Final Fantasy XIV: Endwalker estabelece um novo padrão para MMORPGs
MMORPGs são muito mais do que uma montanha de conteúdo, são responsáveis por criar um mundo no qual vale a pena viver. Seja derrotando inimigos poderosos, seja fabricando itens, seja simplesmente socializando: todos os jogadores fazem parte da comunidade e ajudam a tornar aquele um lugar capaz de despertar emoções reais. E a principal função dos desenvolvedores é criar as condições para que isso ocorra.
A Square Enix aprendeu tal lição a duras penas. Quando Final Fantasy XIV foi lançado, em 2010, o resultado foi absolutamente terrível. Os servidores da versão original foram fechados em 2012, e cerca de 1 ano depois uma nova versão foi lançada: A Realm Reborn, porém era muito mais do que isso, era essencialmente uma sequência, inclusive na história. Era também um jogo muito mais moderno, seguindo fielmente o modelo estabelecido por World of Warcraft.
Nos anos seguintes, Final Fantasy XIV continuou a ser atualizado, recebendo conteúdo e ajustes diversos em intervalos regulares. Em 2019, a expansão Shadowbringers foi lançada e — merecidamente — recebeu aclamação universal da crítica e do público. Foi um imenso salto de qualidade.
Então, chegamos Endwalker, anunciada como "o fim do arco da história focado em Hydaelyn e em Zodiark". E essa nova expansão ainda precisava fazer jus às melhorias aplicadas em todos os outros sistemas do jogo ao longo de tantos anos. Vamos por partes.
Hydaelyn e Zodiark
A trama de Final Fantasy XIV parece uma típica história de um paladino da justiça lutando contra o mal. Hydaelyn é uma entidade que fala com o jogador de forma enigmática e fornece poderes para que ele combata os males daquele mundo. Já Zodiark é uma figura ainda mais misteriosa.
Tudo que se sabe inicialmente é que Zodiark está ausente, e seus devotos, os Ascians, buscam semear a discórdia no mundo para trazer o mestre de volta. Além disso, há Garlemald, o império tecnológico e desprovido de mágica, marchando para conquistar Eorzea (o continente inicial do título). Naturalmente, os objetivos dos Ascians e de Garlemald tendem a se alinhar.
Fora isso, há clichês de fantasia medieval misturados com elementos mais típicos de Final Fantasy: magia, dragões, elfos (chamados de Elezen), moogles, um cara chamado Cid, cristais etc.
A misteriosa Lady of the Light é realmente importante em Endwalker.Fonte: Steam
Ao longo dos anos, novos roteiristas assumiram, mas o foco na história permaneceu. Quase todo o conteúdo é travado atrás da história principal ou de alguma narrativa secundária. Isso é verdade até mesmo em Endwalker, já que um jogador novo ainda precisa (idealmente) passar por toda a história para aproveitar o game por completo. É a espinha dorsal do título.
A principal mudança na narrativa foi a ideia de bem absoluto e de mal absoluto. As histórias passaram a constantemente questionar o que constitui o bem e o que constitui o mal e como cada indivíduo luta para conciliar os dois lados. Os personagens como um todo ficaram muito mais interessantes, assim como a própria mitologia. Ao fim de Shadowbringers, havia um terreno muito fértil para a história seguinte.
O avatar no centro da imagem representa o jogador.Fonte: Steam
Partindo deste ponto, falemos de Endwalker. É difícil dar uma sinopse da expansão mais recente sem entregar as histórias anteriores. O que é possível afirmar, sendo tão vago quanto possível, é que os eventos passados desencadearam um apocalipse. Dessa forma, a jornada dos personagens envolve tentar reverter os efeitos da tal catástrofe ou, no mínimo, salvar quem for possível salvar.
Atenção: comentários sobre a história a partir daqui serão igualmente vagos, por motivos óbvios.
A narrativa segue caminhos muito surpreendentes e arriscados.
O fim dos dias está próximo.Fonte: Square Enix
Por exemplo, os desenvolvedores gastaram muito tempo introduzindo e desenvolvendo personagens que são pessoas comuns lidando com problemas básicos, como conseguir abrigo do frio. Eles não vão definir o destino do universo, mas que ainda assim recebem a mesma atenção da narrativa que os momentos mais bombásticos, tendo nome, arcos definidos e motivações críveis.
É fácil dizer que o universo está em risco e esperar que isso automaticamente comunique a gravidade da situação. É difícil fazer o jogador ver bilhões ou trilhões de pessoas como algo além de números — um feito que Endwalker realiza com maestria.
A história de Jullus é particularmente emocionante.Fonte: Voxel
Evidentemente, os personagens do elenco principal também têm seus momentos sob os holofotes. Todos têm arcos bem definidos na expansão, sendo essenciais para a narrativa principal. É interessante pensar na trajetória desse grupo. Muitos começam como personagens quase unidimensionais, então crescem exponencialmente e se tornam indivíduos que o jogador tem orgulho de ter a seu lado. Ao fim da jornada, é impossível não vê-los como amigos queridos.
Em resumo, como em toda boa história, a força de Endwalker está nos personagens. Até mesmo dilemas profundos sobre as leis que regem o universo são tratados como personagens, o que torna muito intimistas mesmo os conflitos nas maiores escalas.
Os diálogos podem parecer longos, mas são muito eficientes ao explorar as motivações dos personagens.Fonte: Voxel
Falando de forma mais ampla, é uma história para entender que o sofrimento sempre fará parte da vida, porém jamais deve ser o mestre dela. Trata de encontrar motivação mesmo nas piores circunstâncias e como a vida é mais rica por conta da infinidade de emoções que podemos sentir. Ainda que não sejam ideias inéditas, são tratadas com toda a sensibilidade necessária para que floresçam.
A sensação geral que a narrativa de Endwalker passa é de um time de desenvolvimento com controle absoluto, que sabe exatamente quais botões apertar para despertar as reações desejadas, como fazer isso com as peças que estão disponíveis e, acima de tudo, o que constitui um bom enredo. Conforme o jogo se aproxima do final, uma única palavra se torna suficiente para causar um efeito devastador.
Os loporrits roubam todas as cenas em que aparecem.Fonte: Voxel
Nem tudo é tragédia ou conflito. Os momentos de humor funcionam muito bem (destaque para o coelho obcecado por pudim), assim como as doses de nostalgia ao encontrar grande parte dos amigos dessa longa jornada — mesmo personagens de missões secundárias conseguem dar um jeito de aparecer na história principal e fazer referências à trajetória do jogador.
A propósito, uma questão que aparece espontaneamente em narrativas tão longas é: quanto disso foi planejado? É difícil dizer. Nos últimos anos, os roteiristas de Final Fantasy XIV foram inteligentes o suficiente para fazer todas as revelações, mesmo as muito tardias, soarem como consequências naturais do que veio antes. Não houve perda de coesão, o que é o mais importante. Todas as peças se encaixam perfeitamente, e é empolgante pensar no que esse time pode fazer agora que está livre das "amarras do passado".
Zenos, um personagem com motivações claras, mas cujo papel na narrativa de Endwalker é inicialmente um mistério. Fonte: Voxel
Por fim, um pequeno comentário sobre o design das missões tanto da história principal quanto das secundárias. Elas não se diferem do que se espera de um MMORPG mais tradicional: vá até certo ponto, fale com alguém, elimine um grupo de inimigos, colete um item específico. Há alguns tipos diferentes de missão, mas são bem raros. Em resumo, é o que se espera de qualquer MMORPG aleatório. Nesse caso, e por enquanto, funciona; entretanto, definitivamente é algo que precisa ser revisto no futuro.
Novas áreas, novas histórias, novos amigos
Além de novas histórias, uma expansão inédita naturalmente oferece novas áreas para serem exploradas. Como de praxe em Final Fantasy XIV, Endwalker tem seis áreas (espaços mais abertos cheios de inimigos), além de duas novas cidades. A estrutura e a progressão são bem similares às de Shadowbringers, com algumas diferenças pontuais.
Old Sharlayan.Fonte: Square Enix
Old Sharlayan é a maior das duas cidades, tendo sido referenciada desde os primeiros dias do game. Trata-se de uma cidade-estado isolada, dedicada à busca de conhecimento. Já Radz-at-Han é o lar da alquimia do mundo do jogo, sendo fortemente inspirada na Índia. Os dois espaços estavam na imaginação dos jogadores há muito tempo, então apenas explorá-las já seria satisfatório.
As duas primeiras áreas abertas estão relacionadas às cidades: Labyrinthos, um gigantesco anexo subterrâneo de Sharlayan, e Thavnair, a ilha que abriga Radz-at-Han. Obviamente, as duas seguem as linguagens visuais das cidades, então Labyrinthos é repleto de estruturas em pedra branca com influências gregas e Thavnair é uma floresta úmida e muito colorida. São duas áreas lindas, com cultura própria e personagens marcantes.
Thavnair.Fonte: Square Enix
A terceira área é referente à capital de Garlemald, uma região com temperatura congelante e rica em ceruleum (equivalente a petróleo ou gás natural). É uma área inóspita, em ruínas, o que reforça o drama das pessoas que vivem lá. Algumas das melhores histórias secundárias de Endwalker estão em Garlemald.
Depois, temos a lua e… é melhor parar por aqui, antes de entrarmos em spoilers pesados. Em resumo, todas as áreas são bem planejadas, divertidas de explorar e cumprem com louvor seu papel na história.
Garlemald.Fonte: Square Enix
Desafiadores na medida certa: dungeons e trials
Ao longo das áreas, estão dispostas dungeons e trials. As primeira são missões lineares para quatro jogadores (um tanque, um curandeiro e dois focados em dano), contendo três chefes e inimigos menores antes de cada um. Trials, por sua vez, são as batalhas mais tradicionais contra chefes e que suportam até oito jogadores (dois tanques, dois curandeiros e o restante focado em dano). Todos os trials e quase todas as dungeons presentes no lançamento da expansão precisam ser completados para liberar o final da história principal.
Certos chefes das dungeons são baseados em divindades das áreas.Fonte: Square Enix
As dungeons de Endwalker seguem a mesma estrutura das de Shadowbringers. Os chefes têm poucas mecânicas específicas que requerem que os jogadores cumpram certas ações em ordem. Ao longo da luta, tais mecânicas são recombinadas e ficam um pouco mais difíceis, embora não deixem de ser acessíveis. A diversão vem ao tentar aprender cada luta e da sensação de ter adquirido domínio das mecânicas específicas de cada combate.
Torre de Zot, uma das primeiras dungeons da nova expansão.Fonte: Square Enix (via YouTube)
Há outros pontos dignos de nota em relação às dungeons. Como dito, elas têm inimigos menores antes dos chefes, e isso requer soluções criativas em relação a design de níveis.
Por exemplo, após uma luta contra o chefe de uma dungeon, frequentemente há trechos sem inimigos, pelos quais o jogador só caminha. Durante esse tempo, as habilidades são recarregadas, então quando os inimigos voltam a aparecer é possível atrair muitos grupos de uma só vez, acelerando a conclusão. Em contrapartida, outros trechos permitem atrair a atenção de poucos inimigos — o que facilita o trabalho de tanques. Os designers de nível equilibraram essas e outras ferramentas para criar dungeons acessíveis para jogadores mais casuais, mas que também oferecem opções para os mais confiantes.
É melhor não mencionar o nome dessa dungeon, para evitar spoilers.Fonte: Square Enix (via YouTube)
Nos trials, com apenas um chefe, a quantidade de mecânicas e de coordenação necessária é significativamente maior. Ainda assim, é um tipo de conteúdo normalmente simples de conquistar, mesmo com grupos de pessoas aleatórias.
O primeiro trial de Endwalker é mais difícil que outros da história principal. Há um propósito narrativo para isso, e o espetáculo é incrível. A propósito, a posição desse chefe, já no começo da expansão, é uma aposta e tanto. Um momento catártico como esse, esperado pelos jogadores há muito tempo, poderia facilmente ser colocado próximo do fim. O fato de esse trunfo aparecer tão cedo é uma demonstração de confiança extrema no restante do pacote. Confiança que acaba se mostrando válida.
O restante dos trials não fica para trás: são lutas criativas e que fazem sentido na história. Além disso, nos trials, o compositor Masayoshi Soken teve a maior oportunidade para demonstrar seu talento. E conseguiu.
Novas formas de matar... e de curar
Seguindo o modelo de expansões anteriores, Endwalker oferece duas novas classes (ou jobs) de combate: um curandeiro (Sage) e uma opção focada em dano (Reaper).
Os objetos em torno do personagem são os nouliths, a arma do Sage.Fonte: Steam
Sage é o que se chama de curandeiro de escudo. Isso significa que é uma classe de cura especializada em aplicar escudos e outras habilidades que diminuem o dano iminente em vez de simplesmente recuperar vida. Um aspecto único de Sage é poder curar um membro da equipe ao causar danos nos inimigos.
No início, jogar com esse curandeiro parece complicado, já que as habilidades parecem ter muitas propriedades. É uma impressão que passa rápido, com a prática. Além disso, o número total de habilidades não é muito diferente do White Mage, que geralmente é considerado um curandeiro mais intuitivo para novos jogadores. Então, no fim das contas, Sage é uma classe muito versátil, fácil de aprender e com alguns dos melhores efeitos visuais do título.
Os ataques do Reaper têm como objetivo invocar uma espécie de espírito, que executa os ataques mais fortes.Fonte: Square Enix
Do outro lado, Reaper é uma classe de dano que usa foices, portanto é preciso estar perto dos inimigos para conseguir gerar algum dano significativo. A rotação, que é o combo exigido para que seja efetiva, é curta e tem como objetivo coletar um recurso para executar outros tipos de poderes, que por sua vez coletam um segundo recurso, o qual é usado para desbloquear alguns dos ataques mais fortes.
Mais uma vez, soa mais complicado do que realmente é. Por exemplo, durante todo o processo, quando focado em apenas um alvo, Reaper só tem dois ataques que se beneficiam de estar em posições específicas em relação ao alvo — e, mesmo se esse requisito falhar, o ataque ainda vai ser executado e o recurso vai ser coletado, apenas com um percentual de dano a menos.
De maneira geral, Reaper não é uma classe tão empolgante quanto Sage, mas ainda é uma sólida adição ao jogo.
Endwalker ainda trouxe ajustes para todas as outras classes. A base de quase todas ainda é Shadowbringers, e muitas das mudanças foram para ajustar certas habilidades à forma como os jogadores já estavam utilizando, com complementos para enriquecer certos combos. As exceções são Summoner, que agora é uma classe nova, e Astrologian, que antes podia alternar entre curandeiro puro e curandeiro de escudo e agora é apenas o primeiro tipo.
O futuro
Obviamente, o lançamento de uma expansão de um MMORPG é só o começo de um ciclo. Endwalker está disponível há alguns meses, e os primeiros conteúdos pós-lançamento já foram lançados.
As primeiras raids foram disponibilizadas na atualização 6.01, 2 semanas após o lançamento.Fonte: Voxel
As normal raids não são tão diferentes dos trials: oito jogadores, um chefe. São conteúdos opcionais, com história própria. Até o momento, quatro delas estão disponíveis, sendo que o padrão é cada expansão ter 12 distribuídas ao longo de 3 atualizações. Assim como em todo o resto, o nível de qualidade não caiu em relação a Shadowbringers. As lutas são divertidas, têm mecânicas únicas e intuitivas, além de uma história envolvente. As versões Savage também têm se mostrado muito interessantes.
Em um MMO, o conteúdo pós-lançamento é tão importante quanto o que veio antes. Até agora, tudo correu muito bem. Olhando para a frente, há muito mais conteúdo relevante planejado, como as Alliance Raids (grandes eventos para 24 jogadores) e novos capítulos para a história principal. Veremos se o padrão de qualidade se mantém.
Parte do conteúdo da atualização 6.05, lançado no começo de janeiro.Fonte: Voxel
Vale a pena?
Quando falamos de sagas longas, amadas por milhões, é difícil exigir uma conclusão mais digna, mais madura, que a de Endwalker. A narrativa é a maior representante disso, é claro, porém todo o resto oferece um nível de refinamento invejável. É um pacote que representa um novo padrão para MMORPGs, um reflexo de um time de desenvolvimento trabalhando no máximo de seu potencial. Para onde ir a partir daqui?
Há muitas dúvidas em relação ao futuro, principalmente no que diz respeito à experiência dos jogadores que estão começando (as partes de A Realm Reborn são muito lentas até para os padrões de MMORPGs). Se a Square Enix quiser que o jogo continue vivo, o novo ciclo precisa responder a essas dúvidas de forma contundente, preparando com cuidado o terreno para a próxima expansão.
Fonte: Square Enix (via YouTube)
Seja como for, o presente é fantástico. Pelo menos por enquanto, definitivamente vale a pena viver no mundo de Final Fantasy XIV.
Pontos positivos
- História madura, temas importantes tratados com toda a sensibilidade necessária.
- Áreas lindas e bem projetadas.
- Dungeons, trials e raids lindas, variadas e desafiadoras na medida certa.
- Novas classes visualmente espetaculares e muito divertidas.
- Trilha sonora espetacular.
Pontos negativos
- Dungeons poderiam ter maior variedade visual.
- Missões ainda seguem a fórmula típica de MMORPGs, em geral.
Nota Voxel: 100
Categorias
- História madura, temas importantes tratados com toda a sensibilidade necessária
- Áreas lindas e bem projetadas
- Dungeons, trials e raids lindos, variados e desafiadores na medida certa
- As novas classes são visualmente espetaculares e muito divertidas
- Trilha sonora espetacular
- Dungeons poderiam ter uma variedade visual maior
- Missões ainda seguem a fórmula típica de MMORPGs, em geral
Nota do Voxel