épicos e a um final tocante.
Vale a pena?
Considerando tudo o que descrevemos ao longo dessa análise e os sentimentos que tivemos ao longo da aventura com Noctis e seus amigos, podemos dizer que Final Fantasy XV realmente consegue representar um sopro de ar novo à franquia e impressiona por suas qualidades. Por mais que algumas coisas, como as magias, deixem a desejar para os fãs mais antigos, o conjunto da obra oferece uma série de detalhes nostálgicos que vão agradar quem acompanha a série há anos.
Somando a isso os visuais impressionantes, o mundo cheio de coisas para ver e fazer e o combate divertido e robusto, o resultado é uma fórmula que realmente deve prender novatos e veteranos por horas e mais horas. A história tem seus altos e baixos, mas a construção da relação entre Noctis e seus amigos é tão bem-feita que é difícil não se importar com eles e desejar seguir até o fim.
Considerando toda a expectativa dos 10 anos de espera e todas as transformações pelas quais o título passou desde seu anúncio inicial, é inegável que fique em parte uma sensação de que nem tudo está perfeito. Mas, ao analisar cada um dos pontos levantados, vemos que mesmo o que há de negativo não impede que, no fim das contas, Final Fantasy XV seja um título realmente memorável.
Vale também ressaltar que dar uma nota numérica para um jogo é sempre algo muito complexo, já que há muitos fatores que influenciam a experiência de cada um de nós de formas diferentes. E isso é particularmente verdade no caso de FFXV, que passou por um período tão longo de desenvolvimento e representa uma quebra tão grande de estilo na jogabilidade da franquia.
Se eu, fã de carteirinha da série, achei que ele merecia um 93, você pode muito bem sentir que ele é tão perfeito quanto o FFVI, achar que ele está no mesmo nível que o VII, o VIII e o IX ou ainda discordar que ele sequer seja interessante. O que vale, no fim das contas, é que você se divirta, e Final Fantasy XV certamente abre um amplo espaço para isso.
Categorias
- Gráficos belíssimos para um mundo aberto
- Combate robusto, estratégico e cheio de ação
- Personagens que viram quase parte da família
- Trama profunda e com surpresas
- Mundo amplo, rico e cheio de atividades variadas
- Início da história em marcha lenta
- Transporte é cansativo nas primeiras horas
- Pouca variedade de magias e summons
Nota do Voxel